Costumo ver poucos filmes portugueses no cinema. Não é por mal, mas os poucos que vi, decepcionaram-me sempre… Decidi ver "Amália - O filme" pois, para além de ser grande admirador desta nossa grande diva do Fado, tinha alguma curiosidade sobre a sua vida, mesmo que romanceada… E o resultado acabou por ser positivo, embora um pouco aquém do esperado.

Esta é uma história de amores e de glória, uma narrativa dramática sobre a vida desta fadista, com início em Nova Iorque, no ano de 1984, no momento em que Amália pensava suicidar-se. De certa forma, o filme mostra-nos uma certa obsessão pela morte, que vem desde a adolescência da artista. E no exacto ponto, em que na varanda da sua suite, desde o parapeito, Amália olha para o abismo, nós entramos no turbilhão da sua vida. Uma vida intensamente vivida, de génio artístico, de sucesso internacional, mas também de uma frieza familiar, de algumas desilusões amorosas, em que surge uma paixão improvável e, por isso, platónica. E no meio de tanta fatalidade, vemos surgir a melancolia e exultação do fado na sua voz.

O filme retrata trinta anos (de 1954 a 1984) de uma Amália em busca de um equilíbrio, de um amor que não se consome e, em paralelo, de um sucesso artístico, que a vai projectando como uma grande estrela da canção. É esse o núcleo central de "Amália", uma história com as muitas “estórias” da fadista, onde assistimos à reconstituição de alguns dos mais memoráveis momentos da sua carreira artística.

Não sendo brilhante, "Amália-O filme" não deixa de nos impressionar. No que respeita ao aspecto estético do filme, trata-se de uma obra arrojada em termos técnicos, com um trabalho de montagem ousado. Sandra Barata Belo encabeça um elenco notável no filme. As parecenças físicas da actriz com Amália são evidentes e ajudam a criar um rápido envolvimento do público com a figura retratada. Mas para além de maquilhagem perfeita e de um guarda-roupa exímio, Sandra Barata Belo demonstra ser uma excelente actriz, falando como Amália, mexendo-se e sentindo como ela. E notável ve-la a cantar em playback com um brilhante dramatismo - quase com lágrimas nos olhos, num tom de pranto ou de agonia.

De resto, o conceito do Fado – aspecto fulcral na existência e essência de Amália é tomado como meramente acessório, interessando mais ao argumento os amores e desamores da fadista do que o espírito do Fado que Amália ajudou a cimentar. Um outro aspecto negativo é a má caracterização de Sandra nas sequências de 1984, quando pretendem aparentar uma Amália com 64 anos. A cara da actriz está algo assustadora. Ainda temos muito que aprender em termos de caracterização… Já a banda sonora do filme é impecável, com uma boa selecção do reportório de Amália, compilando uma série de gravações suas históricas.

Portanto, quando saímos da sala de cinema depois de "Amália - O Filme", para além de uma extrema saudade e nostalgia que sentimos, tomamos consciência de que faltava algo mais, de que Amália Rodrigues merecia melhor. Um filme à altura da sua grandiosidade poderia servir, novamente e em plenos anos 2000, como veículo internacional de difusão da sua voz e do seu tão característico Fado. Estou certo de que muitos desejavam um filme para Amália como a grande produção que foi feita em nome de Edith Piaff, mas há que reconhecer o resultado do projecto e vale sempre a pena vê-lo. O filme é interessante e resulta muito bom para quem já conhece a cantora e quer conhecer um pouco a mulher por trás do mito. Uma voz e uma figura que já foram símbolo da identidade portuguesa. Decididamente, a vida não passou por Amália. Viver não lhe chegava. Cantando, chegou a todos.

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