Ora aqui está um filme que me surpreendeu… Pensava que ia ser espectador de uma história banal de uma actriz pornográfica famosa e saiu-me um enredo que denota a violência doméstica, tornando Linda não apenas numa mera actriz de filmes de segunda, mas como uma das primeiras mulheres a dar a cara e a denunciar o flagelo de viver sob a violência no mesmo tecto, bem como uma ativista contra a indústria do "entretenimento adulto”… Este biopic da atriz Linda Lovelace (Amanda Seyfried) começa como uma reconstituição de “Deep Throat” – o clássico “Garganta Profunda” de 1972. A narrativa vive de alguns flashbacks e mosta o começo dos anos 70, com a protagonista bem puritana e púdica, ainda avessa a práticas sexuais comuns, como o sexo oral. Para quem não conhece a história por trás de Linda Boreman – verdadeiro nome da estrela, mergulhar na sua intimidade é bem interessante. De inocente menina sardenta, oriunda de uma família conservadora, transforma-se no símbolo da emancipação feminina e da revolução sexual dos anos 70. A história de Linda Lovelace até poderia ser uma espécie de conto de fadas da indústria pornográfica, mas a vida da atriz acabou por se revelar num drama bem pesado, com episódios chocantes… O argumento, a cargo de W. Merritt Johnson, acompanha Linda no seu percurso de “estrela” A sua história é contada através da perspectiva de três jornalistas que a entrevistaram durante os vários estágios de sua vida até chegar a ser simplesmente Linda Marchiano. Na trajetória de Linda, temos uma primeira parte a mostrar-nos a sua entrada na pornografia, alta e estranhamente incentivada pelo seu marido, Chuck Traynor, e os louros da fama - como o apoio de Hugh Hafner e o encontro com diversas celebridades da época. A segundo parte, leva-nos de novo ao passado, sob uma outra perspectiva mais íntima, preenchendo lacunas e mostrando o outro lado de todas as cenas, revelando um marido abusivo e bem violento, quer física, quer emocionalmente, ao longo de todo o processo da transformação de Linda Susan Boreman em Linda Lovelace. Mais tarde, sentimos a descrença sofrida por Linda, quando a mesma assume o apelido do seu segundo marido, Larry Marchiano, e decide contar a sua história no seu livro autobiográfico “Ordeal”. Neste processo, Linda teve de passar por um detector de mentiras, pois custava acreditar que a musa de um dos filmes pornográficos mais conhecidos e lucrativos da história fosse uma vítima. As páginas do livro, contudo, revelam-nos uma vida de abusos e humilhação, sendo submetida pelo próprio marido a actos execráveis, devidamente filmados em oito milímetros.
Ainda que bem sucedido, ao desdobrar dos dois lados da vida de Linda, o filme perde algum ritmo, pois acaba por nos submeter a voltas no tempo e repetições desnecessárias. Amanda Seyfried, tem aqui uma performance delicada e sincera, que ajuda a criar uma empatia imediata com a personagem-título. Sharon Stone, como sua mãe, surpreende e bem poderia estar na corrida para o Oscar de melhor actriz secundária. O resto do elenco é igualmente de luxo: Sarah Jessica Parker, Hank Azaria, Bobby Cannavale, Chris Noth, Robert Patrick, Peter Sarsgaard, Wes Bentley, Eric Roberts, Debi Mazarr... James Franco faz ainda uma participação como o fundador da revista “Playboy”, Hugh Hefner. Posto isto, “Lovelace” é uma visão sensível da vida da actriz de Garganta Profunda, uma introdução à história controversa de uma mulher que exerceu influência tanto na desmitificação da sexualidade - revelando o sexo oral e o prazer feminino ao grande público, como no combate ao abuso e violência doméstica. No fundo, todo um símbolo sexual e um símbolo do feminismo que vale a pena ser conhecido.

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