Loucura e arte não andam necessariamente juntas. Mas, em certas circunstâncias, transtornos mentais podem abrir caminhos inusitados para a criatividade... É o caso de Yayoi Kusama, de 87 anos, considerada uma das mais importantes artistas japonesas da actualidade e que vive há mais de 30 anos e por iniciativa própria, numa instituição psiquiátrica em Tóquio. Segundo o The Art Newspaper, foi a artista mais popular de 2014. E eu, que também aprecio arte, encontrei nela uma história impressionante e até comovedora.

O seu trabalho é uma mistura de diversas artes, como colagens, pinturas, esculturas, arte cénica, de performance e instalações ambientais, onde é visível uma característica que se tornou a marca da artista: a obsessão por pontos e bolas. Todas as suas expressões artísticas possuem algo de surrealismo, de modernismo e de minimalismo, onde se denota o padrão de repetição e acumulação. Além disso, Kusama também se embrenhou na arte da literatura, com romances e poesias, escritas em 13 livros. Alguns dos seus romances são considerados chocantes e surrealistas, com personagens fortes como prostitutas, assassinos e um auto-retrato de si própria como Shimako, enlouquecida em Central Park. Mas, de onde vem tanta criatividade?

Tudo indica que é devido à esquizofrenia de que sofre, que a faz ter uma percepção e uma visão diferente da realidade em que vive. Segundo a própria, ela sempre foi atormentada por visões distorcidas, que a fazem visualizar bolas e pontos. Kusama sofre de transtorno obsessivo compulsivo e alucinações desde a infância. Nascida em Matsumoto, no Japão, numa família bastante repressora, desde cedo, os seus transtornos mentais traduziram-se em arte e na criação de uma identidade visual bem peculiar. A sua mãe chegava a destruir os seus desenhos, mas foram eles que a fizeram escapar do suicídio…

A artista diz sempre que, por sorte, quando ainda era muito jovem, fora a um psiquiatra que entendia de arte. Desde então, luta contra a sua doença, embora, no seu caso, a cura estivesse em criar arte baseada na doença. “Desenvolver a minha criatividade foi a minha cura” — explica Kusama.

A produção artística ajudou Kusama a canalizar suas ideias e manter-se viva. Por causa da guerra, ela teve de passar a sua juventude na “escuridão” de um Japão militarista. Isso fê-la buscar um lugar mais amplo, um mundo exterior em que pudesse expressar-se. Então, foi para os Estados Unidos. Kusama chegou a Nova Iorque em 1957, e lá entrou em contato com artistas como Donald Judd, Joseph Cornell e Andy Warhol. Foi ali que ela começou a fazer peformances, onde pessoas nuas eram cobertas com as suas indefectíveis bolinhas, numa espécie de celebração do amor livre. De certa forma, Kusama e Warhol eram líderes em campos rivais. Eles cortejavam a publicidade e criaram personas mediáticas fascinantes para promover as suas obras. E ambos experimentavam com a criatividade colectiva: Warhol tinha a sua Factory e Kusama tinha as suas orgias e performances. Contudo, há quem considere que ela é a versão japonesa de Andy Warhol.

Kusama viveu nos EUA de 1957 a 1973, período em que produziu o trabalho pelo qual hoje é mais conhecida. E, quando ela voltou para o seu país, com o agravamento do seu transtorno obsessivo, decidiu viver numa instituição psiquiátrica, apesar de usar o seu apartamento a poucos minutos de distância como atelier, para a sua mente inquieta e sem limites O Japão era, e de certa forma ainda é, um país profundamente patriarcal, onde as mulheres não têm as mesmas liberdades que os homens. É também uma cultura demasiado conformista, e o trabalho iconoclasta de Kusama e a sua singular personalidade (sem contar o facto de que ela assume publicamente a sua doença mental) fizeram com que não fosse muito compreendida… até recentemente.

Hoje, ela vive o auge de sua fama internacional, figurando como a terceira artista feminina que mais dinheiro ganhou com o seu trabalho. Foi somente há um par de anos que o seu trabalho ganhou as primeiras grandes exposições internacionais: em 2011, no Reina Sofía, em Madrid, e no Centro Pompidou, em Paris; e, em 2012, na Tate Modern, em Londres, e no Whitney Museum, em Nova Iorque. Sem falar na sua produção de estampados para a marca Louis Vuitton.

As suas obras, já chegam a milhares e podem ser vistas não só em museus no Japão e Nova Iorque, como em várias partes do mundo, como Venezuela, Singapura, Espanha e Brasil, e possuem um valor inestimável. Considerada louca por alguns, o que se pode dizer de Yayoi Kusama é que, mesmo na sua loucura e nos seus devaneios, ela encontrou na arte a fuga e o tratamento da sua doença, tornando-se um dos grandes nomes da Pop Art ainda em vida. Pois, como ela própria diz: se não fosse a sua arte, já se teria matado há muito tempo…








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