Fez ontem 90 anos que um certo Tintim, de viagem para a Rússia de comboio, prometia enviar "postais, vodka e caviar". De Bruxelas ao País dos Sovietes, na sua única reportagem, acontecia a primeira de muitas viagens do repórter mais famoso da BD, publicada a 10 de janeiro de 1929 no "Le Petit Vingtième", um suplemento juvenil de um jornal católico e conservador belga denominado "Le Vingtième Siècle". Da Rússia soviética aos EUA, da China ao Peru, do Egito à Austrália, do cume dos Andes aos Himalaias e às ficcionais Bordúria e Sildávia, do fundo do mar à própria Lua, Tintin, primeiro com Milu, depois também acompanhado pelo Capitão Haddock, o professor Tournesol ou os detetives Dupond e Dupont, iria tornar-se num dos símbolos pop do século XX.

Em 1950, 18 anos antes de Neil Armstrong e Buzz Aldrin terem dado os primeiros passos na Lua, o autor belga Hergé publicava na revista Tintin as primeiras pranchas do que viria a ser a história compilada no álbum "Objetivo Lua" (1953), o 16.º da série do jornalista da poupa ruiva e calças de golfe, com o seu inseparável fox terrier branco, Milu. E Portugal foi o primeiro país não francófono a publicar Tintim. Foi em 1936, na revista "O Papagaio".

O sucesso foi tal que, 17 anos após o seu nascimento e já depois da estreia em Portugal, Tintin ganhou uma revista com o seu nome, "Le Journal de Tintin", um periódico que reunia as aventuras do repórter e de mais personagens de outros autores. Traduzido em mais de 50 línguas, incluindo esperanto e latim, e com mais de 200 milhões de cópias vendidas, Tintin tornou-se um clássico dos "7 aos 77".



O criador de Tintin, Georges Prosper Remi, que assinava como Hergé, fez as aventuras de Tintin acontecerem há 90 anos atrás. Desde aí, o sucesso deste herói francófono de banda desenhada foi aumentando e a sua obra está traduzida em mais de cem línguas. Cheio de uma vitalidade sem limites, Tintin parece mais jovem do que nunca prosseguindo com as suas viagens graças à sua determinação e dinamismo. O próprio Hergé, que faleceu em 1983, dizia: "O universo de Tintin é otimista". Hoje, mais do que nunca, nesta era de um mundo em mudança, as aventuras de Tintin são sempre fascinantes.



Hergé, o seu pai, que ao longo da vida escreveu e ilustrou 24 livros, um deles publicado postumamente, é considerado um gigante na BD. Pode-se considerar que há um antes e um depois dele. Se atentarmos ao que era a banda desenhada em 1929 e a compararmos com aquilo em que se tornou a partir de 1946, percebemos o porquê. A linha clara, mesmo antes de ter sido teorizada, tornou-se numa técnica transversal a quase todos os criadores de banda desenhada franco-belga: Astérix, Lucky Luke, Blake e Mortimer, Alix, Ric Hochet, Barelli, Spirou e muitos outros surgiram graças às portas abertas por Tintin. E Hergé não foi apenas um inspirador de outros autores de banda-desenhada. Ele chegou mesmo a empregar muitos deles. Os mais importantes foram Edgar P. Jacobs, Jacques Martin e o grande Bob de Moor. Os três trabalharam na revista "Tintin", lançada em 1946 pela editora belga de banda desenhada, Le Lombard. É nesta que Jacobs vê publicado "O Segredo do Espadão", primeira aventura de Blake e Mortimer; que Jacques Martin publica boa parte de Alix, e em que Bob de Moor apresenta a sua personagem Barelli. Jacobs, o primeiro colaborador de Hergé, teve um papel fulcral no álbum "As Sete Bolas de Cristal", com os desenhos e ambientes da casa do professor Bergamotte, onde Girassol viria a ser raptado. Jacobs foi ainda responsável pelo cuidado no pormenor em algumas aventuras de Tintin, pois Hergé descurava. Infelizmente, a história entre os dois acabou por não resultar tão bonita quanto se poderia desejar com quezílias, incompreensões, rivalidades e pequenas traições pelo meio…



Tintin foi também estrela no pequeno e grande ecrã. Em solo português, Tintin estreou numa versão animada na RTP, nos anos 80, numa série com cerca de 100 episódios de apenas cinco minutos cada. Em 1991, surgiu aquela que será, porventura, para os fãs, a série mais famosa, e que pode ser revista na Netflix. As aventuras de Tintin não se limitaram à série televisiva e, já na década de 40, a personagem de Hergé passeava pelo cinema. As quatro longas-metragens realizadas nos anos 1960-70, com actores de carne e osso, foram algo decepcionantes, ficando muito afastadas das bandas-desenhadas em que se inspiraram. Mais recentemente em 2011, em "As Aventuras de Tintim - O Segredo do Licorne", de Steven Spielberg, que chamou a Hergé a sua "alma gémea", Tintin viu finalmente a 7ª arte fazer-lhe jus. E dentro em breve deverá estrear um segundo filme no cinema sobre este herói, novamente por iniciativa da dupla Peter Jackson e Steven Spielberg, assim como - talvez - nasça uma banda-desenhada inédita. Desta vez, como já tinha sido combinado, os cineastas vão trocar os papéis: Jackson, produtor do primeiro, será agora o realizador, agora que está livre da trilogia "O Hobbit" e do documentário sobre a I Guerra Mundial "They Shall Not Grow Old". Quanto ao argumento, "existem várias possibilidades. Pode ser uma mistura de «O Ceptro de Ottokar» e «O Caso Girassol»", avançou a uma rádio francesa Benoît Mouchart, diretor editorial de Casterman.



Este 90º aniversário será marcado pelo lançamento de um álbum em digital da segunda aventura do pequeno repórter. Mas não apenas qualquer versão, pois trata-se da linha original e as letras de Hergé, a partir de pranchas executadas pela sua própria mão, restauradas e coloridas de acordo com as técnicas do século XXI. Moulinsart assumiu a missão de restaurar, melhorar e embelezar graças às novas tecnologias, a qualidade de reprodução das primeiras aventuras publicadas em preto e branco. Depois de "Tintin na terra dos soviéticos" (versão colorida), virá "Tintin no Congo", em formato digital colorido.

E nesta data não se está a celebrar apenas o aniversário do repórter mais famoso do mundo, pois também saudamos o seu criador. O Museu Hergé, totalmente dedicado ao seu trabalho, também comemora os seus 10 anos em 2019!
Hoje, objetos relacionados com o universo Tintin valem centenas de milhares de euros, como é o caso da capa original de "Tintim no Tibete", vendida por 285 mil euros num leilão em Paris, em 2014, e dos desenhos vendidos por 364 mil euros no Texas, EUA, no verão do ano passado. E em Lisboa existe uma "The Tintin Shop" que, aberta desde março de 2018, é a primeira loja oficial de Hergé no nosso país. Fica na Rua da Junqueira e é adequada aos maiores fãs.



Com Tintin não deixamos apenas de ter idade, passamos também a estar em qualquer lugar, nem que seja imaginário. E noventa anos depois da sua primeira aparição, é com satisfação que vemos leitores de todas as idades continuarem a ler as aventuras de Tintin.


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