“Mulher–Maravilha 1984” era uma dos lançamentos da DC mais aguardados do ano. Após muitos meses de espera e de alguns adiamentos devido à pandemia, o filme finalmente estreou nos cinemas portugueses. Leve e divertida, esta nova aventura da mulher-Maravilha era o filme de super-heróis de que todos estávamos a precisar neste final de 2020. Num ano que se tem revelado terrível e sem precedentes, que nos tem “roubado” muitas coisas – desde o afastamento de pessoas queridas a atividades quotidianas como ir ao cinema sem preocupações - esta longa-metragem, realizada mais uma vez por Patty Jenkins, traz-nos uma mensagem confortante de esperança e crença sobre o melhor que a humanidade pode ser. O filme apresenta uma narrativa bem desenvolvida que explora o simbolismo da personagem, afastando-se do tom sombrio que Zack Snyder tentou dar ao DCEU (DC Extended Universe).

 


Pode parecer um cliché, mas é de facto um alívio ter um filme como “Mulher-Maravilha 1984” agora. Quando William Moulton Marston criou a Mulher-Maravilha em 1941, ele imaginou a heroína como uma espécie de antídoto para o excesso de violência dos super-heróis existentes. Para ele, criar uma heroína com superpoderes era um modo de associar à ideia de heroísmo valores como altruísmo, empatia, ternura e amizade, normalmente desvalorizados numa cultura que considerava que ser-se forte era apenas estar dotado de força bruta e derrotar inimigos. Diana Prince surgiu, na altura, como uma heroína de força sobre-humana que se guiava por esses valores. Não empunhava armas mortíferas e procurava sempre reabilitar os maus da fita em vez de os aniquilar. É esse mesmo espírito que Jenkins evoca ao revisitar Diana (Gal Gadot). Nos anos 1980, ela vive em Washington, trabalha no Museu Smithsonian e leva uma vida de quem já está entre a humanidade há quase 70 anos: como Diana, é um tanto solitária e nostálgica pelas pessoas que já viu partir; como Mulher-Maravilha, encara como algo quotidiano salvar uma atleta de um atropelamento ou crianças de um assalto a um shopping centre. Diana já não é mais a jovem ingénua do primeiro filme, mas tampouco se deixou tomar pelo cinismo, nem perdeu a fé na humanidade, encarando a vida com um olhar terno.


O tom mais leve e menos solene do filme é o seu ponto forte. Paradoxalmente, consegue ser simultaneamente mais vincado na realidade quotidiana e mais fantástico, permitindo-nos vislumbrar Diana não só em ação, mas em momentos de grande intimidade e vulnerabilidade. A sua química com Steve Trevor (Chris Pine) dá ainda mais brilho a tais situações, agora com os papéis invertidos - é ele o peixe fora d’água no ano de 1984 -, e essas interações não são apenas alívios cómicos pontuais, e sim algo melhor integrado ao espírito do filme. Por outro lado, a ação é dinâmica, divertida e tornada mais fantástica pela facilidade com que Diana explora a vantagem que tem sobre os seus oponentes, desarmando-os sem grande esforço com a ajuda do laço da verdade e da sua tiara. Há também um certo tom do género filme de aventuras incutido, tal como em Indiana Jones, na busca de pistas sobre a relíquia que move a trama deste “Mulher-Maravilha 1984”.


Essa relíquia, um misterioso cristal, tem a função de elevar os obstáculos no caminho de Diana, quando coisas estranhas começam a acontecer a pessoas que tiveram contacto com ela, incluindo a própria, a sua colega gemologista Barbara Ann Minerva (Kristen Wiig) e a estrela de televendas e aspirante a magnata do petróleo Maxwell Lord (Pedro Pascal). Por sinal, estes atores estão muito bem nos papéis de antagonistas. A transição de tímida arqueóloga para numa femme fatale e posteriormente para uma Cheetah implacável por parte de Kristen Wiig é um dos pontos altos e faz-nos recordar um pouco Michelle Pfeiffer como Selina em “Batman: O Regresso”. Os poderes dessa pedra permitem que a realizadora Jenkins (que escreveu o argumento com Geoff Johns) apresente e desenvolva as motivações de cada personagem de modo que os espectadores sintam que coisas realmente importantes e muito pessoais estão em jogo para cada uma: recuperar um grande e verdadeiro amor, não se sentir mais menosprezada e invisível, conquistar admiração e respeito etc. Com esses elementos - heroína e vilões com muito a perder, uma atmosfera de aventuras dos anos 1980 e a possibilidade de redenção – Jenkins consegue, de alguma forma, entregar um enredo mais bem desenvolvido do que o primeiro Mulher-Maravilha (2017), talvez por nos fazer sentir que este era o tom que a nossa heroína merecia desde o início.


“Mulher-Maravilha 1984”, além de ser um blockbuster magnífico, chega numa assustadora sintonia com os tempos actuais, já que, sem querer, acaba por recair sobre questões inerentes a um mundo em pandemia. De facto, este é o maior trunfo do enredo: conseguir incitar o público com questões sociais, mas sem esquecer a essência da produção, que é a de narrar a jornada de uma super-heroína. Apesar da estética dos anos 1980 nos encantar, ela não nos afasta do verdadeiro propósito da história: apresentar uma sociedade individualista e consumista que é arruinada pelos seus próprios impulsos.

E não se pode deixar de falar sobre Gal Gadot. Que a atriz nasceu para ser a Mulher-Maravilha, não restam dúvidas. Porém, neste seu segundo filme a solo, a protagonista é-nos apresentada por uma óptica muito mais vulnerável, que a faz questionar sobre o seu papel neste mundo. Mais madura do que a inocente heroína que conhecemos em 2017, Diana precisa balancear os seus interesses pessoais com as necessidades do planeta que ela jurou proteger. Esse conflito emocional é apresentado de maneira muito honesta e evidencia um dos maiores desafios de ser-se um super-herói: dar prioridade aos outros acima de si mesmo.


Tecnicamente, a obra também não decepciona. Os efeitos visuais são convincentes e envolventes. Inclusive, a fantástica abertura do filme, como um prelúdio, dita o tom para o restante da história, apresentando uma competição de proporções épicas entre uma jovem Diana e outras amazonas na ilha de Themyscira. No final dessa sequência, somos confrontados com alguns das questões morais que irão permanecer ao longo do filme.

Seja a voar num avião invisível ou a enfrentar uma Mulher-Leopardo obstinada, Mulher-Maravilha entrega toda a magia que precisamos no momento, fazendo-nos escapar da triste realidade, da fase difícil que enfrentamos. E, tal como a nossa heroína afirma no filme, o melhor caminho — mesmo que seja o mais doloroso — sempre será o da verdade.


“Mulher-Maravilha 1984” amealhou 31.5 milhões de euros nos primeiros dias em exibição nas salas de cinema, um pouco abaixo da previsão de 49 milhões de euros apontada para o filme antes da estreia. O filme foi recebido com grande entusiasmo, porém o encerramento das salas de cinema em alguns países prejudicou a sua performance. Os mais recentes desenvolvimentos em torno da pandemia COVID-19 forçaram as autoridades de alguns países a decretar o isolamento social e recolher obrigatório, tendo algumas salas de cinema sido encerradas novamente. Razão pela qual o último blockbuster do ano ter ido para streaming nos E.U.A. no dia de Natal, tendo estreado em simultâneo nas salas abertas e na HBO Max. Em Portugal, está em exclusivo nos cinemas desde o dia 16 de Dezembro. Não percam!

 



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