Eis um filme que certamente vai marcar o nosso verão. Quando fui à antestreia, não sabia bem ao que ia, mas saí do cinema maravilhado. Saibam porquê...

O criador do musical da Broadway “Hamilton” e o realizador de filmes como “Asiáticos Doidos e Ricos” juntaram-se para dar vida a um evento cinematográfico, onde os pequenos sonhos se tornam gigantes e as ruas se enchem de música... “Ao Ritmo de Washington Heights” é uma fusão da música e letras de Lin-Manuel Miranda com a visão animadora e autêntica do realizador Jon M. Chu.

As luzes acendem-se em Washington Heights, um bairro da periferia de Nova Iorque… o cheiro a café quente (cafecito caliente) paira no ar mesmo à porta do metro da 181st Street, onde uma miríade de sonhos se reúne entre uma comunidade latina unida. Na intersecção de tudo isto, Usnavi de la Vega (Anthony Ramos), dono de uma simpática e magnética mercearia, trabalhador e prestável, vive esperançoso, cantando e almejando por uma vida melhor. Mas se Usnavi é o principal protagonista, o filme é ainda formado por diversas e carismáticas personagens que ganham espaço na narrativa. Nina (Leslie Grace), é uma jovem universitária que sente pressão para voltar à faculdade, mas não sabe bem se é issso que realmente deseja. Por sua vez, ela é alvo da paixão de Benny (Corey Hawkins), um operador de tráfego automóvel que é empregado na empresa do pai (Jimmy Smits) da jovem que ama. Ainda temos Vanessa (Melissa Barrera), que trabalha no salão de beleza da comunidade latina, mas sonha em sair do bairro e fazer carreira no mundo da moda, enquanto vive um "quase romance" num eterno flirt com Usnavi.



Quando estreou na Broadway em 2008, o primeiro quadro de “In the Heights” mencionava Donald Trump como um exemplo de sucesso financeiro na canção "96,000". Para a adaptação que chega agora aos cinemas, uma das primeiras mudanças foi a retirada do nome do ex-presidente norte-americano. Mas para quem viu o musical original, existem outras mudanças significativas no enredo. A ordem das canções resulta diferente, Nina perdeu a sua mãe, enquanto as animadas Carla (Stephanie Beatriz) e Daniela (Daphne Rubin-Vega) formam um casal. E apaga a questão financeira central da Abuela Claudia, a matriarca da comunidade latina, que era o fio condutor da peça. Porém, Quiara Alegría Hudes, a mesma argumentista do musical, mostra como soube adaptar o seu próprio texto para os ecrãs, sem perder a alma da história, nem relevância política, numa sociedade que, infelizmente, ainda ignora as minorias.



Existem tantos elementos que fazem parte do original de palco que é de se tirar o chapéu a este realizador por ter conseguido encaixar tanta coisa no ecrã: a celebração da herança latina, de uma área em Nova Iorque, do fenómeno migratório, de diferentes sentimentos, relações, culturas... Jon M. Chu é o realizador responsável por esta adaptação ao cinema do musical da Broadway passado na zona de Washington Heights, em Nova Iorque, e as cenas musicais de “Ao Ritmo de Washington Heights” são verdadeiramente de tirar o fôlego, transbordando energia, cheias de pirotecnias, grandes figurinos e malabarismos visuais. E existe uma coreografia incrível - atentem bem - na cena da piscina, que remonta para os musicais aquáticos de Esther Williams.



Mas é precisamente no visual mais comum das ruas do bairro e das personagens centrais que reside a alma deste filme. São as sensacionais danças, fiestas, bandeiras coloridas de Porto Rico, México, Cuba, Brasil e muitas outras alçadas com energia por moradores que cantam “Carnaval del Barrio” e protagonizam coreografias vibrantes ao som da batida latina das canções de Lin-Manuel Miranda que fazem desta experiência cinematográfica, singular e épica. Com “Ao Ritmo de Washington Heights”, Lin-Manuel Miranda consegue imprimir o DNA latino nos musicais. O filho de porto-riquenhos assume-se como um interessante (e caliente) sopro de vida no género. Inclusive, participa no filme como Mr. Piragüero. Este jovem adentrou o universo dos musicais com o pé direito, pois “In the Heights” ganhou o Tony — o Oscar do teatro — em 2008, e o Grammy no ano seguinte. Também aqui, as músicas são outro dos atrativos, onde Lin-Manuel inusitadamente mistura hip-hop, pop, salsa, bolero e outros ritmos de todas as Américas para compor diálogos, declarações de amor e discussões, mas também quadros que são puro espetáculo. Tratando-se de um musical, onde as partes cantadas tomam boa parte do tempo de tela, há também muitos diálogos falados, o que pode constituir um alívio para quem ainda não se sinta muito confortável com o género.




Sendo um delírio otimista, “Ao Ritmo de Washington Heights” não deixa de chamar a atenção para a infeliz realidade que subsiste, das dificuldades enfrentadas pela comunidade latina do bairro de Washington Heights. E embora sejamos guiados pelo sonho de Usnavi em voltar para a terra dos seus pais, na República Dominicana, cada uma das personagens ao seu redor é guiada pelo seu próprio sueñito - seja de se encaixar, de conseguir uma educação, de mudar de casa ou de se legalizar.



“Ao Ritmo de Washington Heights” tem tudo para agradar e tornar-se o filme deste verão. Sem vilões, drogas ou crime, é uma história contada por latinos com muito amor pela sua cultura. Um filme que é um deleite para os olhos, mas que é também um convite para sonhar. Quebrando estereótipos, trata-se de um grito poético, mas também político contra a marginalização das comunidades imigrantes nos Estados Unidos. Um musical latino, feito por latinos, sobre o sonho americano.




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