Com este novo episódio da “saga” 007, Daniel Craig despede-se de nós como o espião com licença para matar, fechando um longo ciclo para a personagem de Ian Fleming no cinema. Quinto e último filme do actor “ao serviço de sua majestade” vem completar o arco narrativo da personagem e ajuda a elevar o espião infalível a herói humano. De facto, "007 - Sem Tempo para Morrer" é uma bela e emocionante despedida para o britânico e provavelmente o melhor desempenho dele no papel de James Bond desde "Cassino Royale" (2006), quando assumiu o papel do agente secreto. Também funciona como um desfecho competente para a história iniciada há 15 anos, que aos poucos elevou o implacável espião a um “gajo dos bons” mais humano e bem mais interessante.

Tendo estreado nos cinemas portugueses nesta quinta-feira (30 de Setembro), o 25º filme do agente especial 007 também acaba com uma longa expectativa, gerada por mais de um ano de adiamento por devido à infame pandemia. Aliás, o filme começa com Dainel Craig como Daniel Craig a falar diretamente com o público, agradecendo a paciência e elogiando o facto de "007 - Sem Tempo para Morrer" se estrear finalmente num grande ecrã, como que a insinuar que não é filme para estrear em canais de streaming... enaltecendo as emoções que só se conseguem viver e experienciar no cinema. De facto, quase dois anos separam a data de lançamento original, anunciada em 2019, e a estreia do filme. Surpreendentemente, “Sem Tempo Para Morrer” traça um paralelo algo poético e certeiro com o período que ainda estamos a viver em 2021, apostando numa mensagem sobre legado e sobre o potencial destrutivo da humanidade, sendo nós próprios as nossas maiores ameaças.


No início da história, encontramos James Bond a viver um relacionamento apaixonado com Madeleine Swan (Léa Seydoux) - após uma excelente cena de abertura centrada no passado da personagem feminina... a seguir, uma reviravolta leva-nos cinco anos à frente, e vemos Bond, após sair do serviço ativo da MI6, a viver discreta e tranquilamente na Jamaica. Mas como tudo o que é bom dura pouco, a vida do clássico espião torna-se agitada mais uma vez. Se há coisa que os filmes de espionagem já nos ensinaram é que nenhum agente secreto realmente se retira de cena e, assim, Bond é chamado de volta ao serviço por conta de uma nova ameaça mundial que envolve uma arma biológica roubada e um cientista desaparecido. Tudo começa quando Felix Leiter (Jeffrey Wright), um velho amigo da CIA, procura o inglês solicitando o pequeno favor de o ajudar numa missão secreta. O que era pra ser apenas uma missão de resgate de um grupo de cientistas acaba por resultar mais traiçoeiro do que o esperado, levando o agente 007 ao misterioso vilão, Safin (Rami Malek), que faz uso de novas armas de tecnologia avançada e extremamente perigosas. E mais não poderei dizer, pois até como indicava um dos hashtags da ante-estreia #semtempoparaspoilers

Com 53 anos, Daniel Craig sabe aguentar, como nunca, as belas cenas de acção, e apresenta um Bond algo mais vulnerável, apaixonado e magoado pelo passado. Para enfrentá-lo, temos o antagonista interpretado por Rami Malek, mais um vilão encaixado na forma de "o outro lado da moeda de Bond”, com marcas na cara para não deixar dúvidas de que ele é mesmo o mau de serviço. A sua ligação com o passado da jovem francesa empolga ao início, mas logo fica em suspenso para dar lugar a outros compromissos do enredo. Aos poucos, outras personagens como Moneypenny (Naomi Harris), M (Ralph Fiennes), Q (Ben Whishaw) e até Blofeld (Christoph Waltz) evidenciam a aproximação inevitável de um desfecho para o que fora deixado em aberto.


O argumento a cargo do realizador Cary Joji Fukunaga (da primeira temporada de “True Detective"), Neal Purvis e Robert Wade (que escrevem capítulos da “saga” 007 desde "The World is Not Enough"), e Phoebe Waller-Bridge (de "Fleabag") conseguem proporcionar um equilíbrio razoável. Até momentos que parecem não fazer muito sentido para o enredo geral, ajudam, de certa forma, a construir a figura mais humana e emblemática de Bond. Por exemplo, uma festa repleta de bandidos nas Caraíbas poderia ser facilmente abolida, porém perderíamos uma das melhores e mais humorísticas participações da história, com a excelente Ana de Armas, que tem aqui uma participação breve, mas definitivamente marcante, bem como um grande momento de acção.


“Sem Tempo Para Morrer” é o filme mais longo da história de James Bond. Com tanta coisa importante por resolver, até é compreensível que a produção sofra alguma instabilidade rítmica ao longo de suas longas duas horas e 43 minutos de duração. Porém, tal não significa que o filme falhe em nos entregar momentos de tirar o fôlego, ação e suspense. Óptimas cenas de ação, momentos pessoais que ajudam a aprofundar grande parte dos relacionamentos e mais uma actuação exímia de Daniel Craig ajudam o espião a superar a maior parte dos problemas. Tão implacável, quanto vulnerável, temos talvez aqui a versão mais melancólica e humana de James Bond. Após os 163 minutos de filme, é o carisma do actor que provavelmente nos vai deixar com um sentimento agridoce pelo encerramento de um ciclo. A discussão sobre quem será o próximo agente secreto 007 ainda é um assunto que vai fazer muita água correr...



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