E eis que chega o aguardado “Noé”, ou o dilúvio, segundo Aronofsky. Combinando a grandeza dos antigos épicos religiosos de Cecil B. DeMille, com a paixão de Darren Aronofsky por personagens atormentados por obsessões (lembremo-nos de “O Cisne Negro”), este filme atinge a sua plenitude quando se foca mais no lado humano das personagens e deixa o poder das suas mensagens sagradas à margem. É, de todo, impossível, para qualquer cineasta, transpor fielmente, a 100%, qualquer obra literária para a sétima arte. E por mais próxima que a adaptação seja do original, as alterações são inevitáveis, sejam leves ou de grandes proporções. Isto torna-se ainda mais grave quando se trata de textos religiosos, de qualquer religião. Ora, neste “Noé”, temos Darren Aronofsky a transporo uma passagem relativamente curta do Antigo Testamento para um épico cinematográfico, com elementos de fantasia e drama psicológico q.b.. O cineasta conta-nos a história de Noé, escolhido por Deus para salvar todos os animais após Ele se ter "arrependido" de ter dado ao Homem o domínio do planeta. Esta versão adulta de Noé, interpretada por Russell Crowe, surge no filme como um fervoroso religioso e um cuidadoso biólogo, enquanto o seu némesis, também descendente de Adão, Tubal-Cain (Ray Winstone), reina entre os homens com um talento natural para o mal e corrupção. Aronofsky e o argumentista Ari Handel foram buscar à Bíblia a figura de Tubal-Cain - nome associado nas escrituras à sua vocação como ferreiro e armeiro - para criar esse antagonismo. Isto porque não se pode fazer um filme-catástrofe centrado apenas no dilúvio; há que lhe dar intensidade e drama, acrescentar heróis e vilões. Por outro lado, ao recorrer ao Velho Testamento para aproveitar os anjos caídos a partir do conceito citados de maneira superficial pelo livro de Gênesis, como os Guardiões (“Havia naqueles dias gigantes na terra”), o cineasta cria no filme o elemento dos Vigilantes, colocando em ação verdadeiros gigantes de pedra, que dão um toque de agradável fantasia.
O sofrimento crescente de Noé advém de sua incapacidade de compreender as visões que o Criador lhe vai enviando. Diante da monumental tarefa que lhe é imposta, como é que um homem pode fazer ouvidos surdos perante o sofrimento dos seus pares e da sua própria família? É a partir deste questionamento que Aronofsky trabalha o seu protagonista, com Russell Crowe a defender esplendidamente a crescente perturbação psicológica que a devoção cega de Noé à sua missão provoca. A loucura fundamentalista de Noé contradiz os seus próprios valores… Mas Aronofsky penetra mais fundo nas personagens e dá-nos o sofrimento mundano de Cam (Logan Lerman), o amor entre Ila (Emma Watson) e Sem (Douglas Booth), a inocência de Jafé (Leo McHugh Carroll) e o carinho maternal de Namé (Jennifer Connelly). Sem esquecer também o veterano Anthony Hopkins, com uma curta mas divertida e essencial participação, como o patriarca Matusalém. Posto isto, em “Noé”, há também toda uma grandiosidade e um verdadeiro espetáculo visual. Por isso, como filme, “Noé” funciona. Há todo um equilíbrio, entre o que de maravilhoso e de terror vai acontecendo no exterior, a par das preocupações e conflitos interiores das personagens. O filme estreia já nesta quinta-feira, dia 10. Mais info em www.noe-ofilme.pt

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