O Super-Homem está de volta e, desta vez, com um coração maior do que o próprio planeta Terra. É raro sairmos do cinema com a sensação de que acabámos de assistir a algo que marca um novo ponto de viragem. Mas foi exatamente isso que senti ao ver “Superman”, o novo filme de James Gunn, que não só relança o universo cinematográfico da DC Comics, como recupera a essência do herói mais icónico da cultura pop com alguma frescura, humanidade e… um toque de Portugal.

 


Sim, Portugal. Porque entre os nomes sonantes do elenco, como David Corenswet como Superman, Rachel Brosnahan como Lois Lane e Nicholas Hoult num Lex Luthor deliciosamente maquiavélico, está também Sara Sampaio, a nossa top model que dá agora um passo firme no mundo da representação. Sara interpreta Eve Teschmacher, a assistente (e amante) do vilão Luthor, numa versão da personagem que ganha mais protagonismo e carisma do que nunca. E a verdade é que ela está fantástica: segura, divertida e cheia de presença. Nota-se que está a levar esta nova fase da carreira muito a sério.

 


Mas voltemos ao filme. Gunn, que já nos conquistou com “Guardiões da Galáxia”, troca aqui os heróis desajustados do espaço pelo mais icónico dos escuteiros intergalácticos, e fá-lo com uma visão clara: este não é apenas o Superman dos músculos ou dos feitos impossíveis. É o Superman do olhar compassivo, do gesto gentil, da esperança inabalável na bondade da humanidade. E isso, no meio do ruído atual do mundo e do cansaço do próprio género de super-heróis, é revolucionário.

 


O filme abre em plena ação, como se estivéssemos a folhear uma BD a meio da história e, estranhamente, isso funciona. Clark já é Superman há três anos, já salvou o mundo algumas vezes, e já começou a sentir o peso das dúvidas da humanidade sobre a sua presença. James Gunn recusa-se a perder tempo com a enésima recontagem da origem kryptoniana, apostando antes numa narrativa que confia no público e mergulha de cabeça num universo já a fervilhar de meta-humanos, dilemas éticos e ameaças políticas.

 


David Corenswet, até agora um rosto promissor, mas pouco conhecido, surpreende com uma prestação que combina doçura e força. O seu Clark Kent é tímido e bem-intencionado, o seu Superman, imponente, mas acessível. É fácil gostar dele o que, acreditem, faz toda a diferença. E a química com Rachel Brosnahan é explosiva: divertida, tensa, romântica e até política, como uma boa relação entre jornalistas e deuses deve ser.

 

 

Visualmente, o filme é um delírio. Luz, cor, acção coreografada com alma de banda desenhada e efeitos práticos que deixam a boca aberta, tudo aqui grita “aventura”, sem nunca se tornar ruidoso ou gratuito. A banda sonora é arrebatadora, e há sequências (como a batalha final ou a cena de salvação com o esquilo, sim, um esquilo) que ficam na memória como pequenos hinos à esperança.

 


Claro que nem tudo é perfeito. Há momentos em que o filme tenta agarrar demasiados fios narrativos de uma só vez, e algumas personagens secundárias parecem apenas preparar terreno para os próximos capítulos do DCU. Mas mesmo isso, essa construção de mundo, é feita com cuidado, e dá vontade de ver mais. E sim, há várias surpresas, easter eggs e cenas pós-créditos finais que vão deixar os fãs, como eu, com um sorriso cúmplice.

 


Em tempos de cinismo e sarcasmo fáceis, “Superman” ousa ser sincero. Ousa acreditar que um herói ainda pode ser bom, que salvar uma criança (ou um cão, ou um esquilo) ou ainda por ficar emocionado com a "morte" de um robot, ainda é suficiente para fazer a diferença. Ousa mostrar que, no fundo, o verdadeiro poder de Clark Kent não vem apenas do sol amarelo ou da Fortaleza da Solidão no Alasca, mas da sua humanidade. E é isso que torna este filme especial.

 


Ah, e quanto ao sucesso nas bilheteiras? Só nas pré-estreias nos EUA, “Superman” já arrecadou mais de 21 milhões de dólares, a maior de 2025 até agora e um recorde na carreira de Gunn. A DC espera ultrapassar os 500 milhões a nível mundial. Tudo indica que vai conseguir. E, se o resto do DCU mantiver este nível, podem contar comigo na primeira fila.

 


 

0 comentários

 

Após ter visto o novo filme “F1” com o Brad Pitt, ainda estou a processar tudo o que senti. O som dos motores, o suor dos pilotos, o peso das decisões em milésimos de segundo… Tudo me apanhou de surpresa, apesar de eu já admirar o universo da F1 há algum tempo. Mas este filme teve outro impacto: despertou em mim uma vontade enorme de mergulhar mais fundo neste mundo e, claro, de partilhar convosco.

 

Por isso, fui à procura de curiosidades sobre este desporto que tanto fascina, e descobri coisas que, honestamente, não fazia ideia. Porque a F1 não é apenas supercarros e bandeiras axadrezadas. Desde os pilotos que perdem quilos a meio da corrida até à primeira corrida noturna, estes factos surpreendentes vão mudar a vossa perspetiva. Aqui vos deixo 7 curiosidade sobre a Fórmula 1 que me deixaram de boca aberta e que fazem ainda mais sentido depois de ver o filme.

 


1. A primeira corrida noturna foi um divisor de águas

Sabiam que a F1 só teve a sua primeira corrida à noite em 2008? Foi em Singapura e desde então, o glamour das luzes artificiais sobre os carros em alta velocidade tornou-se um verdadeiro espetáculo. O filme capta lindamente essa estética: a pista iluminada, o suor a brilhar no capacete, o drama sob os holofotes.

 


2. Os pilotos perdem até 4 kg numa única corrida

Quatro quilos! Sim, leram bem. Entre o calor do cockpit (que pode chegar aos 60 °C), a pressão constante e a desidratação, os pilotos saem do carro exaustos e mais leves. Quando vi o Brad Pitt no papel, senti mesmo essa intensidade física. Não é só acelerar, é resistir.

 

 

3. Um carro de F1 só dura cerca de 7 corridas

Ao contrário dos carros de estrada, estes bólides de corrida, especificamente os seus motores e caixas de velocidades, duram apenas sete corridas antes de as equipas os trocarem. Todas as corridas ultrapassam os limites da velocidade, da força G e dos materiais de ponta. Depois do filme, ganhei uma nova perspetiva neste âmbito.

 

 

4. Os volantes são mais complexos do que parecem

Nunca mais vou olhar para um volante de F1 da mesma maneira. Têm até 25 botões (!) e controlam tudo: gestão de energia, travões, comunicação com a equipa, modos de motor… É quase como pilotar uma nave espacial em alta velocidade. No filme, há cenas em que isso fica bem evidente, pois o lado técnico é brutal.

 


5. A Fórmula 1 quer ser neutra em carbono até 2030

Este foi um dos factos que mais me surpreendeu. A F1 está a investir fortemente em combustíveis sustentáveis e em tecnologias verdes. A imagem de um desporto poluente começa a dar lugar a uma visão mais responsável e futurista. E esse lado visionário também está presente no filme, já que há uma preocupação em mostrar para onde o desporto caminha.

 

 

6. Inclusão e diversidade também fazem parte da pista

Com a iniciativa #WeRaceAsOne, a F1 tem vindo a abraçar causas sociais, como a luta contra o racismo e a promoção da igualdade. Isto tocou-me particularmente, porque acho fundamental que até os desportos mais tradicionais se adaptem aos tempos. É mais do que velocidade, é consciência.



7. Mulheres ao volante (e com garra)

Sabiam que apenas cinco mulheres correram na F1 desde 1950? A última a marcar pontos foi Lella Lombardi, em 1975. Felizmente, isso está a mudar com a criação da F1 Academy, que visa apoiar novas gerações femininas no desporto. Esta nova fase está no espírito do filme, pelo que espero ver mais representação no futuro, dentro e fora do ecrã.

 


 

Portanto, ver o Brad Pitt neste papel foi mais do que entretenimento. Foi um despertar. Um olhar mais humano, mais cru, mais íntimo sobre aquilo que sempre vi de longe como um desfile de carros potentes. Hoje, percebo que a Fórmula 1 é muito mais do que isso: é sacrifício, estratégia, evolução e também emoção pura.

 

Se ainda não viste o filme, recomendo vivamente. E se fores como eu, vais sair da sala com o coração a acelerar... e com vontade de ficar a saber mais sobre este universo fascinante.

 

 

0 comentários


Há muito que o cinema não nos presenteava com uma experiência tão imersiva e vibrante como “F1 - O Filme”. Estive a vê-lo recentemente, em modo de antestreia, graças à Xenica Jardim e a Cinemundo, e, confesso, saí da sala empolgado, com o coração acelerado, não só pela velocidade dos bólides, mas pelo impacto sensorial que este filme consegue provocar. Se “Top Gun: Maverick” nos fez voar novamente com orgulho pelo cinema americano clássico, este "F1" atira-nos diretamente para o cockpit e faz-nos sentir cada curva como se estivéssemos lá dentro.

 

Quanto ao fio condutor, Brad Pitt dá corpo a Sonny Hayes, uma lenda caída da Fórmula 1 dos anos 90, apelidado de “o maior que nunca foi”. Um acidente trágico travou a sua ascensão meteórica. Três décadas depois, é recrutado por Ruben Cervantes (Javier Bardem) para salvar uma equipa fictícia à beira da extinção, a APXGP, e, quem sabe, resgatar a sua própria redenção. Ao seu lado, está Joshua Pearce (Damson Idris), o prodígio que quer provar que já não há espaço para heróis do passado. O duelo entre os dois, entre experiência e arrojo, entre glória e promessa, é o eixo central de uma história algo previsível, mas eficaz.

 


Joseph Kosinski, o realizador que já nos deixou colados às cadeiras no mencionado “Maverick”, volta a acertar em cheio. E fá-lo com a mestria técnica que se exige hoje: mais de uma dúzia de câmaras por carro, gravações em circuitos reais da Fórmula 1, sequências filmadas durante Grandes Prémios, e até iPhones acoplados ao interior dos veículos. Tudo com o selo de autenticidade da FIA e o dedo certeiro de Lewis Hamilton na produção. O resultado? Um realismo quase inédito, em 8K e com Hans Zimmer a alavancar cada cena.

O argumento, assinado por Ehren Kruger, não foge muito ao clássico arco da superação. Mas isso não o diminui: os clichés estão lá, sim, mas sabem ao conforto de uma história bem contada. Brad Pitt encarna aquele arquétipo que tanto conhecemos: o herói relutante, marcado pela vida, mas que ainda tem algo para dar. E dá. Com carisma, com charme, com talento. Pena que o restante elenco não tenha tido a mesma profundidade de desenvolvimento, com especial destaque (negativo) para a personagem de Kerry Condon, que personifica Kate McKenna, que começa de forma interessante e promissora, mas é subaproveitada num papel que recai em velhos estereótipos.

 


A verdade é que “F1” não quer reinventar a roda narrativa. O que quer, e consegue, é recuperar a magia do cinema-espetáculo. Aquele que se vive na sala escura, com o som a vibrar nas paredes, com os travões a chiar nos nossos ouvidos, com a tensão a subir a cada ultrapassagem. É um blockbuster na melhor acepção da palavra. E, a julgar pelos mais de 290 milhões de dólares já arrecadados em bilheteira, não sou o único a pensar assim. E também é daqueles filmes que "exige" ser visto (e sentido) numa sala de cinema.

Portanto, se gostam de cinema que se sente no corpo, de corridas que levantam poeira emocional e de heróis imperfeitos que se recusam a ficar sentados, então “F1 - O Filme” é destinado a vocês. Não é perfeito, mas também não precisa de ser. É direto, pulsante e vale cada segundo. E, convenhamos, ver Brad Pitt aos 60 anos a "devorar" curvas com aquela intensidade… é um espetáculo à parte.

 


Em suma? “F1” é velocidade, nostalgia e espetáculo. E eu, que nem sou aficionado por automobilismo, saí do cinema com vontade de ver a próxima corrida real. E isso diz tudo!

 


 

0 comentários

 

 

Nos últimos tempos, um pequeno ser peludo, de olhos grandes e expressão traquina, começou a surgir com frequência nas redes, nas prateleiras de colecionadores e, surpreendentemente, ao lado de carteiras de luxo. Falo de Labubu, o pequeno “monstro” criado por Kasing Lung e tornado fenómeno global pela Pop Mart, gigante chinesa da cultura pop e dos brinquedos colecionáveis. À primeira vista, Labubu pode parecer apenas mais uma figura “fofa” no universo dos brinquedos de design, mas é muito mais do que isso. Ele representa um novo capítulo nas formas como consumimos e atribuímos valor no mundo do luxo. E dado o inusitado e viral crescimento desta pequena mascote, resolvi abordar o fenómeno.


Num tempo em que o consumo se torna cada vez mais emocional, e o desejo por grandes ostentações é substituído por gestos subtis e afetivos, os Labubu simbolizam aquilo a que já se chama de “micro-luxúria”: pequenas indulgências que, sem ruído, ocupam um lugar importante nas vidas de quem as adquire. São objetos que não gritam estatuto, mas murmuram identidade. E isso, num panorama de contenção e de redefinição do que é realmente essencial, tem um poder enorme. Comprar uma figura como Labubu é, em muitos casos, um acto emocional: não se trata apenas de estética, mas de criar uma relação com algo que nos representa, ou nos faz sorrir. É o soft power do afeto e da nostalgia, envolto numa embalagem inesperadamente pop.

 


Louis Vuitton cria mascote para “competir”

O curioso é observar como este fenómeno, aparentemente inocente, já chegou aos círculos mais exclusivos. Influencers e criativos começaram a colocar Labubu lado a lado com peças da Louis Vuitton, da Hermès, da Prada, com looks editorialmente compostos que cruzam o universo do brinquedo com o da moda de luxo. O efeito foi tão marcante que a própria Louis Vuitton se viu levada a responder, lançando a versão “fashion” da sua mascote Vivienne e introduzindo o Louis Bear, um urso que, com blazer de alfaiataria e botas chunky, parece querer disputar o trono do carisma com Labubu. A indústria da moda, com o seu olhar atento para o zeitgeist, percebeu o potencial simbólico e visual desta nova febre. Já não se trata de um capricho infantil, mas de um statement contemporâneo e, no fundo, de pertença a uma comunidade silenciosa, criativa e global.

 

 

Desde o seu lançamento em 2019, os Labubu evoluíram para uma autêntica máquina de vendas: em 2024, a linha “The Monsters”, com Labubu à cabeça, gerou a astronómica quantia de cerca de 13 mil milhões de yuans (perto de 1,8 mil milhões de dólares) em receitas anuais, com cerca de 410 milhões de dólares directos atribuídos exclusivamente às figuras Labubu. E no primeiro trimestre de 2025, as vendas associadas à personagem ultrapassaram os 4 mil milhões de yuans (cerca de 600 milhões de dólares) com um crescimento de 170 % face ao mesmo período do ano anterior.

 


Na América do Norte, por exemplo, a Pop Mart já atingiu, em apenas três meses, o volume de vendas que tinha previsto para todo o ano. Ao todo, estima-se que milhões de unidades de Labubu, em diferentes versões e edições, tenham sido vendidas globalmente, com um número crescente de colecionadores a disputar cada lançamento como se de uma obra de arte se tratasse. Um fenómeno económico que começa a ultrapassar a simples lógica do colecionismo e entra no território do culto. É esta escala massiva que dá dimensão à “febre” que observamos: não se trata já de um brinquedo de nicho, mas de uma tendência comercial e cultural com impacto global.

 

 

Mas há mais neste fenómeno do que tendências de moda e likes no Instagram. Labubu é também a expressão de um novo tipo de influência cultural. Nascido na China, e agora reverenciado em Hong Kong, Tóquio, Londres ou Paris, representa o poder crescente do soft power asiático em domínios antes dominados pelas maisons europeias. O que antes era um “made in China” quase ocultado, tornou-se agora uma origem com orgulho. Labubu não precisa de campanhas milionárias para causar impacto, basta-lhe o carisma e a autenticidade. E isso, hoje, vale tanto como um logótipo reconhecido.

 


 

No fundo, Labubu fala-nos de uma nova linguagem no luxo. Uma linguagem feita de afeto, de humor, de colecionismo afetivo, de simbolismo pessoal. Um luxo que já não precisa de justificar-se com etiquetas ou preços estratosféricos, mas que se afirma pela sua capacidade de nos emocionar, mesmo que isso venha sob a forma de uma criatura com dentes pontiagudos e olhos que parecem saber mais do que mostram.

Confesso que há algo de irresistível nisto. Talvez porque, no meio de um mundo saturado de imagens perfeitas, algoritmos e narrativas polidas, o sorriso torto de Labubu nos relembre de que o luxo também pode, e deve, ser um lugar de prazer, surpresa e alguma irreverência.

 



 

0 comentários

 

Estávamos em 20 de junho de 1975 quando, sem se prever o que estava para acontecer, estreava nos cinemas americanos um filme que, vindo das profundezas de um modesto orçamento e de uma produção atribulada, viria a mudar para sempre a forma como se faz, e se vê, cinema. Chama-se “Jaws”, mas por cá ficou eternizado como “Tubarão”. E, cinquenta anos depois, continua a causar arrepios, não só pelo terror quase primitivo que invoca, mas pelo impacto que teve (e ainda tem) na cultura popular, na indústria do entretenimento e até na forma como olhamos o mar.

 

Steven Spielgerg em 1974
 

 

Steven Spielberg, então um jovem realizador de 27 anos, assumiu este projeto baseado num romance de Peter Benchley. Ninguém esperava que viesse dali um fenómeno. O tubarão mecânico, batizado “Bruce”, avariava constantemente, obrigando Spielberg a fazer precisamente aquilo que viria a definir o filme: mostrar pouco, sugerir muito. O “monstro” quase nunca aparece… e talvez por isso nos fique cravado na imaginação. A música de John Williams, hoje tão icónica quanto o próprio filme, tornou-se o verdadeiro predador invisível, fazendo-nos temer cada movimento na água. É quase impossível ouvir aquelas duas notas sem sentir um frio na espinha, verdade?

 

O sucesso foi imediato e colossal. Arrecadou mais de 470 milhões de dólares em todo o mundo e foi, durante dois anos, o filme mais rentável da história, apenas superado por ”Star Wars”. Mas “Tubarão” foi mais do que um êxito de bilheteira. Inventou, literalmente, o conceito de blockbuster de verão, um termo que nem existia antes. Foi o primeiro a ter um lançamento simultâneo em centenas de salas e a explorar uma estratégia de marketing massivo para a época. E assim nasceu o modelo que os estúdios ainda hoje replicam: verão, grande ecrã, suspense, pipocas.

 


Porém, este clássico não se esgota nas bilheteiras. O seu impacto cultural foi profundo. Criou um medo coletivo da água que atravessou gerações e que, infelizmente, também alimentou mitos e preconceitos sobre os tubarões, criaturas muito menos perigosas do que a ficção nos quis fazer crer. Curiosamente, o próprio autor do livro original, Peter Benchley, viria mais tarde a arrepender-se de ter contribuído para essa visão distorcida. Tornou-se ativista pela conservação dos oceanos e dos tubarões, numa tentativa de equilibrar o legado da sua obra.

 

Nas décadas que se seguiram, Hollywood tentou inúmeras vezes replicar a fórmula — com sequelas oficiais (“Jaws 2”, “3D”, “The Revenge”), mas também com uma infinidade de imitadores: de “Deep Blue Sea” a “The Meg”, passando por aberrações propositadamente camp como “Sharknado”. Nenhum conseguiu o equilíbrio entre suspense, subtileza e terror psicológico que Spielberg alcançou. “Tubarão” tornou-se, assim, aquele tipo de obra inimitável: todos a querem revisitar, mas ninguém a consegue igualar.

 

 

No entanto, por trás do terror inicial, esteve uma protagonista inesperada: Susan Backlinie, que interpreta Chrissie Watkins, a jovem nadadora atacada na fantástica e mítica cena de abertura. Tendo sido contratada pela sua experiência como nadadora e stuntwoman, levou três dias a filmar um dos momentos mais icónicos de sempre, rebocado por cabos nos bastidores e submetida a um frio brutal. Falecida em maio de 2024, aos 77 anos, Backlinie foi recordada como uma figura essencial para o impacto emocional do filme e o seu desmaio involuntário, devido ao frio ,quase se tornou parte da curiosa história desta produção. Uma lembrança de que, por trás do monstro, havia coragem e autenticidade humanas que nos continuam a marcar.

 


É que, sejamos honestos: o filme exagera. E muito. A começar pelo próprio tubarão. A criatura retratada no ecrã é apresentada como um predador implacável, quase inteligente, com oito metros de comprimento, muito acima da média do tubarão-branco, que raramente ultrapassa os cinco metros. Além disso, o comportamento do animal no filme, o de atacar deliberadamente humanos, perseguir embarcações e agir com uma espécie de rancor calculado, está longe da realidade científica. Na verdade, ataques de tubarão a pessoas são raríssimos, e quando acontecem, muitas vezes trata-se de confusões (o tubarão, ao contrário do que o cinema nos ensinou, não nos vê como uma iguaria, mas como um erro de avaliação). Este retrato inflacionado alimentou décadas de medo injustificado, levando mesmo à caça desenfreada da espécie e a uma quebra considerável na sua população. Ou seja, a criatura que no filme encarna o mal absoluto, na realidade, tornou-se vítima da ficção.

 

Cientificamente, quase tudo no filme é escessivo. Mas isso pouco importa quando falamos de cinema. O que interessa é a experiência e “Tubarão” ofereceu, e ainda oferece, uma experiência cinematográfica ímpar. Há algo de quase ritual no modo como o vemos hoje: um regresso à origem do medo, mas também à essência da boa realização. O herói relutante, o velho lobo-do-mar, o jovem cientista: três arquétipos numa ilha cercada por um mal invisível. Uma fábula moderna contada com uma mestria que nem o tempo conseguiu engolir.

 

Poster do filme original de 1975

 

Agora, em 2025, celebra-se o cinquentenário do filme com reedições, exibições especiais e um novo documentário: “JAWS @ 50”, que promete mergulhar nos bastidores e na herança que este filme deixou. É também um momento para olhar para trás e perceber como um mero filme de verão se tornou parte do nosso ADN cultural. Está nos memes, nas séries, nos desenhos animados, nos pesadelos de infância e até na forma como pensamos duas vezes antes de entrar no mar.

 

 

“Tubarão” não é só um clássico. É um fenómeno que ultrapassou o ecrã. Meio século depois, ainda nada se lhe compara. E a sua sombra continua ali, à espera, logo abaixo da superfície. Hoje, mais do que nunca, faz sentido olhar para “Tubarão” não só como um marco do cinema, mas também como um alerta para o poder das histórias que contamos e para as suas consequências. Durante décadas, os tubarões foram perseguidos, caçados e incompreendidos, tudo por causa de uma narrativa que os transformou em vilões absolutos. Felizmente, nos últimos anos tem havido um esforço crescente para repor a verdade e defender a importância destes animais nos ecossistemas marinhos. Que este cinquentenário sirva também para isso: para celebrarmos o cinema, sim, mas também para reaprendermos a respeitar o mar, as suas criaturas e o delicado equilíbrio da natureza. Porque o verdadeiro monstro nunca foi o tubarão. Foi sempre o medo mal explicado.

 


 

0 comentários

 


Já pararam para pensar por que se celebra o Pride no mês de junho? Não, não se trata apenas de uma festa colorida, cheia de glitter, arco-íris e slogans de aceitação. É uma celebração, sim, mas antes de tudo, é uma recordação. E este ano, quero lembrar especialmente Matthew Shepard.

 

 

Matthew Wayne Shepard tinha 21 anos, era assumidamente gay, estudante universitário na Universidade de Wyoming, e sonhava com um mundo mais justo. Em outubro de 1998, foi brutalmente agredido, espancado e torturado, por dois homens que o deixaram amarrado a uma cerca, sozinho e deixado para morrer perto da cidade de Laramie, apenas por amar diferente. Infelizmente, a sua história não é ficção, é um retrato cruel da realidade que muitos de nós, em diferentes graus, conhecemos bem: o preconceito.

 

 

Este foi um acto de crime de ódio, com uma violência sem sentido e uma crueldade tal que atraiu a atenção mundial. A morte de Matthew mudou o mundo inteiro para sempre. O horrível assassinato é amplamente considerado como um dos piores crimes de ódio contra os homossexuais na história dos Estados Unidos (e do mundo). Matthew foi espancado por Aaron McKinney e Russell Henderson. Estes agressores chicotearam-no, agrediram-no com a parte de trás de uma espingarda, amarraram-no a uma vedação em condições de frio extremo e atearam-lhe fogo antes de o deixarem morrer, abandonado.

 

 

Os homens, responsáveis pela sua morte, foram condenados por homicídio em primeiro grau e receberam duas penas de prisão perpétua. Não foram acusados de crime de ódio, uma vez que tal, na altura, não era possível ao abrigo da lei penal do Wyoming. Mas, após longas disputas no Congresso, o presidente Obama finalmente assinou a Lei Matthew Shepard, em 2009, uma lei que definiu certos ataques motivados pela identidade da vítima como crimes de ódio.

 

O ataque acabou por se tornar um símbolo marcante, desencadeando uma onda de indignação nacional contra a cultura de masculinidade tóxica e a conivência silenciosa com a homofobia. A morte de Matthew teve como consequência o surgimento de várias iniciativas positivas em prol da comunidade LGBTQ+. A peça “The Laramie Project”, que retrata a sua história, percorreu os Estados Unidos e vários outros países, sensibilizando o público e impulsionando campanhas contra o preconceito. Políticos e figuras públicas manifestaram apoio e disponibilizaram fundos para combater os crimes de ódio dirigidos a pessoas homossexuais. A família Shepard tornou-se porta-voz dos direitos LGBTQ+. Judy e Dennis Shepard, seus pais, fundaram a Matthew Shepard Foundation, que apoia programas educativos e criou uma comunidade online onde jovens podem debater temas como orientação sexual e identidade de género. Esta triste história deu ainda origem a diversos documentários, produções dramáticas, livros e eventos, que mantêm viva a memória de Matthew e reforçam a luta contra a intolerância.

 

 

Eu próprio já senti o peso do preconceito e da intolerância. Um olhar torto, um comentário sussurrado. A exclusão silenciosa. A rejeição que fere mais do que qualquer palavra dita. Porque ser gay é, tantas vezes, ter de provar que existimos com a mesma dignidade que qualquer outro ser humano. Ainda bem que existe Junho, porque o mês do orgulho é sobre isso: não é vaidade, é sobrevivência. É dizer “aqui estou”, apesar das feridas, apesar do medo. É lembrar Stonewall, sim, mas também lembrar os milhares de Matthew Shepards que nunca tiveram voz e os milhões que ainda hoje vivem no silêncio forçado, em países onde ser-se gay é crime, é pecado, é condenação à morte.

 

Hoje, em mais de 60 países do mundo (triste número), as relações homossexuais ainda são criminalizadas. Em alguns deles, como o Irão, a Arábia Saudita, a Nigéria ou o Uganda, a pena pode ser prisão perpétua ou até a morte. Não estamos a falar de passado, mas do presente. Vidas inteiras vividas no medo, no segredo, na negação de si mesmas. E enquanto isso acontecer, o orgulho gay continuará a ser um acto político, ético e profundamente humano.



Este ano, Lisboa acolhe o EuroPride 2025, de 14 a 22 de junho, culminando na grande Parada de 21 de junho ao longo da Avenida da Liberdade e Praça do Comércio. É a primeira vez que um país de língua portuguesa recebe este evento pan‑europeu, uma verdadeira afirmação da visibilidade LGBTQIA+ em Portugal e além-fronteiras. A sua importância transcende a festa: representa união, educação, visibilidade política e cultural, e envia ao mundo a mensagem de que há mais do que celebrar… há muito por conquistar.

 

Mas também é verdade que já caminhámos muito. Hoje, os gays podem casar em Portugal. Adotar. Amar em liberdade. Podemos ver-nos representados em filmes, na moda, nas capas de revistas. Podemos marchar nas ruas, de cabeça erguida. Podemos dizer “sou gay” sem ter de o sussurrar, e isso é imenso. Cada beijo dado em público, cada história contada, cada conquista legal é uma pedra na fundação de um mundo mais justo. É a prova viva de que, apesar de tudo, o amor resiste.

 

 

E noutras paragens, também há vitórias inspiradoras: mais de 35 países já legalizaram o casamento igualitário, entre eles os EUA, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Brasil, África do Sul e Austrália. A visibilidade melhorou em campanhas publicitárias, na representação política, e há leis que protegem contra discriminação no trabalho, na saúde e na educação. São conquistas lentas, mas firmes que mostram que a marcha do orgulho é, cada vez mais, uma marcha de humanidade.

Este meu post não é apenas uma homenagem a Matthew Shepard. É também uma promessa, a mim mesmo e a quem me lê, de que continuarei a usar as palavras, a criatividade e a liberdade que tenho para lembrar, lutar e inspirar. Porque o orgulho é isso: ser quem somos, com coragem, por nós e por quem ainda não pode.

 

“Ser gay é apenas uma parte de mim. Mas é a parte que, durante anos,

tentei e tentaram apagar. Hoje, é a parte que me dá mais força para continuar.”

João Libério

 

E que nunca nos esqueçamos: pessoas como Matthew Shepard e figuras como Harvey Milk ou Marsha P. Johnson, a mulher trans negra que enfrentou a polícia em Stonewall (28 de Junho de 1969, daí o Pride recair neste mês), não morreram em vão. As suas vozes ecoam em cada conquista, em cada bandeira do arco-íris erguida, em cada mão dada em público. Eles abriram caminho para que hoje se possa amar com mais liberdade. A luta continua, sim. Mas também continua a esperança. E é nela que resistimos; com orgulho, com amor, com verdade.


0 comentários