Já pararam para pensar por que se celebra o Pride no mês de junho? Não, não se trata apenas de uma festa colorida, cheia de glitter, arco-íris e slogans de aceitação. É uma celebração, sim, mas antes de tudo, é uma recordação. E este ano, quero lembrar especialmente Matthew Shepard.
Matthew Wayne Shepard tinha 21 anos, era assumidamente gay, estudante universitário na Universidade de Wyoming, e sonhava com um mundo mais justo. Em outubro de 1998, foi brutalmente agredido, espancado e torturado, por dois homens que o deixaram amarrado a uma cerca, sozinho e deixado para morrer perto da cidade de Laramie, apenas por amar diferente. Infelizmente, a sua história não é ficção, é um retrato cruel da realidade que muitos de nós, em diferentes graus, conhecemos bem: o preconceito.
Este foi um acto de crime de ódio, com uma violência sem sentido e uma crueldade tal que atraiu a atenção mundial. A morte de Matthew mudou o mundo inteiro para sempre. O horrível assassinato é amplamente considerado como um dos piores crimes de ódio contra os homossexuais na história dos Estados Unidos (e do mundo). Matthew foi espancado por Aaron McKinney e Russell Henderson. Estes agressores chicotearam-no, agrediram-no com a parte de trás de uma espingarda, amarraram-no a uma vedação em condições de frio extremo e atearam-lhe fogo antes de o deixarem morrer, abandonado.
Os homens, responsáveis pela sua morte, foram condenados por homicídio em primeiro grau e receberam duas penas de prisão perpétua. Não foram acusados de crime de ódio, uma vez que tal, na altura, não era possível ao abrigo da lei penal do Wyoming. Mas, após longas disputas no Congresso, o presidente Obama finalmente assinou a Lei Matthew Shepard, em 2009, uma lei que definiu certos ataques motivados pela identidade da vítima como crimes de ódio.
O ataque acabou por se tornar um símbolo marcante, desencadeando uma onda de indignação nacional contra a cultura de masculinidade tóxica e a conivência silenciosa com a homofobia. A morte de Matthew teve como consequência o surgimento de várias iniciativas positivas em prol da comunidade LGBTQ+. A peça “The Laramie Project”, que retrata a sua história, percorreu os Estados Unidos e vários outros países, sensibilizando o público e impulsionando campanhas contra o preconceito. Políticos e figuras públicas manifestaram apoio e disponibilizaram fundos para combater os crimes de ódio dirigidos a pessoas homossexuais. A família Shepard tornou-se porta-voz dos direitos LGBTQ+. Judy e Dennis Shepard, seus pais, fundaram a Matthew Shepard Foundation, que apoia programas educativos e criou uma comunidade online onde jovens podem debater temas como orientação sexual e identidade de género. Esta triste história deu ainda origem a diversos documentários, produções dramáticas, livros e eventos, que mantêm viva a memória de Matthew e reforçam a luta contra a intolerância.
Eu próprio já senti o peso do preconceito e da intolerância. Um olhar torto, um comentário sussurrado. A exclusão silenciosa. A rejeição que fere mais do que qualquer palavra dita. Porque ser gay é, tantas vezes, ter de provar que existimos com a mesma dignidade que qualquer outro ser humano. Ainda bem que existe Junho, porque o mês do orgulho é sobre isso: não é vaidade, é sobrevivência. É dizer “aqui estou”, apesar das feridas, apesar do medo. É lembrar Stonewall, sim, mas também lembrar os milhares de Matthew Shepards que nunca tiveram voz e os milhões que ainda hoje vivem no silêncio forçado, em países onde ser-se gay é crime, é pecado, é condenação à morte.
Hoje, em mais de 60 países do mundo (triste número), as relações homossexuais ainda são criminalizadas. Em alguns deles, como o Irão, a Arábia Saudita, a Nigéria ou o Uganda, a pena pode ser prisão perpétua ou até a morte. Não estamos a falar de passado, mas do presente. Vidas inteiras vividas no medo, no segredo, na negação de si mesmas. E enquanto isso acontecer, o orgulho gay continuará a ser um acto político, ético e profundamente humano.
Este ano, Lisboa acolhe o EuroPride 2025, de 14 a 22 de junho, culminando na grande Parada de 21 de junho ao longo da Avenida da Liberdade e Praça do Comércio. É a primeira vez que um país de língua portuguesa recebe este evento pan‑europeu, uma verdadeira afirmação da visibilidade LGBTQIA+ em Portugal e além-fronteiras. A sua importância transcende a festa: representa união, educação, visibilidade política e cultural, e envia ao mundo a mensagem de que há mais do que celebrar… há muito por conquistar.
Mas também é verdade que já caminhámos muito. Hoje, os gays podem casar em Portugal. Adotar. Amar em liberdade. Podemos ver-nos representados em filmes, na moda, nas capas de revistas. Podemos marchar nas ruas, de cabeça erguida. Podemos dizer “sou gay” sem ter de o sussurrar, e isso é imenso. Cada beijo dado em público, cada história contada, cada conquista legal é uma pedra na fundação de um mundo mais justo. É a prova viva de que, apesar de tudo, o amor resiste.
E noutras paragens, também há vitórias inspiradoras: mais de 35 países já legalizaram o casamento igualitário, entre eles os EUA, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Brasil, África do Sul e Austrália. A visibilidade melhorou em campanhas publicitárias, na representação política, e há leis que protegem contra discriminação no trabalho, na saúde e na educação. São conquistas lentas, mas firmes que mostram que a marcha do orgulho é, cada vez mais, uma marcha de humanidade.
Este meu post não é apenas uma homenagem a Matthew Shepard. É também uma promessa, a mim mesmo e a quem me lê, de que continuarei a usar as palavras, a criatividade e a liberdade que tenho para lembrar, lutar e inspirar. Porque o orgulho é isso: ser quem somos, com coragem, por nós e por quem ainda não pode.
“Ser gay é apenas uma parte de mim. Mas é a parte que, durante anos,
tentei e tentaram apagar. Hoje, é a parte que me dá mais força para continuar.”
João Libério
E que nunca nos esqueçamos: pessoas como Matthew Shepard e figuras como Harvey Milk ou Marsha P. Johnson, a mulher trans negra que enfrentou a polícia em Stonewall (28 de Junho de 1969, daí o Pride recair neste mês), não morreram em vão. As suas vozes ecoam em cada conquista, em cada bandeira do arco-íris erguida, em cada mão dada em público. Eles abriram caminho para que hoje se possa amar com mais liberdade. A luta continua, sim. Mas também continua a esperança. E é nela que resistimos; com orgulho, com amor, com verdade.