Nos últimos tempos, um pequeno ser peludo, de olhos grandes e expressão traquina, começou a surgir com frequência nas redes, nas prateleiras de colecionadores e, surpreendentemente, ao lado de carteiras de luxo. Falo de Labubu, o pequeno “monstro” criado por Kasing Lung e tornado fenómeno global pela Pop Mart, gigante chinesa da cultura pop e dos brinquedos colecionáveis. À primeira vista, Labubu pode parecer apenas mais uma figura “fofa” no universo dos brinquedos de design, mas é muito mais do que isso. Ele representa um novo capítulo nas formas como consumimos e atribuímos valor no mundo do luxo. E dado o inusitado e viral crescimento desta pequena mascote, resolvi abordar o fenómeno.


Num tempo em que o consumo se torna cada vez mais emocional, e o desejo por grandes ostentações é substituído por gestos subtis e afetivos, os Labubu simbolizam aquilo a que já se chama de “micro-luxúria”: pequenas indulgências que, sem ruído, ocupam um lugar importante nas vidas de quem as adquire. São objetos que não gritam estatuto, mas murmuram identidade. E isso, num panorama de contenção e de redefinição do que é realmente essencial, tem um poder enorme. Comprar uma figura como Labubu é, em muitos casos, um acto emocional: não se trata apenas de estética, mas de criar uma relação com algo que nos representa, ou nos faz sorrir. É o soft power do afeto e da nostalgia, envolto numa embalagem inesperadamente pop.

 


Louis Vuitton cria mascote para “competir”

O curioso é observar como este fenómeno, aparentemente inocente, já chegou aos círculos mais exclusivos. Influencers e criativos começaram a colocar Labubu lado a lado com peças da Louis Vuitton, da Hermès, da Prada, com looks editorialmente compostos que cruzam o universo do brinquedo com o da moda de luxo. O efeito foi tão marcante que a própria Louis Vuitton se viu levada a responder, lançando a versão “fashion” da sua mascote Vivienne e introduzindo o Louis Bear, um urso que, com blazer de alfaiataria e botas chunky, parece querer disputar o trono do carisma com Labubu. A indústria da moda, com o seu olhar atento para o zeitgeist, percebeu o potencial simbólico e visual desta nova febre. Já não se trata de um capricho infantil, mas de um statement contemporâneo e, no fundo, de pertença a uma comunidade silenciosa, criativa e global.

 

 

Desde o seu lançamento em 2019, os Labubu evoluíram para uma autêntica máquina de vendas: em 2024, a linha “The Monsters”, com Labubu à cabeça, gerou a astronómica quantia de cerca de 13 mil milhões de yuans (perto de 1,8 mil milhões de dólares) em receitas anuais, com cerca de 410 milhões de dólares directos atribuídos exclusivamente às figuras Labubu. E no primeiro trimestre de 2025, as vendas associadas à personagem ultrapassaram os 4 mil milhões de yuans (cerca de 600 milhões de dólares) com um crescimento de 170 % face ao mesmo período do ano anterior.

 


Na América do Norte, por exemplo, a Pop Mart já atingiu, em apenas três meses, o volume de vendas que tinha previsto para todo o ano. Ao todo, estima-se que milhões de unidades de Labubu, em diferentes versões e edições, tenham sido vendidas globalmente, com um número crescente de colecionadores a disputar cada lançamento como se de uma obra de arte se tratasse. Um fenómeno económico que começa a ultrapassar a simples lógica do colecionismo e entra no território do culto. É esta escala massiva que dá dimensão à “febre” que observamos: não se trata já de um brinquedo de nicho, mas de uma tendência comercial e cultural com impacto global.

 

 

Mas há mais neste fenómeno do que tendências de moda e likes no Instagram. Labubu é também a expressão de um novo tipo de influência cultural. Nascido na China, e agora reverenciado em Hong Kong, Tóquio, Londres ou Paris, representa o poder crescente do soft power asiático em domínios antes dominados pelas maisons europeias. O que antes era um “made in China” quase ocultado, tornou-se agora uma origem com orgulho. Labubu não precisa de campanhas milionárias para causar impacto, basta-lhe o carisma e a autenticidade. E isso, hoje, vale tanto como um logótipo reconhecido.

 


 

No fundo, Labubu fala-nos de uma nova linguagem no luxo. Uma linguagem feita de afeto, de humor, de colecionismo afetivo, de simbolismo pessoal. Um luxo que já não precisa de justificar-se com etiquetas ou preços estratosféricos, mas que se afirma pela sua capacidade de nos emocionar, mesmo que isso venha sob a forma de uma criatura com dentes pontiagudos e olhos que parecem saber mais do que mostram.

Confesso que há algo de irresistível nisto. Talvez porque, no meio de um mundo saturado de imagens perfeitas, algoritmos e narrativas polidas, o sorriso torto de Labubu nos relembre de que o luxo também pode, e deve, ser um lugar de prazer, surpresa e alguma irreverência.

 



 

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