E no meu regresso ao blog, volto a falar de blockbusters. Neste caso, do primeiro da história! Porque sou fã de cinema e de Spielberg. Mas também porque o filme “Tubarão” foi um fenómeno que a todos impactou. Até a mim, a meio da minha infância... Por isso, passo a fazer uma reflexão histórica do legado que veio a representar este filme. Espero que gostem… Antes de se tornar um realizador de sucesso, o jovem de 27 anos Steven Spielberg, a Julho de 1974, pensava que a sua curta carreira estava acabada. Ele, que aguardava há três meses, pela estrela atrasada de seu novo filme "Tubarão". E na altura, enquanto assistia à primeira apresentação do tubarão mecânico de 250.000 dólares em acção, o coração de Spielberg literalmente afundou. O animal era tudo menos ameaçador. Os seus dentes eram muito brancos, as mandíbulas não se fechavam correctamente… E, entenda-se, em inglês, mandíbulas é jaws, o título original do filme… Mas o tubarão foi o último dos contratempos de Spielberg. O estúdio de Hollywood simplesmente colocou um barco num tanque e projectou o cenário por trás. Só que Spielberg queria realismo. E ele pagou por isso! Passeios de barco inúteis e afogamentos que quase vitimaram vários membros do elenco e da equipa. Águas turbulentas e marés feitas para filmar ficaram caóticas... Num dos dias, a tripulação tinha ancorado as 12 toneladas de equipamento num lugar e a espera do afastamento de barcos indesejados no horizonte, fez com que Spielberg ficasse apenas com duas horas de luz de final de tarde para filmar… Spielberg já tinha “queimado” o seu orçamento de 4 milhões de dólares e 55 dias de filmagens, o elenco e a equipa algo amotinadas. Os executivos do estúdio preocupados pela não entrega do filme... Mas apesar de todo este stress, Spielberg estava determinado a completar o seu filme, com ou nenhum tubarão. Voltemos um pouco mais atrás, quando um pescador de Long Island apanhou um grande tubarão branco, de 4.500 kg, em 1964. O autor Peter Benchley tomou conhecimento e pensou "o que aconteceria se uma dessas criaturas viesse ao redor e não se fosse embora?". Dez anos mais tarde, ele passou esta ideia para o romance best-seller "Tubarão". O livro de Benchley provocou logo uma guerra de licitação imediata em Hollywood, com a Universal a sobressair no topo — tudo antes que o livro chegasse às prateleiras. Spielberg não era a primeira escolha do estúdio como realizador. Mas depois de outras hipóteses, decidiu apostar no jovem e ambicioso Steven Spielberg. O seu currículo incluía mais telefilmes e episódios de Columbo do que longas-metragens. Ainda assim, os executivos ficaram impressionados com a sua confiança. A visão de Spielberg para “Tubarão” era parte aventura, parte terror: "um livro de imagens de medos, fobias e ansiedades." Mas para isso, ele precisava de um tubarão verdadeiramente aterrador. Os produtores queriam Spielberg para contratar alguém para treinar um grande tubarão branco — uma impossibilidade, que hoje até nos faz rir. O realizador sabia, em última análise, que a única solução era a de construir um mega-tubarão movido a controle remoto — que pudesse nadar, saltar no ar e mastigar as suas presas humanas. Cada empresa de efeitos especiais em Hollywood contactada considerava a tarefa como impossível. Implacável, Spielberg atraiu o “guru” de efeitos Bob Mattey da reforma. Famoso por projectar a lula gigante usada no filme de 1954, “20.000 léguas submarinas”, Mattey assegurou ao jovem realizador que poderia construir o monstro perfeito. Assim, com três tubarões em produção (colectivamente apelidado de Bruce, o mesmo nome do advogado de Spielberg), o realizador focou-se mais no argumento, o qual já tinha passado por quatro escritores e tido cinco rascunhos. Ainda inacabado, Spielberg contrata o seu amigo Carl Gottlieb para fazer um “polimento” final. Gottlieb provou ser uma das armas secretas do filme e todas as noites, sentou-se com os actores Roy Scheider, Richard Dreyfuss e Robert Shaw, anotando, com eles, o improviso de cenas inacabadas. Nas mãos de Gottlieb, um mero filme sobre um monstro veio a tornar-se num filme de personagens. E muitas das falas mais memoráveis do filme — incluindo "Você vai precisar de um barco maior", saiu deste seu processo.
Durante os primeiros três meses de produção, Spielberg focou-se em dar vida à fictícia ilha de Amity. Mas quanto se preparava para levar as suas câmaras a alto mar, manteve-se uma pergunta: onde estava o tubarão? Quando Mattey finalmente entrega Bruce, Spielberg começou a entrar em pânico. No seu primeiro dia de trabalho, o tubarão afundou-se logo. E, após uma semana, a água salgada tinha corroído o seu motor eléctrico, e teve de ser restaurado com um sistema de mangueiras pneumáticas. Todas as noites, Bruce também tinha de ser drenado, limpo e repintado... Eis que paira uma pergunta no ar: o que faria Hitchcock no seu lugar? "Não tive outra escolha. Para descobrir como contar a história sem o tubarão, fui atrás de Alfred Hitchcock", disse Spielberg. Ou seja, “aquilo que não vemos é o que é verdadeiramente assustador". A ideia de um inimigo invisível mudou completamente a linha do filme. E veio a moldar a espantosa cena de abertura, onde uma rapariga vai nadar a meio da noite e se torna na primeira vítima do tubarão. Primeiro, vemos as pernas agitadas a partir de um ângulo debaixo de água. Depois, ouvimos as notas “sinistras” da partitura de John Williams. E, então, assistimos à personagem a ser puxada para baixo e arrastada violentamente através do mar. A equipa conseguiu este efeito aterrorizante amarrando cordas em torno da actriz Susan Backlinie. O facto de o tubarão ter sido posto de lado, permitiu o uso criativo de Spielberg do oceano em si. Por exemplo, ele queria a água na lente para fazer o público sentir que não estava apenas "no oceano, mas prestes a afogar-se." O cameraman Bill Butler inventou uma "caixa de água", com janelas de vidro, que permitia as câmaras ficarem submersas. Gottlieb, por seu turno, aprofundou o estado constante de ansiedade, agitando o humor para o terror. Quase todas as aparições do tubarão vêm directamente na senda de uma piada — a orquestração cuidadosa de gritos, risos e o silêncio de mau agouro mantinham o público emocionalmente desequilibrado. Finalmente, um exausto Spielberg regressa a Hollywood, 159 dias depois e quase 8 milhões de dólares mais tarde. Mas o seu trabalho não estava terminado… Com a ajuda da editora veterana Verna “Mother Cutter” Fields, ele juntou todas as peças do filme. O clima de New England assombrava-o — as descontroladamente variantes de luz e mudanças d céu feitas para dores de cabeça intermináveis que coincidiam com filmagens. Rolos de filme enormes de Bruce tinham que ser “lapidados” em rajadas coesas de terror. Mas mesmo depois de finalizar o filme, Spielberg duvidava dos resultados. O seu filme de um tubarão iria mesmo assustar o público, ou seria o "motim de riso de 1975"?
Obviamente, na altura, Spielberg não sabia, mas o seu mau funcionamento de tubarões estava prestes a alterar radicalmente o modelo de negócios de Hollywood. Todos os atrasos nas filmagens significaram que “Jaws” não conseguiu ficar terminado a tempo da data de lançamento prevista, mesmo em cheio na temporada lucrativa do Natal de 1974. Em vez disso, a Universal tomou a decisão corajosa de aguentar o filme até ao Verão, uma época que era tradicionalmente usada como “despejo” para desvarios cinematográficos. Eis, então, que algo de inacreditável aconteceu! As sessões de teste naquela Primavera desencadearam tamanhas reacções positivas, que até os preços das acções em bolsa da MCA/Universal subiram vários pontos. Certos de que o filme seria um êxito, na Universal aproveitaram o momento para uma acção de marketing desmedida. Os estúdios tentavam sempre evitar o uso de caros spots televisivos para promover filmes, mas a Universal avançou com um investimento inédito de US $700.000, de forma a saturar a programação do horário nobre com “trailers” de 30 segundos. A estratégia de abertura foi igualmente agressiva. Tradicionalmente, filmes de alto perfil estreavam em Nova York ou Los Angeles, antes de, lentamente, se espalharem para outras cidades e, em seguida, meses mais tarde, divulgados em cidades mais pequenas. Geralmente, os lançamentos mais amplos estavam reservados aos insucessos, em que os estúdios lançavam um filme numa vasta rede para maximizar as vendas dos bilhetes, antes do negativo boca-a-boca matar o mesmo. Mas após a campanha publicitária ter feito de “Jaws” o filme imperdível do Verão, a Universal fez o seu lançamento simultâneo em todas a salas do país, e o filme estreou num inédito número de 465 cinemas, em 20 de Junho de 1975. As apostas estavam ganhas— “Tubarão” arrecadou 60 milhões de dólares no seu primeiro mês. E passou a se para tornar no primeiro filme a atingir os 100 milhões de dólares, eventualmente ultrapassando os surpreendentes 260 milhões. Os críticos estavam entusiasmados. Pauline Kael, do “New Yorker”, apelidou-o de "o mais alegremente perverso filme de terror alguma vez feito". “Jaws” foi nomeado ao Oscar de Melhor Filme, e tendo ganho três Oscars noutras categorias. Portanto, hoje é considerado um clássico do cinema. Tornou-se um grande sucesso de bilheteira, conseguindo o que foi, à época, a maior facturação da história. "Tubarão" é um dos filmes mais vistos de todos os tempos e se fosse lançado nos nossos dia, arrecadaria mais de 2 bilhões de dólares... Mais tarde, Spielberg veio a dizer que "Jaws nunca deveria ter sido feito — foi um esforço impossível." Ainda assim, todos aqueles dias frustrantes no mar e tubarões em curto-circuito projectaram o jovem realizador exactamente para o que ele sempre quis. Ao criar o protótipo para todos os blockbuster de verão que se seguiram, Spielberg ganhou a liberdade para fazer filmes mais “artísticos” como “A cor púrpura” e “A lista de Schindler”. E iniciou o seu seu próximo projecto “Contactos imediatos do terceiro grau”, munido de um maior orçamento, com um controlo mais criativo e o conhecimento de que, às vezes, os maiores obstáculos podem se tornar nos maiores trunfos. Infelizmente, o filme veio a ter várias sequelas, todas "menores" e sem a participação de Spielberg: Tubarão II (1978), Tubarão III (1983) e Tubarão IV - A Vingança (1987).

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