E hoje assinalam-se 40 anos sobre o 25 de Abril de 1974… Tinha eu 4 anos. Nada percebi na altura, a não ser que nesse dia não iria para a Creche. Mas para quem o viveu, aquele dia 25 de Abril foi único, irrepetível. Porque o futuro nascia ali, carregado de promessas e possibilidades. Lisboa estava no epicentro dos acontecimentos. À cidade, foram afluindo milhares de pessoas que queriam ver ou participar. A Rádio Televisão Portuguesa e os jornais da altura captaram e difundiram imagens que hoje são relembradas com nostalgia. Da minha parte, tal como gosto de fazer com efemérides, aproveito para reflectir e lembrar o que aconteceu naquele dia… Tudo começou na madrugada do dia 25 de Abril de 1974. Lisboa assistiu a um movimento militar inusual. Homens e veículos avançavam, através da noite, pela capital do império e iam ocupando, sem resistência visível, vários alvos estratégicos, com o objectivo de derrubar o regime vigente. Em 1974, Portugal era um país atrasado, isolado na comunidade internacional, embora fizesse parte da ONU e da NATO. Era o último país europeu a manter colónias e vinha travando uma longa guerra contra a independência de Angola, Moçambique e Guiné. O regime de Salazar, iniciado em 1926, tinha conseguido manter-se através da repressão e fora tolerado pelos países vencedores da Segunda Guerra Mundial. Com a transmissão de "E Depois do Adeus", do cantor Paulo de Carvalho, pelos Emissores Associados de Lisboa, às 22h55m, do dia 24 de Abril de 1974, era dada a primeira ordem para as tropas se prepararem e ficarem a postos. O efectivo sinal de saída dos quartéis, posterior a este, seria a emissão, pela Rádio Renascença, de "Grândola, Vila Morena", de Zeca Afonso. A razão da escolha de "E Depois do Adeus" foi clara: não tendo conteúdo político e sendo uma música em voga na altura, não levantaria quaisquer suspeitas, podendo a revolução ser cancelada se os líderes do MFA concluíssem que não havia condições efectivas para a sua realização. A posterior radiodifusão, na emissora católica, de uma música claramente política e de um autor proscrito daria a certeza, aos revoltosos, de que já não havia volta atrás, que a revolução era mesmo para avançar. Assim, pouco após a meia-noite de 25 de Abril de 1974, começou a soar a música até então proibida "Grândola, Vila Morena". Era o sinal combinado e definitivo para o início do levante militar em Portugal. Os militares golpistas, auto denominados Movimento das Forças Armadas – MFA – são comandados, secretamente, a partir do Quartel da Pontinha, em Lisboa, por Otelo Saraiva de Carvalho, um dos principais impulsionadores da acção. Mas não se pense que Lisboa foi o único palco dos actos da revolução. A par das movimentações na capital, também no Porto os militares tomaram posições, tendo ocupado o Quartel-General da Região Militar do Porto, o Aeroporto de Pedras Rubras e as instalações da RTP na cidade invicta.
Aos homens da Escola Prática de Cavalaria de Santarém, comandados por Salgueiro Maia, coube o papel mais importante: a ocupação do Terreiro do Paço e dos Ministérios ali instalados. A coluna de blindados vindos da cidade ribatejana chega a Lisboa, ainda o dia não tinha despontado, ocupando posições frente ao Tejo e controlando, sem problemas, aquela importante zona da capital. Mais tarde, Salgueiro Maia deslocou parte das suas tropas para o Quartel do Carmo. onde se encontrava o chefe do Governo, Marcelo Caetano, porque ali se tinha refugiado, mas que acabaria por se render no final do dia, com apenas uma exigência: entregar as responsabilidades de governação ao General António Spínola, oficial que não pertencia ao MFA, para que “o poder não caia nas ruas”. O Presidente do Conselho, que anos antes tinha sucedido a Salazar no poder, é transportado para a Madeira e daí enviado para o exílio, no Brasil. Fora o próprio capitão Maia a escoltar o governante deposto até ao avião… Ao longo do dia 25 de Abril de 1974, os revoltosos foram tomando outros postos militares e civis e, pese embora tenham existido algumas situações tensas entre as forças fiéis ao regime e as tropas que desencadearam o golpe, a verdade é que não se soube de qualquer confronto armado nas ruas de Lisboa. O único derramamento de sangue teve lugar à porta das instalações da PIDE (Polícia de Investigação e Defesa do Estado), onde um grupo de cidadãos se manifestava contra os abusos daquela organização e alguns dos agentes, que se encontravam no interior, abriram fogo, atingindo mortalmente 4 civis. Por conseguinte, pode-se concluir que o 25 de Abril de 1974 foi um golpe relativamente pacifico. E, por isso, atribuir-lhe o nome romântico de “A Revolução dos Cravos”.
Como frisei antes, por detrás dos acontecimentos do 25 de Abril de 1974, estão mais de 40 anos de um regime autoritário, que governava em ditadura e fazia uso de todos os meios para reprimir as tentativas de transição para um estado de direito democrático. A censura, a PIDE e a Legião e a Mocidade Portuguesas são alguns exemplos do que os cidadãos tinham de enfrentar no seu dia-a-dia. Por outro lado, a pobreza, a fome e a falta de oportunidades para um futuro melhor, frutos do isolamento a que o país estava votado há décadas, provocaram um fluxo de emigração que agravava, cada vez mais, as fracas condições da economia nacional. Mas a “gota de água” que terá despoletado a grande acção revolucionária dos militares que, durante tantos anos, tinham apoiado e ajudado a manter o regime, foi a guerra colonial em África. Com 3 frentes abertas em outros tantos países, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, os militares portugueses, passada mais de uma década, começavam a olhar para o conflito como uma causa perdida. Internacionalmente, o nosso país estava a ser pressionado para acabar com a guerra e permitir a auto-determinação das populações das colónias. A escassez de armas nas forças portuguesas era proporcional ao aumento de meios dos movimentos independentistas. Os soldados portugueses iam morrendo às centenas, a milhares de quilómetros de casa. Todos estes factores contribuíram para um descontentamento crescente entre as forças armadas, sobretudo entre os oficiais de patentes inferiores, o que levou à organização e concretização de um golpe militar contra o regime do Estado Novo. O 25 de Abril de 1974 ficará, para sempre, na história como o dia em que Portugal deu os seus primeiros passos em direcção à democracia. E com a intervenção nesse dia, crucial para que toda a operação fosse coroada de êxito, Salgueiro Maia, um dos Capitães de Abril, contribuiu de formal decisiva para que Portugal caminhasse para a democratização e para libertação de um povo amordaçado há mais de 4 décadas. No entanto, convém lembrar que o processo revolucionário e a transição para a liberdade não seriam, de todo, pacíficos e nos meses que se seguiram ao 25 de abril de 1974 foram vários os episódios violentos que tiveram lugar um pouco por todo o país. Este período ficaria mais tarde conhecido como o “Verão Quente de 75” e viria a culminar em 25 de Novembro desse ano, quando um golpe de estado afastou a esquerda revolucionária do poder. Nesse dia, Salgueiro Maia, a pedido do Presidente da República de então, Costa Gomes, voltou a sair da Escola Prática de Cavalaria de Santarém com uma coluna de blindados. Mas para a história, fica a frase que proferiu aos seus homens, na madrugada de 25 de Abril de 1974, na parada da Escola Prática de Cavalaria de Santarém, antes da partida para Lisboa: “Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!” Todos os 240 homens que ouviram estas palavras formaram, de imediato, à sua frente. Depois, seguiram para Lisboa e marcharam sobre a Ditadura. Isto foi há 40 anos! Por isso, hoje, comemoram-se 40 anos de liberdade. E não se pense que tal é apanágio de alguma Esquerda, como tem vindo a fazer acreditar desde sempre. O 25 de Abril é de todos e deve ser, por todos, celebrado, com orgulho!

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