A inalterável e mítica garrafa Contour da Coca-Cola foi criada em 1915 e deve ter feito tanto pelo sucesso da marca quanto a sua famosa secreta receita. Volvidos 100 anos, debruço-me sobre a evolução desta bebida que tardiamente chegou ao nosso país.

Ela é única. Reconhecível por muitas pessoas até de olhos fechados. Distinguível entre as congéneres. ao contrário do que parece, estas características não descrevem o líquido açucarado e gaseificado da Coca-Cola, mas sim o recipiente que o contém. Em 1915, o advogado da empresa, Harold Hirsch, tinha organizado um concurso de design para encontrar a garrafa ideal. Oito empresas de embalagens foram convidadas a criar “uma garrafa que uma pessoa pudesse reconhecer apenas com o tacto, e que tivesse um formato que, mesmo quebrado, seria identificável com uma rápida olhadela”. A vencedora foi a Root Glass Company, de Terre Haute, no estado americano de Indiana. O seu dono inspirou-se na ilustração de uma fava de cacau que tinha achado numa enciclopédia. Portanto, o seu desenho fora inspirado nos ingredientes chave da bebida: a noz de cola e a folha de coca (de onde é extraída a cocaína, e que já não faz parte da actual receita). Sem querer, tinha acabado de nascer um ícone.

Esse design vencedor acabou por se mostrar um pouco curvilíneo demais e as garrafas passavam a vida a cair e a rolar na linha de montagem. Assim, um ano mais tarde, em 1916, a mesma “emagreceu” e tornou-se na garrafa padrão da Coca-Cola quatro anos depois. Em 1928, a venda em garrafas tinha superado a venda a granel...

Que a Coca-Cola foi inventada por um farmacêutico, John Pemberton, que vivia na cidade norte-americana de Atlanta, já quase toda a gente sabe. Também foi contada, inúmeras vezes, a história da primeira vez em que a bebida foi vendida, em 1886, numa pequena farmácia daquela cidade, onde a sede da Coca-Cola ainda se mantém. Até ali, o sabor da Coca-Cola era a única novidade e o seu líquido era vendido dentro de recipientes que haviam à disposição. A primeira vez que a Coca-Cola foi engarrafada aconteceu numa loja de caramelos de Vicksburg, em pequenas garrafas de vidro, segundo a página oficial da empresa. Em 1899, só três pessoas tinham autorização para engarrafar a Coca-Cola. Até que começaram a aparecer as imitações… Era, então, preciso uniformizar a marca com um design distintivo e atractivo. Foi o que aconteceu em 1915.

Acredita-se que, durante a Segunda Guerra Mundial, os soldados americanos consumiram 5 bilhões de garrafas de Coca-Cola, enviadas pela empresa para qualquer frente de batalha, pelo preço fixo de 5 centavos de dólar por unidade. Cartazes da época mostravam soldados sorridentes, a partirem para a guerra com as suas garrafas de Coca-Cola na mão, ou a partilharem o refrigerante com crianças recém-libertadas, em Itália. Ao mesmo tempo, fotojornalistas despachavam para os seus meios imagens de militares a tomarem a sua Coca-Cola enquanto avançavam pelo rio Reno. Não há dúvida, os Soldados americanos popularizaram a bebida na Europa durante a Segunda Grande Guerra. Portanto, a Segunda Guerra Mundial apresentou a Coca-Cola para o mundo.

Mais tarde, a garrafa da Coca-Cola tornou-se num dos primeiros exemplos de um design popular e para as massas - e também o melhor do género. Graças a ela, em 1950, o refrigerante foi o primeiro produto comercial a aparecer na cobiçada capa da revista "Time". Andy Warhol, que “brincou" várias vezes com a imagem da garrafa no início dos anos 1960, dissera em 1975: “Uma Coca-Cola é uma Coca-Cola. Não importa quanto dinheiro tenhas: nenhuma quantia no mundo pode dar-te uma Coca-Cola melhor do que aquela que o tipo da esquina está a tomar”. Outros artistas, de Salvador Dalí a Robert Rauschenberg, também se renderam à garrafa. Ela tornou-se um verdadeiro ícone de arte, nomeadamente da Pop Art, e em 1960, exerceu até influência no design de carros. O “estilo garrafa-de-Coca-Cola” inspirou o projecto de veículos carismáticos como o Buick Riviera 1963 e vários Pontiac GTOs, Chevrolet Camaros e Dodge Chargers que surgiram depois.

Inimitável, a famosa garrafa adquiriu, ao longo de um século, o estatuto de ícone de design. A evolução da garrafa e as obras de arte que nela se inspiraram são tantas, que estão retratadas no livro "100 Years of the Coca-Cola Bottle — Kiss The Past Hello", uma viagem no tempo desta garrafa de vidro proporcionada pela editora Assouline. E até 4 de Outubro, o High Museum of Art, de Atlanta, está a exibir a mostra "The Coca-Cola Bottle: An American Icon at 100". Curiosamente, a maior doação feita para o financiamento deste museu, inaugurado em 1983, veio de um ex-presidente da Coca-Cola, Robert W. Woodruff, o mesmo que dera instruções para que a empresa “garantisse que todos os soldados recebessem uma garrafa de Coca-Coca por 5 centavos de dólar onde quer que estivessem”, durante a Segunda Guerra.

Porém, muitos litros de Coca-Cola já tinham corrido pelas gargantas de todo o mundo quando os portugueses puderam experimentar essa sensação pela primeira vez. Nem o slogan publicitário “primeiro estranha-se, depois entranha-se”, criado por Fernando Pessoa em 1928, foi suficiente para convencer a recém-instalada ditadura militar a deixar entrar a Coca-Cola em Portugal. A bebida já se vendia nas ex-colónias, mas Salazar não a queria na metrópole. Preocupações com a saúde, por causa do elevado teor de cafeína e da criação de habituação, bem como um proteccionismo para com os refrigerantes e vinhos de produção nacional, eram as justificações oficiais. Mas a verdade vem explicada na coletânea "Cenas da Vida Portuguesa", de Maria Filomena Mónica, da Quetzal, através de uma carta de Salazar endereçada a um funcionário americano que tentou interceder pela entrada da Coca-Cola em Portugal.

Com o fim do Estado Novo, a 25 de Abril de 1974, e, com ele, o proteccionismo, a bebida açucarada com gás pôde entrar, finalmente, no nosso país. Assim, em 1977, curiosamente a 4 de Julho, dia em que os Estados Unidos da América comemoram a sua independência, a Coca-Cola chega a solo luso. “Enfim, nós!”, titularam os jornais da época. De acordo com o livro "Lx 70 — Lisboa, do Sonho à Realidade", de Joana Stichini Vilela, Nick Mrozowski e Pedro Fernandes, parece que nesse dia 30 mil grades saíram da fábrica da "Super Sumos" para serem distribuídas pela região da Grande Lisboa, de Setúbal a Mafra. O resto do país teve de esperar mais uns dias. E a partir de então, entranhou-se pois, actualmente, a Coca-Cola é o refrigerante mais bebido pelos portugueses.

Mais info em http://www.cocacola.pt

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