O mundo dos super-heróis esta cada vez mais sério. E não me refiro meramente à indústria, que continua a faturar milhões à sua custa, mas às personagens e respectivos enredos. No universo DC, o Super-Homem morreu… e agora, na Marvel, o Wolverine diz-nos adeus…

Passado em 2029, acompanhamos os efeitos colaterais de Logan por ter sido Wolverine por muito tempo. Envelhecido, ele ganha a vida como condutor de uma espécie de Uber de limousine para cuidar do nonagenário Prof. Charles Xavier (Patrick Stewart) e, para tal, conta apenas com a ajuda do frágil Caliban (Stephen Merchant).

Após uma tragédia (mal explicada, por sinal) que vitimou diversos membros dos X-Men, Logan (ou James Howlett, o seu verdadeiro nome) optou por retirar o seu alter-ego Wolverine da militância mutante, passando a viver numa instalação industrial militar abandonada próxima da fronteira com o México. Debilitado fisicamente e esgotado emocionalmente, Logan é procurado por Gabriela (Elizabeth Rodriguez), uma mexicana que requer a sua ajuda. Ao mesmo tempo em que se recusa a voltar ao activo, ele é confrontado por um mercenário implacável, o ciborgue Donald Pierce (Boyd Holbrook), interessado em “algo” que Gabriela possui e disposto a tudo para o obter - a menina Laura Kinney (com a formidável Dafne Keen). Tal com um velho pistoleiro cansado de violência, a sua recusa em ajudar é inútil, pois os problemas acabam por bater à sua porta.

Logan, o Professor Xavier e Laura põem-se numa fuga alucinada com um grupo paramilitar e o seu líder, Pierce, no seu encalço. Mestre e pupilo acabam por ficar juntos nesta última missão - impedir que a misteriosa menina caia nas mãos dos mercenários. Na ligação dos três e no estabelecimento de uma família X-Men, Logan triunfa para lá de garras e vísceras. Nessa relação paternal entre Charles e Logan, e Logan e Laura. Porque o que o Woverine sempre mais temeu foi o amor… E os dois atores estão excelentes. Caracterizados de velhos e cansados, Jackman e Stewart realizam o melhor desempenho como estas personagens desde que iniciaram essa jornada. O filme equilibra excepcionalmente bem entre esses momentos mais fraternais e as manifestações de ação e fúria.

Há muitos paralelismos com “Shane”, com o filme a assumir, a partir da fuga, um tom de road movie. A produção é baseada na mini-série de BD “Velho Logan”. Mas abstenham-se os fãs de acusarem o filme de “infiel”, pois desde o princípio da série iniciada por “X-Men - O Filme” (em 2000), os universos e as cronologias das versões cinematográficas há muito que não batem certo com os originais de banda desenhada que as inspiram… A mutante X-23 (Laura), por exemplo, surgiu na versão animada e, devido ao sucesso, migrou para os livros aos quadradinhos, mas jamais coabitou o universo de “Velho Logan”. Portanto, os filmes X-Men costumam trazer muitas mudanças em relação ao material original da BD, mas há um elemento que não muda desde que a primeira longa-metragem foi lançada, há 17 anos atrás: a confusa relação da série com a continuidade. E esse aspecto torna-se mais evidente com o lançamento de “Logan” nos cinemas. Este décimo exemplar da saga X-Men dá um longo salto no tempo, para explorar um mundo em que um envelhecido Wolverine é um dos últimos mutantes ainda vivos.

Depois de interpretar a personagem durante 17 anos em vários volumes de “X-Men”, Hugh Jackman decidiu que esta seria a última vez. Além de ter outros projetos pendentes, dois motivos foram decisivos: a idade (o australiano tem agora 48 anos) e o cancro de pele, embora a 2 de março tenha garantido não haver motivos para preocupações. Todo o processo para o terceiro e último “Wolverine” (depois de “X-Men Origens: Wolverine”, de 2009, e “Wolverine”, em 2013) foi, por isso, extremamente emotivo. Jackman confessou que em certas cenas chegou a ficar com lágrimas nos olhos, incluindo o momento em que carrega Laura às cavalitas ou nas interações com o professor X. “Queria fazer um filme do qual alguém que nunca tivesse visto um filme de comics pudesse retirar algo”, explicou ao “The Sydney Morning Herald”. Apesar de tudo, o actor já explicou porque não vai ter saudades de Wolverine: “Ele não vai a lado nenhum. É parte daquilo que eu sou e algo a que estou muito, muito grato.”

Para tal, contou com o realizador Mangold, também autor do argumento de “Logan”, que apresentou uma solução: nada mais simbólico do que se despedir de um (na realidade “do”) Wolverine apresentando um outro Wolverine (ou melhor, “uma”). Sim, como tudo indica, a pequena Laura é a 23ª tentativa de se “produzir” um novo espécimen recheado de Adamantium.

Concluindo, “Logan” não é o tipo de cinema pirotécnico a que estamos habituados, estando mais virado para aquele tipo que se foca na parte psicológica da personagem. Não sendo a continuação dos filmes a solo do Wolverine, poderia funcionar melhor como sequência de “Shane” (ou “Os Brutos Também Amam”, de 1953) – citado em “Logan” e, segundo dizem, fonte de inspiração para “Velho Logan” em BD. O tom amargurado e desesperançado da vida de Wolverine não é sentimentalismo, é puro sentimento. Por isso, “Logan” vem trazer alguma sofisticação de argumento aos filmes do género. Aliás, que género?, perguntamo-nos quando deixamos a sala.. Este é um filme de super-herói, mas também um road movie, uma espécie de filme de cowboys e um drama familiar. Enfim, um grande filme. Podem ter a certeza. Sem rótulos. Ou, como diz Hugh Jackman, “a medida certa de emoção e violência, tornando esta a despedida perfeita da personagem”.

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