Assinalou-se, na passada sexta-feira, o centenário da criação da escola de artes Bauhaus. Foi exactamente a 12 de Abril de 1919 que o arquitecto Walter Gropius fundou, em Weimar, na Alemanha, a escola de ideias que pretendia unificar disciplinas como arquitectura, escultura, pintura e desenho industrial.
Influenciada pela revolução industrial, a escola nasceu para criar um estilo e uma forma de pensar o design e a arquitectura voltada para uma estética funcional e para a economia de materiais. Alguns dos nomes mais conhecidos ligados a este movimento são o artista plástico russo Wassily Kandinsky, o pintor e poeta suíço Paul Klee, e Ludwig Mies van der Rohe, um dos professores da Bauhaus e autor da famosa frase “menos é mais" (less is more). Tendo sido o último director da escola, a sua frase acabou por marcar o movimento.
Entre as principais propostas estavam o design minimalista, produção rápida e de baixo custo, formas simples, moradias sociais e ideias para uma sociedade melhor. O movimento defendia uma interligação com todo o tipo de arte, até as consideradas mais inferiores, como cerâmica, tecelagem e marcenaria. Privilegiava o uso de novos materiais pré-fabricados, a simplificação dos volumes, a geometrização das formas e o predomínio de linhas rectas. Na arquitectura, por exemplo, os edifícios inspirados neste movimento, possuem paredes, geralmente, brancas, sem decoração ou até sem paredes internas (tal como nos lofts); coberturas planas, transformadas em terraços; janelas amplas ou fachadas de vidro.
O nome Bauhaus era um neologismo criado pelo arquitecto que significa, literalmente, “casa de construção”. Bauhaus virou sinónimo de um olhar prático e modernista, identificável por lages planas e formas rectangulares. Mas também de um olhar generoso, em que a estética não se eximia da sua dimensão política e do seu papel no progresso da sociedade.
A primeira localização da Bauhaus em Weimar não foi à toa, pois era o centro do iluminismo alemão e onde no passado viveram figuras como o escritor Goethe e o músico Franz Liszt. Porém, a escola de Weimar esteve em funções durante apenas seis anos, pois em 1925 mudou-se para Dessau, situada no icónico prédio envidraçado projectado por Gropius, onde também acabou por estar só sete anos. Em 1932, já por influência do regime Nazi, foi mudada para Berlim e, em 1933, considerada pelos nazis como uma espécie de “bolchevismo cultural”, foi forçada a fechar as portas. O rápido fechamento da Bauhaus demonstra que o regime considerava que a escola e sos eus praticantes eram um perigo. A Bauhaus representava uma política aberta, democrática e socialista, o que, para os nazis, era uma grande infracção.
A triste história é a de que professores e alunos foram perseguidos pelos nazis que encerraram a Bauhaus. Por isso, muitos dos que ensinavam ou estudavam na Bauhaus acabaram por deixar o país, o que muito contribuiu para a propagação de novos conceitos artísticos. Tendo a maioria dos membros da Bauhaus emigrado principalmente para os Estados Unidos, acabou por inspirar uma nova geração de arquitectos e designers que marcaram as gerações futuras. Na América, a Bauhaus conseguiu implantar o seu ideário nas grandes cidades. Moholy-Nagy criou a Nova Bauhaus e conseguiu alterar a paisagem de Chicago, enquanto Gropius formou em Yale arquitectos como I.M. Pei e Paul Rudolph, que mais tarde seria mentor de Richard Rogers e Norman Forster.
Comemorar, enfim, o centenário de uma escola de arquitectura e design pode parecer exagero para alguns incautos. O facto é que, além de estar longe de ser apenas mais uma escola de arquitectura e design, as comemorações do centenário da Bauhaus chegam em boa hora em todo o mundo. E chegam em boa hora, sobretudo no Brasil, diante da bizarra coincidência de terem um Ministro da Educação recém-nomeado, Abraham Weintraub, que se gaba em dizer que é um fervoroso combatente do mesmo “Marxismo Cultural” que os nazis perseguiram… ou seja, usa o mesmo argumento que fez com que os nazis, assim que chegaram ao poder, fechassem a libertária escola.
Mas a prova de que o espírito da escola não morreu, apenas ganhou dimensão mundial, a universidade artística e técnica de Weimar, em 1996, foi renomeada e passou a chamar-se Universidade Bauhaus. Actualmente, cerca de quatro mil alunos frequentam esta escola. O programa das comemorações do centenário do movimento Bauhaus inclui a inauguração, ainda em Abril, do novo museu da Bauhaus, precisamente em Weimar. O novo Bauhaus Museum está a cargo da arquitecta Heike Hanada. Em maio, acontecerá a restauração do único vestígio arquitectónico da escola que resta na cidade: a Haus am Horn, casa de ângulos retos que foi decorada com mobiliário desenhado pelos estudantes. Em Dessau, projectado pela agência barcelonesa Addenda, outro museu será aberto em Setembro, que abrigará uma colecção de 50.000 objectos da Bauhaus.
Ao contrário de outros movimentos, a Bauhaus envelheceu bem. “Gropius disse uma vez que não se tratava de um estilo, mas de uma atitude. O seu legado consiste em permanecer aberto e buscar outras abordagens em todos os campos, da arquitetura à performance, para conseguir encontrar novas soluções para os desafios de hoje”, defende a diretora da Bauhaus Dessau, Claudia Perren, à frente de uma fundação criada em 1994 para preservar o legado da escola e continuar a propagar as suas ideias.
“Hoje vemos a sua marca em todos os lados, embora a nostalgia não seja um sentimento nada próprio da Bauhaus”, afirma o director da Fundação Josef e Anni Albers, Nicholas Fox Weber. “Para mim, o objecto que melhor simboliza a sua herança é o iPhone: é funcional, foi desenhado para ser simples e vemo-lo em todos os cantos do mundo”, acrescenta Weber, afiançando que Steve Jobs era “muito familiarizado” com o legado da escola. Esse aparelho parece ter sido inspirado, de facto, no trabalho do designer industrial Dieter Rams, que sempre foi considerado sucessor da Bauhaus.
Um século depois, o tempo acabou por colocar, como de costume, as coisas no seu lugar.
E o facto de ideias e produtos da Bauhaus estarem em presentemente alta não se deve apenas ao centenário, mas também à percepção de que, num mundo globalizado, é necessário lidar de forma diferente com os recursos naturais e não se pode mais produzir e consumir como se fez até agora. Tal experiência de crise já aconteceu na década de 1920, por isso, naquela época, a Bauhaus foi à procura de soluções sobre como viver num quotidiano modificado pela industrialização, humanizando-o. O optimismo com que os pioneiros da Bauhaus tentaram humanizar o seu quotidiano é um exemplo até hoje. E por isso, actualmente, observamos a Bauhaus com um novo frescor no olhar.
A Bauhaus foi a instituição mais importante para arquitectura e arte actuais. E não se esqueçam: é deste movimento a famosa frase "Menos é mais", o que já por si diz muito.
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