Este “It: Capítulo 2” é a conclusão de uma das histórias mais épicas escritas por Stephen King. Com mais de 1 mil páginas, o livro é uma intensa aventura que oscila entre presente e passado para contar como os sete amigos do Clube dos Falhados conseguiu derrotar a criatura ancestral que se apresenta como o palhaço Pennywise. E este “It: Capítulo 2” já conseguiu levar muitas pessoas ao cinema logo no primeiro fim-de-semana de exibição. O filme facturou 91 milhões de dólares nos Estados Unidos e 94 milhões ao redor do mundo. Tal coloca o filme como a segunda melhor bilheteira de estreia para um filme de terror, ficando apenas atrás de “It”.

27 anos depois dos eventos de "It", Mike (Isaiah Mustafa) percebe que Pennywise (Bill Skarsgard) está de volta à cidade de Derry. Preocupado, ele convoca os antigos amigos do Clube dos Falhados para honrar o juramento que fizeram na infância e acabar com o terrível ser de uma vez por todas. Mas quando Bill (James McAvoy), Beverly (Jessica Chastain), Ritchie (Bill Hader), Ben (Jay Ryan) e Eddie (James Ransone) regressam às suas origens, eles precisam de confrontar-se com traumas nunca resolvidos das suas infâncias, e que repercutem até hoje, na idade adulta.



O primeiro capítulo de “It”, igualmente realizado por Andres Muschietti a partir do livro original de Stephen King, surpreendia pela quantidade de elementos que conseguia equilibrar. O argumento e a montagem apresentavam cada criança do Clube dos Falhados, os seus traumas específicos, as suas relações familiares e como se comportavam dentro do círculo de amigos. Quando Pennywise aparecia aos miúdos, ajustando-se ao medo específico de cada um que fazia vítima, a tensão era intensificada pelo facto de conhecermos os pontos fracos de cada um. O medo feito à medida constituía um dos aspectos mais interessantes do primeiro “It”. Embora muitos filmes de terror gostem de citar traumas de infância como sintoma da complexidade das personagens, o filme de 2017 preferiu testemunhar o momento em que os traumas acontecem.



Agora, a sequência efectua um salto de vinte e sete anos para nos dar a conhecer como estes adultos são perturbados pela experiência com o palhaço sangrento. Richie utiliza o humor como válvula de escape, Beverly envolve-se em relacionamentos abusivos, Bill torna-se um escritor/argumentista frustrado, incapaz de fornecer um final satisfatório às suas histórias – e à sua história pessoal, é claro. Nesta toma, a narrativa torna-se mais ampla, e tanto o argumento quanto a montagem precisam dosear uma quantidade ainda mais expressiva de tramas e conflitos. “It - Capítulo 2” apresenta a vida de cada adulto do antigo Clube dos Falhados, mostra o momento em que cada um recebe o convite para voltar a Derry e combater Pennywise, retrata dores específicas que permaneceram de décadas atrás, algumas vivências infantis que não tinham sido reveladas no filme anterior, o encontro de cada personagem com o temível palhaço e os instantes em que os protagonistas se tornam novamente um grupo de amigos. Os adultos têm poucas oportunidades de desenvolver a amizade entre eles – com excepção da excelente cena de reencontro no restaurante chinês, que passa da descontracção a momentos de puro terror. O excelente elenco contribui à tarefa de identificação: os actores adultos foram muito bem escolhidos, tanto pelo seu talento dramático como pela semelhança com os actores adolescentes.



Por seu turno, a produção é bastante competente, com efeitos visuais impecáveis e um uso de câmara muito interessante por parte de Muschietti. A surpreendente cena de abertura, quase uma curta-metragem em si, onde há um apontar a um retrato homofóbico que choca e onde Pennywise ironicamente “salva” uma personagem, está forte e ricamente trabalhada pela iluminação do parque de diversões, pelos planos angulados e a excelente articulação da montagem. O realizador consegue efectuar um uso inteligente de transparências e reflexos, como é o caso das cenas com espelhos, dentro da casa abandonada, e no labirinto de vidros. A experiência de ver algo sem lhe poder ter acesso, ou de testemunhar como voyeur uma morte sem poder impedi-la surge de maneira eficaz no filme. Por outro lado, a produção faz uso de potentes recursos visuais quando temos a presença de personagens literalmente soterradas em terra, água ou sangue, numa representação da dor e do medo a tomarem conta da sua psique.



Pennywise, por seu turno, continua a ser uma personagem de grande complexidade, primeiro graças ao trabalho multifacetado de Bill Skarsgard no papel, e segundo pela sua própria e ambígua mistura de agressão e fragilidade – é verdade, o palhaço também possui as suas inseguranças. A figura sobrenatural nunca pareceu tão humana. Porém, o perigo representado pelo palhaço é um pouco menor neste segundo filme, pois sabemos de antemão quando Pennywise entrará em acção, em contraste com a tensão do primeiro filme.



Em conclusão, este segundo “It” revela-se uma produção criativa e repleta de belas, quanto inquietantes imagens, muito superior à média dos filmes de terror, tal como acontecera com a primeira entrega. Como é normal nesse tipo de adaptação, diversas mudanças tiveram de ser feitas: algumas por estilo do realizador, Andy Muschietti, outras por exigência do estúdio e algumas pela necessidade do formato audiovisual. Mesmo sendo muito fiel à obra original, as consequências do livro ocorrem de modo diferente, seguindo mais a linha "exagerada" de Stephen King.



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