Languishing, o filho do meio negligenciado na saúde mental, pode entorpecer a nossa motivação e foco - e pode bem ser a emoção dominante em 2021. Languishing pode ser traduzido do inglês como “apatia”, “definhamento”, “desalento”, “desamparo”, “desânimo”, “sensação de estagnação e vazio” ou até “lânguido”. O termo ganhou grande destaque após ser utilizado pelo psicólogo organizacional americano Adam Grant em abril deste ano, num artigo do New York Times intitulado “There’s a Name for the Blah You’re Feeling: It’s Called Languishing” (“Há um nome para isso que está a sentir durante a pandemia: chama-se languishing”). Tal define a sensação de mal-estar vivenciada por muitas pessoas ao longo deste período, uma sensação de estagnação e vazio, que nos dá a ideia de desperdiçar os dias sem um rumo certo ou, como compara o artigo, seria a sensação de ver “a vida através de um vidro embaciado”. O oposto de languishing é outro termo mencionado no artigo de Grant que tem vindo a ganhar popularidade, o flourishing, ou florescimento, que se refere à sensação elevada de bem-estar, emoções positivas, esperança e propósito. Daí o título deste meu post. E, por não possuir uma tradução que melhor o defina, irei usar o termo languishing no original.

Segundo especialistas, a incerteza e o luto trazidos pela pandemia são os principais factores que desencadeiam o languishing atualmente, pois não estamos a vivenciar apenas o luto pelas vítimas da Covid-19, mas por todas as perdas simbólicas que tivemos neste período — como o convívio social, a liberdade, as possibilidades de lazer — e de algo que é essencial ao ser humano: o toque.

No início, podemos não reconhecer os sintomas que possamos ter em comum. Certamente, ao falarmos com amigos e familiares sobre os últimos meses de confinamento, a conversa terá acabado por desembocar no modo como muitos se sentem: cansados, desmotivados e até perdidos. Talvez alguns tenham manifestado mais dificuldade em concentrar-se, no trabalho ou em tarefas, enquanto outros, apesar da chegada das vacinas, não depositam grandes esperanças em 2021. Podemos ficar acordados até tarde para vermos um filme novamente, embora o saibamos de cor. E, em vez de saltarmos da cama às 6 da manhã, ficamos deitados até as 7h a olhar para o telemóvel... Não, não se trata de esgotamento, pois ainda possuímos energia. Também não é depressão, pois não nos sentimos desesperados. Nós apenas nos sentimos um tanto ou quanto sem alegria e sem objetivo. E há mesmo um nome para isso: languishing.



Enquanto cientistas e médicos trabalham para tratar e curar os sintomas físicos da interminável Covid-19, muitas pessoas lutam com a longa duração emocional da pandemia. Alguns de nós até ficámos despreparados quando o medo intenso e a dor do ano passado se dissiparam... Nos primeiros dias incertos da pandemia, é provável que o sistema de deteção de ameaças do nosso cérebro estivesse em alerta máximo para lutar ou fugir. Como aprendemos que as máscaras ajudam a nos proteger, provavelmente fomos desenvolvendo rotinas que aliviaram a nossa sensação de pavor. Mas a infame pandemia arrastou-se e o estado agudo de angústia deu lugar a uma condição crónica de languishing. Com o segundo confinamento, chegou uma nova forma de esgotamento. As pessoas já se encontram tão cansadas de lutar para se adaptar às circunstâncias que ficam nesta lassidão, com menos vontade de trabalhar, de estar com outras pessoas ou de terem cuidado com a sua alimentação.


Mas, então, o que é isto que estamos a sentir? Apesar de um certo torpor, ainda temos energia e não nos sentimos propriamente desesperados, o que exclui o burnout e a depressão. Ainda assim, parece existir uma certa falta de motivação e objetivos...



 

Em psicologia, aborda-se a saúde mental num espectro que vai da depressão ao florescimento. Florescer é o auge do bem-estar: temos um forte sentido de significado, domínio e importância para os outros. A depressão é o vale do mal-estar: sentimo-nos desanimados, esgotados e sem valor. E languishing, conforme foi dito ao início, é o filho do meio negligenciado da saúde mental. É o vazio entre a depressão e o florescimento - a ausência de bem-estar. Não temos sintomas de doença mental, mas também não somos a imagem da boa saúde mental, pois não estamos a funcionar em total capacidade. Languishing enfraquece a motivação, atrapalha a capacidade de concentração e triplica as hipóteses de diminuição de trabalho. Parece ser mais comum do que a depressão grave e, de certa forma, pode ser um factor de risco maior para desenvolver outro tipo de doenças mentais.

 

O termo em si foi atribuído por um sociólogo chamado Corey Keyes, que ficou surpreso ao ver que muitas pessoas que não estavam deprimidas também não estavam a prosperar. Foi em 2002 que Keys publicou, no Journal of Health and Social Behavior, o seu estudo que, além de cunhar o termo languishing, constatou que 12,1% de um grupo de adultos, com idades compreendidas entre os 25 e os 74 anos, preenchia os critérios para se encontrar neste estado. A sua pesquisa sugere que as pessoas com maior probabilidade de sofrer de depressão grave ou serem diagnosticadas com um transtorno de ansiedade na próxima década não são as que apresentam já sintomas desses problemas, mas as que sofrem atualmente de languishing agora. E novas evidências de trabalhadores de saúde em Itália mostram que aqueles que estavam a padecer de languishing na primavera de 2020 tinham três vezes mais probabilidades do que seus pares de serem diagnosticados com transtorno de stress pós-traumático. Languishing é apatia, uma sensação de inquietação ou uma falta geral de interesse pela vida ou pelas coisas que normalmente trazem alegria. Segundo o mesmo estudo, este estado consome a motivação e interfere com a capacidade de concentração, tornando três vezes mais provável que as pessoas que dele sofrem se desleixem no trabalho, em comparação com adultos moderadamente saudáveis.

 

Parte do perigo é que, quando estamos em modo languishing, podemos não notar o entorpecimento da motivação ou a diminuição do impulso. Não nos vemos a deslizar lentamente para a solidão; tornamo-nos indiferentes à nossa própria indiferença. Quando não conseguimos ver o nosso próprio sofrimento, não procuramos ajuda, nem fazemos grande coisa para nos ajudarmos a nós próprios. E mesmo se não estivermos em modo languishing, provavelmente conhecemos pessoas que o estão, pelo que entendê-lo melhor pode ajudar-nos a ajudá-las.



Ao contrário de um transtorno de pânico ou depressão, languishing é uma série de emoções, não uma doença mental. “Languishing envolve sentimentos angustiantes de estagnação, monotonia e vazio”, afirma a Dra. Leela R. Magavi, psiquiatra infantil, adolescente e adulta, e diretora médica regional da Community Psychiatry, a maior organização ambulatória de saúde mental da Califórnia.

 

Os psicólogos descobriram que uma das melhores estratégias para controlar as emoções é atribuir-lhes um nome. Na primavera de 2020, durante a angústia aguda da pandemia, o post mais viral da história da Harvard Business Review foi um artigo a descrever o nosso desconforto colectivo como dor. Juntamente com a perda de entes queridos, estávamos de luto pela perda da normalidade. Num longo pesar. E tal deu-nos um vocabulário familiar para entender o que parecia ser uma experiência desconhecida. Embora não tenhamos enfrentado uma pandemia antes, a maioria de nós já enfrentou perdas. Isso ajudou-nos a cristalizar lições da nossa própria resiliência no passado - e a ganhar confiança na nossa capacidade de enfrentar as adversidades presentes.

Ainda temos muito que aprender sobre o que causa o languishing e como curá-lo, mas dar-lhe um nome pode ser um primeiro passo. Isso poderia ajudar a desobstruir a nossa visão, dando-nos uma janela mais clara para o que tinha sido uma experiência “embaciada”. E não estamos sozinhos: infelizmente, languishing é comum e compartilhado. Estarmos sempre insatisfeitos, olharmos ao espelho e não gostar do que vemos, sem que isso nos dê motivação para cuidar de nós, ou termos a sensação de estarmos a ser “arrastados” pelos dias podem ser sinais de um estado de languishing.

Portanto, quando adicionamos languishing ao nosso léxico, começamos a notá-lo mais ao nosso redor. Ele aparece quando nos sentimos desapontados ao final da tarde. Está em “Os Simpsons” cada vez que uma personagem diz “Meh”. É o ficar acordado até tarde da noite para recuperar a liberdade que se perdeu durante o dia. Não tanto uma retaliação contra a perda de controlo, mas um acto de desafio silencioso contra o enfraquecimento. Uma busca por felicidade num dia sombrio, por uma conexão numa semana solitária ou desalento por uma pandemia perpétua.




Diferença entre languishing e depressão

Languishing não é depressão ou tristeza, mas sim “a ausência de se sentir bem com a sua vida”, defende Keyes. “Languishing é também a falta de sentido, propósito ou pertença à vida, o que leva ao vazio, à falta de emoção e à estagnação”, afirma.

“A depressão, por outro lado, é um distúrbio clínico. O interesse pela vida desaparece e a tristeza é sentida de forma aguda”, explica Keyes. Também existem sinais claros de depressão, como dormir muito ou pouco e expressar desesperança ou pensamentos suicidas. Porém, “languishing não é sentir-se bem nem triste”, diz. “É mais o não se estar a sentir realmente nada.”

A principal diferença entre languishing e depressão é “quando alguém se sente deprimido, muitas vezes não quer sair da cama”, adianta. “Quando uma pessoa se sente languishing, ela prossegue com os movimentos da vida. É quase como se nos colocássemos em suspenso e estivéssemos à espera de algo bom acontecer”, prossegue Keyes. Na sua pesquisa, ele descobriu que o estado de languishing pode levar a um alto risco de desenvolver depressão e ansiedade, bem como riscos elevados de tentativas de suicídio e mortalidade prematura. As pessoas afetadas pela condição de languishing não estão clinicamente deprimidas, mas também não estão felizes. Experienciam uma sensação de um estado “nim”. Falta-lhes motivação e tudo parece assumir-se como algo difícil de levar a cabo como, por exemplo, realizar tarefas, planear uma viagem ou conviver com a família ou com os amigos.




Um antídoto para languishing?

Então, o que nós podemos fazer sobre isso? Um conceito chamado “fluxo” pode ser um antídoto para o languishing. O fluxo é aquele estado indescritível de absorção num desafio significativo ou um vínculo momentâneo, onde o sentido de tempo, lugar e do “eu” se desvanece. Durante os primeiros dias da pandemia, o melhor indicador de bem-estar não era o otimismo ou atenção plena - era o fluxo. Pessoas que se tornaram mais imersas nos seus projetos conseguiram evitar o languishing e mantiveram a sua felicidade pré-pandêmica. Um jogo de palavras matinal pode catapultar-nos para o fluxo. Uma maratona noturna da Netflix às vezes também ajuda - ela transporta-nos para uma história na qual nos sentimos ligados às personagens e preocupados com o bem-estar delas.

Embora encontrar novos desafios, experiências agradáveis e trabalho significativo sejam todos os remédios possíveis para evitar o languishing, é difícil encontrar o tal fluxo quando não nos conseguimos concentrar. Esse era um problema muito antes da pandemia, quando as pessoas costumavam verificar e-mails 74 vezes por dia e trocar de tarefas a cada 10 minutos. A atenção fragmentada é inimiga do engajamento e da excelência. Num grupo de 100 pessoas, apenas duas ou três são capazes de dirigir e memorizar informações ao mesmo tempo, sem que o seu desempenho seja prejudicado numa ou duas tarefas. Os computadores podem ser feitos para o processamento paralelo, mas os humanos são melhores com o processamento serial. Demos a nós mesmos algum tempo sem interrupções.




Como ultrapassar o languishing?

A pandemia foi uma grande perda. Para transcender o languishing, tentemos começar com pequenas vitórias, como o pequeno triunfo de descobrir um mistério policial ou a pressa de jogar uma palavra de sete letras. Um dos caminhos mais claros para fluir é uma dificuldade administrável: um desafio que amplia as nossas habilidades e aumenta a nossa determinação. Isso significa reservar um tempo diário para nos concentrarmos num desafio que é importante para nós - um projeto interessante, uma meta que vale a pena, uma conversa significativa. Temos de tentar evitar que o torpor cinzento se apodere do nosso iluminado dia-a-dia, apostando no auto-cuidado, em sair de casa para aproveitar os dias de sol, dormir bem, alimentarmo-nos de forma saudável, beber água e, dentro do possível, procurarmos apoio social e emocional junto da família e dos amigos. Tentar fazer com prazer coisas que parecem até corriqueiras, agarrar-se a pequenos confortos e valorizar o que há de bom também pode ajudar a ultrapassar este “pseudo-adormecimento”. Agarrarmo-nos aos pequenos prazeres como pintar, ler um livro, ver séries, remodelar a casa, investir na culinária ou na jardinagem são algumas das hipóteses. Às vezes, é um pequeno passo para redescobrir um pouco da energia e do entusiasmo que perdemos durante todos estes meses. Porque o languishing não está apenas nas nossas cabeças - está nas nossas circunstâncias. Não se pode curar uma cultura doente com curativos básicos. Ainda vivemos num mundo que normaliza os desafios da saúde física, mas estigmatiza os desafios da saúde mental. Enquanto nos dirigimos para uma nova realidade pós-pandemia, é hora de repensar a nossa compreensão da saúde mental e do bem-estar. “Não deprimidos” não significa que não estejamos a lutar. “Não burnout” não significa que se esteja entusiasmado. Ao reconhecermos que muitos de nós estejamos a sofrer de languishing, podemos começar a dar voz ao desespero silencioso e iluminar um caminho para sairmos do vazio...

Portanto, é importante reconhecer que as coisas não estão bem e que este problema emocional surge em função quase exclusiva da pandemia. Procurar elevar a motivação suprimida, não nos autodiagnosticarmos como “fracassados” ou depressivos (pelo estado de paralisação que o languishing provoca), procurarmos fazer as coisas que mais gostamos, não perder a esperança, mesmo parecendo muito difícil, e acreditar em dias melhores é primordial Para tentar evitar esse tipo de apatia é importante mantermo-nos activos. Controlar o humor, procurar ter uma ótima noite de sono, preencher o tempo livre com atividades, não alterar negativamente a rotina, dar valor aos actos realizados, aumentar a interação social (mesmo que virtual), cuidarmo-nos fisicamente e resgatar a alegria pode bem combater o estado apatia provocada pelo languishing.



 

Se quiserem saber mais, pesquisem no New York Times, o artigo de Adam Grant intitulado “There’s a Name for the Blah You’re Feeling: It’s Called Languishing”, no qual me baseei livremente, e na na Vogue UK: “Still Languishing? Here’s How To Overcome It”.

Etiquetas:

Comente este artigo