O muito adiado filme biográfico da Rainha da Soul, devido à pandemia que ainda nos assola, chegou finalmente às salas de cinema. Com uma magnifica Jennifer Hudson a dar vida a Aretha Franklin, “Respect” assenta bem no panorama dos filmes biopics que homenageiam figuras notáveis.

Acompanhando a ascensão da carreira de Aretha Franklin, desde criança, a cantar no coro da igreja do seu pai em Detroit até ao estrelato internacional (Aretha viria a se tornar a primeira mulher a entrar no Hall of Fame do Rock & Roll), “Respect” é a incrível história, baseada em factos reais, da jornada de um ícone da música em busca da sua própria voz...


 

"Eles querem ouvir-te cantar”, afirma Forest Whitaker, como C. L. Franklin, quando se inicia o filme, ao acordar a sua jovem filha, Aretha. Desde tenra idade e durante todo o resto da sua extraordinária carreira, todos queriam ouvi-la cantar, e por diferentes razões. Seja por mero prazer ou por motivos mais dúbios, a voz de Aretha era muito solicitada. E quem melhor para desempenhar um papel tão exigente do que Jennifer Hudson, com uma voz tão icónica quanto a de Franklin? Hudson foi escolhida a dedo por Aretha e trabalhou com ela ao longo do desenvolvimento da produção até à sua morte, em 2018.

 

E Jennifer Hudson bem pode agradecer a Aretha Franklin, em parte, pela sua carreira. Hudson alcançou a fama, pela primeira vez, em 2004 como finalista do "American Idol". Ela fizera o teste para esta competição de canto com a canção de Aretha, "Share Your Love With Me". Em 2021, Hudson, agora uma cantora premiada nos Grammy e uma atriz vencedora do Oscar (ganhou o Oscar de melhor atriz secundária em 2007 pela sua atuação em "Dreamgirls”), disse à CNN que há muito que considera por que a Rainha da Soul a queria no papel. "Isso está além de cantar e de actuar", afirma. "Acho que ela viu algo em mim ... Eu não teria sido capaz de ir tão fundo como fiz para contar a história de uma forma honesta sem as minhas próprias experiências de vida. Então, acho que ela viu isso em mim também, como tudo o mais no que diz respeito a ser actriz e cantora”.



Ao longo do trajeto de Aretha, houve tragédia e triunfo, algo com o qual Hudson se pode identificar. Desde a sua eliminação demasiado cedo (aos olhos dos muitos que a apoiaram) em "American Idol" aos assassinatos incrivelmente dolorosos da sua mãe, irmão e sobrinho nas mãos do namorado da sua irmã em 2008, Hudson perseverou em grandes adversidades e soube trazer isso para o seu retrato de Aretha Franklin. E, claro, há ainda a sua voz. Ela própria canta as canções do filme. Sem dúvida, preparar-se para interpretar Franklin foi um processo sem fim para Hudson, que inclusive aprendeu a tocar piano para mergulhar ainda mais no papel.

 

De facto, nenhum filme conseguiria caber na totalidade da vida caótica da Rainha da Soul, pelo que a realizadora Liesl Tommy soube tirar partido ao economizar o seu tempo limitado de execução para se concentrar em Aretha a descobrir o seu próprio som, a sua orientação na carreira. Depois de vermos Aretha a se esforçar em produzir álbum após álbum, sem quaisquer sucessos mainstream, e a turbulência familiar que veio juntamente com isso, há um momento de catarse quando Aretha começa a escrever a canção que dá título ao filme. Começamos a ouvir cada camada conforme ela vai sendo desenvolvida até uma performance completa e eletrizante da música. A sua irmã mais velha, Erma (Saycon Sengbloh), canta "Ree Ree", a alcunha carinhosa de Aretha, e a sua irmã mais nova Carolyn (Hailey Kilgore) entra no diálogo sonoro entoando “Just a little bit”, entusiasmada em apoiar a magia musical que a sua irmã estava a evocar. Naquele momento, Aretha tinha 25 anos, presa a um casamento miserável e ansiosa por uma identidade musical. Mas à medida que compõe esta sua obra-prima, ela começa a definir a sua musicalidade, a ajustar os acordes da sua carreira e a libertar-se das garras dos homens dominadores no seu canto. Esta reinvenção do tema “Respect” de Otis Redding por Aretha Franklin, como um hino feminista, transformou-a num dos ícones dos direitos civis e dos movimentos das mulheres.


 

Os momentos mais difíceis de Aretha são também os mais memoráveis deste filme. Desde a sua gravidez aos 12 anos, a ser vítima de agressão sexual, física e verbal, até ao seu debilitante alcoolismo, está tudo bem visível, numa exibição que parece reveladora sem ser dramática demais. Quer sintamos pena da problemática cantora ou comecemos a ficar do lado das vítimas quanto às suas explosões de "demónio" interior, não há como negar o talento de Hudson enquanto ela se transforma de uma adolescente apreensiva para uma diva sobrecarregada e à beira de um colapso. Sem dúvida, esta é um desempenho digno de um Oscar, mostrando o quão longe Hudson chegou como actriz. O restante elenco combina perfeitamente com o desempenho poderoso de Hudson: desde Forest Whitaker, como seu pai autoritário, a Marlon Wayans, o empresário que se tornou marido, Ted White, passando por Mary J. Blige como Dinah Washington e Audra McDonald, como Barbara, a mãe de Aretha Franklin.


 

Com o pano de fundo da segregação e ativismo político, o filme mostra a forte influência da História americana em Aretha e como a sua vida estava tão ligada aos direitos civis; a sua voz foi um veículo para movimentos e ativismo político. Um verdadeiro caminho de esperança. Apesar da dor no seu coração, da devastação e do vício, vamos descobrindo o que tal significa para ela. O seu impacto cultural foi sentido ao longo de toda a sua carreira, desde o canto nos serviços fúnebres de Martin Luther King até a apresentação de três novos presidentes norte-americanos.

 

Nos cinemas desde quinta-feira (12 de agosto), “Respect” narra duas décadas da vida épica e frenética da falecida Rainha da Soul, descascando brilhantemente as camadas da sua carreira para mostrar como Aretha enfrentou os seus “demónios” de frente. A sua resiliência interior, tenacidade e espiritualidade fizeram-na perceber o seu valor e poder. Os homens não precisavam mais de ter uma palavra a dizer na sua carreira; ela poderia dirigi-la por conta própria. “Respect” termina em 1972, durante o período "Amazing Grace" de Aretha, quando ela grava o seu álbum gospel ao vivo, de enorme sucesso, que ela própria coproduziu e que foi registado num documentário. O filme mostra-nos como, repetidamente, a Rainha do Soul caiu em sua resiliência, na sua forte fé e na feroz coragem interior, para se levantar na vida. Imperdível!




Etiquetas:

Comente este artigo