Com "Licorice Pizza" estreado no final do ano, Paul Thomas Anderson regressa ao grande ecrã com um filme cheio de encanto e doçura, com um olhar alegremente subversivo sobre a nostalgia, sendo já considerado por muitos como um dos melhores de 2021. Esta longa-metragem marca a estreia no cinema da cantora Alana Haim (do grupo musical Haim) e de Cooper Hoffman (filho do falecido actor Philip Seymour Hoffman). A título de curiosidade, o pai do jovem protagonizou cinco filmes de Anderson, que, por sua vez, realizou oito videoclipes musicais das irmãs Haim.


Paul Thomas Anderson faz em "Licorice Pizza" uma homenagem aos anos 70, através de uma história de amor, etariamente desencontrada e divertidamente desajeitada, passada em 1973, em San Fernando Valley, na California. Há um misto de candura com o peso da realidade... Numa altura em que os EUA estavam com problemas no Vietname e em grande convulsão social e política, onde a OPEP se preparava para fazer um embargo de petróleo aos países que tinham apoiado Israel na Guerra do Yom Kippur afetando, de sobremaneira, os americanos, Gary Valentine (Cooper Hoffman), de 15 anos, só estava preocupado com uma coisa: conquistar Alana Kane (Alana Haim), 10 anos mais velha. Ele, um actor de TV e estudante do ensino secundário apaixona-se pela assistente de fotografia / voluntária da escola. Os dois, cientes da grande diferença de idade de 10 anos, percorrem juntos episódios das suas vidas como abrir negócios de venda com as últimas novidades, como colchões de água ou máquinas de pinball. Gary agarra qualquer oportunidade de fazer dinheiro que lhe apareça pela frente e Alana ainda vive com os pais e as irmãs (interpretados pelos seus pais e irmãs verdadeiros), sem fazer ideia do que fazer com a vida, sentindo-se simultaneamente divertida, perplexa e às vezes algo aborrecida com os constantes avanços do seu amigo. E embora possa haver diversão e flirts entre os dois, a imagem maior e mais sombria do mundo em que vivem começa a se infiltrar, o que molda Gary e Alana de maneiras diferentes.

Eles passam todo o filme num eterno impasse amoroso, ao mesmo tempo que vivenciam uma miríade de peripécias, algumas divertidas, outras algo desconcertantes. Tal é o caso de, no auge da falta de combustível, terem um inusitado e alucinante encontro com Jon Peters (Bradley Cooper), o ex-cabeleireiro, produtor de Hollywood e namorado de Barbra Streisand na altura, que tem tanto de alucinado como de mulherengo. Nesta e noutras cenas, vemos a personagem Alana Kane questionar-se ao se ver rodeada por jovens de 15 anos de um lado e por homens algo duvidosos do outro.

De facto, há belos momentos, de comicidade incrivelmente oportuna, que tornam o filme muito divertido de se ver. Hoffman e Haim não podiam ter sido melhor escolhidos, pois estando nos antípodas dos estereótipos de beleza e glamour que abundam no cinema hollywoodesco, exibem sem pudor as suas pequenas imperfeições físicas que os tornam mais humanos e muito próximos de nós. Mas ao falarmos de Alana Haim em particular, fica difícil assimilar que este se trata do primeiro papel da cantora no mundo da sétima arte. Ela está muito convincente e o seu magnetismo no ecrã é um dos trunfos do filme, conseguindo fazer com que a natureza rebelde, a atitude obstinada e a indecisão da sua personagem pareçam notavelmente verdadeiras e reais.

O crédito também deve ir para os actores que acrescentam grande vitalidade aos seus papéis. Além de Bradley Cooper, o elenco secundário inclui “veteranos” e artistas musicais, incluindo Sean Penn, Maya Rudolph, Ben Safdie e até um outro cantor, Tom Waits. Todos acrescentam credibilidade, humor e alma para o filme, enquanto os protagonistas principais trazem a convicção necessária que vai muito além das suas carismáticas aparências. E é também importante falar da música sempre ao mais alto nível. A banda sonora da época ajuda a criar o sentimento de melancolia que o filme pretende proporcionar. A fotografia também confere ao filme uma aparência algo granulada que complementa os elementos ensolarados e pensativos, fortalecendo ainda mais a distorção da nostalgia, onde o tempo quente daquele verão em San Fernando Valley parece adentrar pelos nossos sentidos. E quanto ao título, “Licorice Pizza” (que significa pizza de alcaçuz), não se pense que se trata de algo aleatório, pois o nome pertence a uma cadeia de lojas de discos que existiu na Califórnia entre 1969 e 1985.

No geral, “Licorice Pizza” consegue fornecer uma experiência única com todo o seu charme, calor e leveza, ao mesmo tempo que surpreende com o que está por baixo da sua aparência evocativa. Compondo uma carta de amor nostálgica a uma certa época de Los Angeles, encerrando uma reflexão marcante e representando um dos melhores filmes de 2021, “Licorice Pizza” é altamente recomendado. Não percam!

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