O novo filme de Paul King, "Wonka", que chegou recentemente aos cinemas, bem a tempo do Natal, tem sido um sucesso de bilheteira, e tal deve-se ao facto de retomar os elementos do primeiro filme, datado de 1971, com Gene Wilder em “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, sob a direção de Mel Stuart. Esta nova versão do romance de Roald Dahl, além de ser considerado um filme fantástico e musical, reúne o talento de actores como Hugh Grant, Rowan Atkinson, Sally Hawkins, Matt Lucas e Olivia Colman. Só por isso, é um filme que não se deve perder.

“Wonka” volta a trazer-nos o encanto dos filmes mágicos de outrora, relembrando a arte de sonharmos acordados. É verdade! A começar pelo facto de não se tratar de um filme com números musicais e sim um filme inteiramente no musical. Esta escolha de Paul King faz de “Wonka” um olhar mágico para uma fantasia contagiante sobre explorar novas oportunidades em promessas feitas de chocolate.

Mesmo tendo a missão de levar uma versão distinta aos filmes já lançados, King não deixa de prestar referências, principalmente à primeira adaptação de 1971, o que envolve detalhes como a caracterização dos Oompa Loompas – sendo um deles magnificamente vivido por Hugh Grant – como a estética das músicas compostas para o filme. E enquanto as referências se vão tornando mais subtis, podemos observar a maior aposta desta versão: Timothée Chalamet. O celebrado actor americano com nome francês convence ao viver um Willy Wonka encantador e ingenuamente sonhador –mais próximo da gentileza de Wilder e longe do sádico e sarcástico chocolateiro de Johnny Depp – num mundo conspirador e desigual.

Os vilões de “Wonka”, que funciona como prequela de “Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate” e que retrata a juventude de Willy Wonka e do início do seu império confeiteiro, são os três mestres-chocolateiros que dominam a Galeria Gourmet, centro comercial da cidade onde o jovem Willy chega para tentar realizar as suas ambições empreendedoras. Num verdadeiro monopólio do chocolate, este trio, interpretado por comediantes britânicos mais conhecidos por trabalhos em televisão, tem uma reação curiosa após o primeiro encontro com o protagonista. Como um deles explica, não é apenas que eles achem Willy talentoso e uma ameaça ao seu monopólio da indústria confeiteira, mas também a forma como Willy cria chocolates é diretamente antitética do que eles acreditam: que um bom chocolate deveria ser simples, elegante, padronizado. Com a suas invenções mágicas e coloridas, criadas a partir de ingredientes multiculturais e predicadas muito mais nos sentimentos que causam ou evocam, o jovem Willy é uma ameaça porque pode mostrar aos clientes da Galeria Gourmet que eles poderiam alcançar algo mais: o sonho, o encanto...


Como se não bastasse, Wonka, que nesta adaptação é muito mais heroico do que a figura ambígua do conto clássico, comete o erro de se hospedar na pousada da Sra. Scrubit, uma mulher asquerosa vivida brilhantemente por Olivia Colman. Aqui, a actriz surge como uma vilã engraçada e muito perversa. Lá, Willy descobre que praticamente vendeu a sua alma ao diabo e que terá que trabalhar na lavandaria do local para pagar a sua dívida. Ali, ele conhece outras pessoas que também se encontram na sua situação. A primeira é Noodle (Calah Lane), uma pobre menina órfã que se torna sua fiel escudeira, e o restante grupo é composto por um contabilista (Jim Carter), um comediante sem graça (Rich Fulcher), uma telefonista (Rakhee Thakrar) e uma mecânica (Natasha Rothwell). Juntos, eles acabam por ajudar o extraordinário e inusitado inventor de chocolates a sair da sua complicada situação e, mais tarde, com a ajuda de Wonka, também acabam por se salvar. E é com este argumento aparentemente simples que a obra nos vai conquistando facilmente.

Como musical, o filme carrega traços dos clássicos hollywoodescos do género nos anos 1940 e 1950, da canção introdutória que vai do melancólico ao dançante, em poucos minutos, à coreografia, que oscila entre grandes movimentos geométricos, com alguns toques de sapateado. A cenografia faz uso das cores e dos efeitos especiais para transformar uma narrativa simples em algo mágico e construir um mundo surrealista. No geral, excessos como estes poderiam incomodar, mas tratando deste tipo de produção, eles são fundamentais e resultam muito bem-feitos. As canções originais de Neil Hannon (do grupo The Divine Comedy) resultam igualmente bem. Como vocalista e protagonista principal da maioria das composições, Timothée Chalamet não vacila na afinação, nem nos passos de dança, mas - ainda mais importante - integra tais aspectos técnicos numa atuação que caminha na linha difusa entre charmoso e intimidador, que sempre foi a chave para interpretar o misterioso Willy Wonka.



Já mencionei alguns destaques do elenco, mas não poderia deixar de referir Rowan Atkinson, o eterno Mr. Bean, que surge como um padre chocólatra e corrupto. Ele não tem muito "tempo de antena", nem sequer muitas falas, mas para quem nos consegue fazer rir apenas com as suas expressões faciais, ele não precisa de qualquer texto. Também é de destacar a participação de Tom Davis como Bleacher, uma espécie de capanga e amante da Sra. Scrubit. Em resumo, todos os actores estão muito bem nos seus papéis e possuem uma boa química entre si, fazendo com que o texto flua harmoniosamente. Texto esse que possui referências de outros filmes — como “Serenata à Chuva” (1952) — e que criou uma história de vida nova para a personagem, totalmente diferente da mostrada no filme de 2005. Se, lá, Wonka tinha dificuldades de relacionamento com o seu pai, o que culminou na sua solidão e alguma excentricidade, aqui ele nutre carinho pela mãe falecida e faz de tudo para se sentir perto dela novamente. Uma mudança subtil no seu passado, mas que faz toda a diferença na construção da personagem e no desenvolvimento das suas motivações. Por isso, o doceiro mais extravagante do mundo sobressai como alguém de bom coração, sem nenhum traço de loucura ou maldade — bem diferente da versão de Depp. Outra diferença reside na relação com os Oompa Loompa. Nesta versão, apenas uma das pequenas criaturas se destaca e é muito mais interessante do que as já vistas anteriormente.



Deste modo, é por meio de um enredo inovador e musical, um elenco brilhante e cenários mágicos que Paul King consegue construir um filme infantil que agrada a toda família. Afastando-se da adaptação de 2005 e criando uma personalidade única para o protagonista, “Wonka” convida o público a passear num mundo encantado e a esquecer os problemas da vida real. Um filme grandioso em vários aspectos que sem dúvida merece ser visto em ecrã gigante, no cinema.

 

 

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