Num hipotético futuro próximo, uma nação em conflito, devastada por uma guerra civil que apanhou o país inteiro de surpresa, é palco de uma jornada electrizante que atravessa os Estados Unidos. Nesse cenário caótico e imprevisível, um pequeno e destemido grupo de jornalistas embarca numa viagem ousada, explorando uma América à beira do abismo. Esses jornalistas passam a fazer a cobertura da guerra americana, cujo “gatilho” é o presidente, um fascista cujas ações fizeram com que dois estados tão politicamente distantes como o Texas e a Califórnia unissem forças contra si e o exército norte-americano. Nick Offerman interpreta a polémica personagem. 


O distópico "Guerra civil", protagonizado por Kirsten Dunst e Wagner Moura, é certamente um dos filmes do ano. Realizado por Alex Garland, conquistou a crítica e o público, e causou alguma agitação desde que chegou ao circuito cinematográfico nos Estados Unidos. Kirsten Dunst dá vida à Lee, uma fotógrafa que há anos regista cenas de terror e morte. Há também Joel, editor que se uniu a Lee para cobrir a guerra, interpretado pelo actor brasileiro Wagner Moura. Os dois vão a Washington na tentativa de entrevistar o presidente. Aproveitando a viagem, eles levam no carro Sammy, jornalista veterano do New York Times, e Jessie, fotógrafa estreante, vividos por Stephen McKinley Henderson e Cailee Spaeny, respectivamente.

Por isso, “Guerra Civil” está mais para o género “road movie”, em modo pós-apocalíptico, do que exatamente para um filme de guerra como parece fazer supor. Eles incorrem numa viagem de carro de Nova Iorque até Washington para documentar o que está a acontecer no coração político de uma América convulsionada. Neste sentido, como “road movie”, incorpora bem as narrativas episódicas e as casualidades. Em suma, “Guerra Civil” é mais do que um simples filme de guerra; é uma viagem reveladora pelas estradas dos Estados Unidos, com reviravoltas e questões políticas no centro da narrativa.

 


Sammy e Joel conversam, antes e durante a viagem, sobre as perguntas que farão ao presidente. E é aí que vamos descobrindo o que o déspota governante fez: ele está no terceiro mandato, algo que é inconstitucional de acordo com a Vigésima Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Essa emenda proíbe a mesma pessoa de ser eleita mais de duas vezes como presidente. No entanto, o filme não especifica a que lado político o presidente pertence, deixando em aberto se ele é republicano ou democrata. Além disso, o elenco do filme afirmou que o presidente retratado não é inspirado em Donald Trump. Como a própria Kirsten Dunst afirmou à revista Variety: "Não quero comparar porque essa é a antítese do filme. Ele é um presidente fascista. Não penso na personagem de Nick como uma determinada figura política." Por sua vez, Offerman, que interpreta o presidente, disse ao The Hollywood Reporter: "Honestamente, [a comparação com Trump] nem me ocorreu."
 

Por conseguinte, o filme não segue nenhuma ideologia, pelo que o realizador afirmou ao Entertainment Weekly: “Isso exige que o espectador faça a sua própria interpretação. O filme é opaco. Obriga o espectador a fazer perguntas”. Outra ideia interessante de Guerra Civil são as Forças Ocidentais, a união entre o Texas e a Califórnia. Enquanto o primeiro é tendencialmente um estado republicano, o último é democrata. "Dois estados que têm posições políticas diferentes declararam: 'As nossas diferenças políticas são menos importantes do que isso'", afirma o cineasta. "E o outro lado é que se você não conseguir conceber isso, o que está a dizer é que a sua posição política polarizada seria mais importante do que um presidente fascista."



Não é novidade para ninguém que à medida que as eleições se aproximam, tensões antes adormecidas - ou nem tanto assim - começam a irromper. Se conversas no intervalo no escritório, dentro de transportes públicos e principalmente na internet são dominadas pela temática política, no cinema, as coisas não poderiam ser diferentes, pois como diz o “ditado”: a vida imita a arte - ou vice-versa. Desta forma, com votações marcadas para novembro de 2024, os Estados Unidos vêem chegar às suas salas de cinema uma longa-metragem distópica que mergulha a terra do Tio Sam num caos político não tão distante da realidade.

Garland consegue juntar imagem e som para desenvolver a narrativa proposta. Com grandes produções no currículo, como “Ex_Machina” e “Aniquilação”, em “Guerra Civil”, o realizador britânico encontra aqui o seu melhor trabalho: mais maduro e mais bem preparado. Na história, somos atirados para o meio de uma guerra civil norte-americana capitaneada por diversas facções, com direito a cidades destruídas, ruas vazias e aparatos do que sobrou de um Governo em estado de alerta. Por outro lado, Garland aborda a questão do ofício jornalístico com alguma perversão - tanto do vício em adrenalina, quanto da morbidez em se insensibilizarem perante o horror. O conceito principal é mostrar como a indiferença se tornou a nossa realidade, normalizada através da repetição quotidiana. E o que torna “Guerra Civil” tão impactante é a sua aparente iminência. Embora se passe nos EUA, a sua história poderia facilmente ocorrer em qualquer parte do planeta. Não há vencedores nesta guerra fictícia, apenas perdedores, e o filme nos faz refletir sobre as tensões políticas e sociais que nos cercam. Uma obra que nos faz questionar: até que ponto a arte reflete a realidade e vice-versa?

 


Trata-se de um espetáculo cinematográfico que deve ser visto nos cinemas, com uma realização nervosa e imersiva (a fazer que parecemos estar dentro do filme), fotografia objetiva, banda sonora sólida e actuações marcantes do elenco que variam da angústia à leveza. “Guerra Civil” seguramente candidata-se a um dos filmes do ano. E a julgar pela sua performance, continua a liderar as bilheteiras americanas pelo segundo fim de semana consecutivo, arrecadando 11,12 milhões de dólares e atingindo um total de 44,8 milhões apenas nos EUA. Essa impressionante receita coloca o filme entre os cinco de maior sucesso da A24 em termos de bilheteira, uma produtora fundada em Nova Iorque em 2012. Vale lembrar que a A24 também é responsável pelo vencedor do Oscar de melhor filme do ano passado, “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” Com um orçamento de 50 milhões de dólares, “Guerra Civil” representa o maior investimento da A24 até o momento. A produtora tem se destacado no cenário audiovisual, não apenas nos cinemas, mas também no streaming, com séries como “Beef”, disponível na Netflix. Na semana de estreia, o filme superou as vendas de bilhetes nos Estados Unidos, arrecadando um total de 25,7 milhões de dólares. A sua permanência no topo das bilheteiras deixou para trás três grandes lançamentos: o filme de terror sobre vampiros “Abigail”, a longa-metragem de guerra “The Ministry of Ungentlemanly Warfare”, realizada por Guy Ritchie e protagonizada por Henry Cavill, e o anime “Spy x Family código: branco”

 

"Guerra Civil" não apenas provoca e incomoda pela sua proximidade com a realidade, mas também se consolida como um sucesso comercial notável, reforçando a relevância do cinema como espelho da sociedade e das suas tensões políticas.




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