Quinto filme do “franchise” (se é assim que se pode denominar) sobre o Anticristo, “O Génio do Mal - O Início” vem revigorar o universo deste género de terror com uma realização exímia, um excelente elenco e um argumento bem trabalhado. Eu fui assistir à sua antestreia a convite da NOS, no cinema do Colombo, e saí da lá com calafrios... sim, porque para mim há dois tipos de filmes de terror: os que abordam o sobrenatural, que metem desde Drácula a múmias, e os de origem religiosa, que abordam temas mais próximos, com os quais mais nos identificamos e que, por isso, mais tememos. Quem não se lembra de “O Exorcista” de 1973


Seguindo o exemplo de outras séries como Halloween ou The Exorcist, que receberam reinvenções e expansões modernas, “O Génio do Mal - O Início” (“The First Omen” no original) é a mais recente sequela de uma linha de terror de longa data. A funcionar como “prequela” do clássico "The Omen", com várias associações aos eventos deste primeiro filme da série e servindo como uma inesperada explicação sobre a paternidade biológica de Damien Thorn, "O Génio do Mal: O Início" passa-se em 1971 e acompanha Margaret, uma jovem americana enviada para Roma com o objetivo de servir a Igreja. Num convento italiano, depara-se com algo que a leva a questionar a própria fé e descobre uma conspiração aterradora que visa provocar o nascimento do mal encarnado...


Foi em 1976 que Richard Donner realizou o primeiro filme de "The Omen" (“O Génio do Mal”), com base num argumento de David Seltzer, onde os actores Gregory Peck e Lee Remick deram vida ao casal que adoptou Damien, um rapaz que mais tarde perceberam ser o filho do Diabo. Seguiram-se dois outros filmes, ambos a versarem sobre a ascensão de Damien na adolescência e na idade adulta. Em 1991, um filme para a televisão apresentou uma rapariga como o novo Anticristo e uma recriação, "The Omen" estreou nos cinemas em 2006, tendo sido seguida pela série televisiva "Damien". Neste novo capítulo, o espírito de continuidade dá-se precisamente no ecrã quando surge uma imagem de Gregory Peck numa fotografia.


Este “O Génio do Mal: O Início” pretende ser a origem dessa história, retomando a temática da trilogia original, mas centrando-se em algo pouco explorado pelos seus antecessores: o papel da mãe. Margaret (Nell Tiger Free), a jovem freira norte-americana que incorre numa tentativa de fazer os seus votos finais, não imaginava ver-se envolvida numa conspiração macabra com o objectivo de fazer nascer o Anticristo. Acolhida num convento administrado pela sinistra Irmã Silva (Sónia Braga), tudo aponta para que uma órfã ostracizada, Carlita (Nicole Sorace), com recorrência habitual no intitulado "quarto do mal”, esteja destinada a carregar no seu ventre o herdeiro das trevas. Este novo episódio especula sobre uma certa facção da Igreja, que pretendia redimir-se e reconquistar fiéis com a introdução do Anticristo na sociedade. No centro, temos a convincente postura de Margaret com a sua sanidade posta à prova. O contraste da sua presença numa noitada italiana ao lado do entusiasmado Paolo (Andrea Arcangeli), é afirmado quando ela se mostra bem-comportada, ao lado da sexy e eufórica Luz (Maria Caballero), sua colega noviça da ordem sacra.


Sob o comando da estreante realizadora Arkasha Stevenson — que até então apenas havia realizado episódios para televisão — a premissa dá vazão ao terror contemporâneo. Criaturas nas sombras, sustos ardilosos e ambientes escurecidos são técnicas que mais pertencem ao terror do século XXI do que à década que o filme homenageia. Contudo, originalidades não tardam a surpreender, evidenciadas logo ao início na abertura do filme, numa alusão algo perversa a uma das mortes mais famosas do filme original. O tom logo aqui estabelecido é apropriado e sintomático: assistir a “O Génio do Mal - O Início” é ser-se surpreendido constantemente, quer pela narrativa, quer, sobretudo, pela realização. Um domínio de Stevenson que demonstra, na composição de quadros e planos convincentes, uma mise-en-scène que nos conecta a um repertório do género (“Suspiria”, “O Bebé de Rosemary” e o já mencionado “O Exorcista” são alguns dos paralelos).


Quanto aos protagonistas, Nell Tiger Free é eximia no “malabarismo” que faz entre santidade e perversão, começando timidamente e desembocando numa crueza digna da actriz francesa Isabelle Adjani em “Possessão” (1981) — a qual parece homenagear no clímax. A antagonista Sónia Braga incorpora, com destreza, a postura incólume da Igreja Católica. Bill Nighy assume também uma das personagens principais, como Cardeal. E Ralph Ineson interpreta o religioso Brennan.

“O Génio do Mal - O Início” surge como uma ousada produção causada por um certo apetite de Hollywood por mais e novas sequências. E deixa um fio condutor que poderá resultar numa sequela... Mas é sem dúvida um filme que se propõe eficazmente a meter-nos medo, e muito.

 

Etiquetas:

Comente este artigo