Depois do musical ter conquistado o palco na Broadway e em
West End, onde tive oportunidade de ver, num teatro londrino, "Wicked"
tornou-se um filme e chega agora ao cinema. Tal como o livro que lhe deu
origem, esta é a história por contar das bruxas da Terra de Oz, revelando as
origens da Bruxa Má do Oeste e da Bruxa Boa do Sul.
Cynthia Erivo é Elphaba, uma jovem incompreendida por causa da sua incomum pele verde que ainda não descobriu o seu verdadeiro poder, e Ariana Grande surge como Glinda, uma jovem popular, dotada pelo privilégio e pela ambição, que ainda não descobriu o seu verdadeiro coração. As duas encontram-se como estudantes na Universidade de Shiz, na fantástica Terra de Oz, e forjam uma amizade improvável, mas profunda. Após um encontro com O Maravilhoso Feiticeiro de Oz, a sua amizade chega a uma encruzilhada e as suas vidas tomam caminhos muito diferentes.
Sendo um filme musical realizado por Jon M. Chu, esta é a primeira parte da versão cinematográfica do musical da Broadway criado por Stephen Schwartz. De facto, o filme "Wicked" está dividido em duas partes, a primeira parte chegou agora aos cinemas e a segunda estreia em 2025. Por isso, esta adaptação cinematográfica da peça teatral não encerra a história de Glinda e Elphaba. As mesmas personagens e seus protagonistas ainda vão dar as caras na continuação. Mas, afinal, quando Wicked 2 estreia, pergunta que nos fazemos quando saímos maravilhados desta primeira parte? O segundo filme só chega aos cinemas em dezembro de 2025, um ano após esta estreia.
A história é contada segundo a perspectiva de Elphaba, que mais tarde será conhecida como a Bruxa Má do Oeste, e Glinda, a futura Bruxa Boa do Sul. Muito antes da chegada da jovem Dorothy ao mundo de Oz, ficamos a conhecer as duas feiticeiras, quando, ainda raparigas, eram colegas de quarto na Universidade de Shiz. Apesar de um início de relação algo atribulado, as duas acabam por se tornar aliadas na luta contra a tirania do Feiticeiro de Oz.
O musical teve por base o célebre romance “Wicked: The Life and Times of the Wicked Witch of the West”, de Gregory Maguire que, por sua vez, dá nova voz a algumas das personagens que conhecemos em “O Maravilhoso Feiticeiro de Oz”, escrito por L. Frank Baum e ilustrado por W. W. Denslow em 1900. “Wicked: Parte Um” não foge à regra. Sob a direção do cineasta e da diretora de fotografia Alice Brooks, a adaptação do célebre musical da Broadway transforma-se numa viagem encantadora através de cenários vibrantes e visuais engenhosamente concebidos. Este resultado deve-se, em grande parte, ao trabalho do designer de produção Nathan Crowley (aperfeiçoando aqui a abordagem já explorada em “Wonka”) e ao figurinista Paul Tazewell (“West Side Story”), que conjugam de forma magistral o artificial com o natural, criando uma Oz equilibrada entre nostalgia, inovação, fantasia e credibilidade.
Esta abordagem dá origem a um filme musical que presta
homenagem à herança clássica do género. Isso torna-se evidente, sobretudo,
quando Glinda e Elphaba exploram novos ambientes, como a Universidade de Shiz
ou a Cidade Esmeralda. Nesses momentos, o filme explode num caleidoscópio de
dançarinos e coreografias cuidadosamente sincronizadas, captados pela câmara de
forma a alternar, com inteligência, entre a estática característica dos
musicais da era dourada de Hollywood e os movimentos exuberantes típicos dos
blockbusters contemporâneos. “Wicked: Parte Um” afirma-se, assim, como um
espetáculo hollywoodesco no seu mais pleno sentido. E em termos musicais, se “O
Feiticeiro de Oz” tem “Over the Rainbow”, Wicked tem “Defying Gravity”.
No papel de Glinda, a futura "bruxa boa", Ariana Grande surpreende ao revelar uma destreza cómica digna de estrelas clássicas. A sua interpretação de uma "menina má" de liceu, que reflete a sua persona na música pop, mistura-se com a linguagem corporal de Lucille Ball e a leveza dos passos de Ginger Rogers. Os gestos exagerados, como gestos de cabelo que levam a tropeços cómicos ou saltos que terminam em passos hesitantes, culminam em momentos como “Popular”, a canção icónica da personagem, onde Grande brilha como uma verdadeira estrela de comédia. Ainda assim, nunca perde de vista que a sua Glinda não é a figura mais empática da narrativa. Por outro lado, Cynthia Erivo, como Elphaba, torna-se a âncora emocional do filme. A sua interpretação revela uma dureza simulada que é simultaneamente admirável e trágica, refletindo uma busca por autoaceitação que é tão dolorosa quanto inspiradora. Erivo confere à personagem uma profundidade que a torna verdadeiramente humana, ao mesmo tempo que celebra a sua força para ajudar os outros e permanecer fiel aos seus princípios. A sua atuação, de uma intensidade marcante, eleva-a ao patamar de estrela consagrada.
De facto, ao longo de todo o filme, Ariana Grande e Cynthia Erivo demonstram uma química impecável, tanto como rivais quanto como amigas, proporcionando momentos marcantes. Cenas como o baile de Ozdust e o clímax da última canção são emocionantes e envolventes. Cynthia Erivo, por sua vez, entrega uma interpretação arrebatadora de Elphaba, equilibrando dramaticidade e sobriedade nos momentos sérios, sem perder o timing cómico necessário em certas ocasiões. Quando chega o icónico número de “Defying Gravity”?, preparem-se para um espetáculo memorável e para ficarem encantados com o talento de Cynthia. Entre os secundários, Jonathan Bailey brilha como o sedutor príncipe Fiyero, enquanto Michelle Yeoh encarna com perfeição a poderosa e intrigante Madame Morrible. A escolha de Jeff Goldblum para interpretar o Feiticeiro de Oz é um verdadeiro acerto – a sua performance é tão natural que parece impossível imaginar outro ator no papel. Marissa Bode, por sua vez, destaca-se como Nessarose, sendo a primeira atriz com deficiência a interpretar a personagem. A sua versão de Nessarose, mais ingénua do que a apresentada na peça original, traz uma perspetiva única e cativante – pelo menos, para já.
Para os fãs do musical original, o filme apresenta uma série de momentos icónicos, com performances memoráveis de canções como “Dancing Through Life”, “The Wizard and I”, “What Is This Feeling?”, “Popular”, “One Short Day” e, claro, “Defying Gravity”. Apesar de “A Sentimental Man” continuar na trama – por ser essencial à narrativa –, a cena ganhou melhorias visuais que a tornam mais agradável.
Com uma hora adicional em relação ao primeiro ato do musical, o filme traz os seus prós e contras. Enquanto algumas cenas extras prejudicam ligeiramente o ritmo, outras acrescentam detalhes interessantes, como uma nova abordagem para a introdução de Fiyero. Apesar de deixar várias pontas abertas para serem desenvolvidas em “Wicked: Parte Dois”, esta primeira metade oferece uma jornada satisfatória, com início, meio e fim, destacando especialmente a evolução da dupla protagonista.
Com números musicais grandiosos e um elenco de peso, “Wicked: Parte Um”, uma espécie de prelúdio de “O Feiticeiro de Oz”, consegue captar a essência do musical da Broadway, criando uma experiência visual e emocional que promete agradar tanto aos fãs de longa data como aos novos espectadores.