Este “Como Treinares o Teu Dragão” em imagem real fez-me "voar" de novo. Já repararam como há filmes que, mesmo sendo fantasias, conseguem tocar em algo muito real dentro de nós? Na sexta-feira, fui ao cinema no OeirasParque ver o novo “Como Treinares o Teu Dragão”, em versão live-action e original, e confesso: saí da sala com o coração cheio. Sim, cheio de encanto, nostalgia e daquela rara sensação de que acabámos de viver algo especial.

 

Não é de agora que o cinema mainstream seja dominado por uma corrente de nostalgia. Está provado que para os estúdios de Hollywood, jogar no seguro acaba por ser apostar em continuações, reboots e remakes de filmes que fizeram sucesso no passado. Um dos efeitos disso são os live-actions de animações, mais frequentes nos últimos anos, principalmente pela mão da Disney, com Cinderella (2015), Mogli (2016), Dumbo (2019), O Rei Leão (2019), A Pequena Sereia (2023) e Branca de Neve (2025). Porém, adaptar um clássico da animação para imagem real pode ser um risco. Mas, se a Disney já provou que pode resultar, por que não também a DreamWorks? Ainda mais quando o projeto está nas mãos de Dean DeBlois, o realizador da trilogia original de animação que, ao longo de uma década, nos ensinou a voar com Hiccup e Desdentado, personagens que agora regressam num formato surpreendentemente realista

 

 

Desde o primeiro momento, voltamos a mergulhar na ilha de Berk, esse enclave viking de penhascos agrestes onde dragões e humanos, separados por gerações de desconfiança, finalmente encontram uma ponte de entendimento. E essa ponte chama-se Hiccup, um rapaz que desafia todas as regras ao fazer amizade com Desdentado (Toothless), um majestoso dragão Fúria da Noite. Confesso: vê-los em carne e osso (ou melhor, em carne e escamas hiper-realistas) foi uma experiência fantástica. A tecnologia de hoje deu vida aos dragões como nunca antes, com expressões, olhares e movimentos tão autênticos que por momentos quase me esqueci de que eram fruto de CGI. A inspiração em animais reais como gatos, cães ou cavalos tornou-os ainda mais empáticos, quase tangíveis.

 


Mas não é só no aspeto visual que esta adaptação brilha. O verdadeiro poder do filme está na sua emoção, na relação entre pai e filho, na coragem de ser diferente, e naquela sensação universal de que às vezes é preciso romper com o que nos ensinaram para seguir o nosso próprio caminho. Hiccup (Mason Thames,o rapazinho protagonista do filme terror “O Telefone Preto”, de 2021), é esse herói improvável, com quem nos identificamos desde sempre: não o mais forte, nem o mais respeitado, mas o mais empático. E isso é o que realmente faz mudar o mundo. A abordagem de DeBlois combina um espetáculo assombroso com um nível profundo de ligação emocional. "Sempre me senti atraído por histórias que dão significado a momentos de assombramento e tentam encontrar a coragem de olhar para além do medo e das convenções. A viagem de Hiccup mostra-nos o poder de questionar o que nos foi ensinado e de abraçar a possibilidade de algo mais ambicioso. Gozam com ele, ridicularizam-no e ninguém o entende, mas o Hiccup mantém-se fiel às suas convicções, e é isso que torna esta história tão universal."

 

Dean DeBlois regressa não apenas como realizador, mas como contador de histórias com alma. Disse ele, numa entrevista, que esta saga “faz parte dele” e que sentia saudades deste universo. E tal sente-se. A autenticidade com que aborda esta nova versão é comovente. Não se trata de copiar os filmes animados, mas de os reinventar, de os elevar, de os fazer ressoar com novas gerações, sem trair quem experienciou com os mesmos.

 

 

Gerard Butler está de volta como Estoico, o pai de Hiccup, e traz consigo a mesma presença poderosa, agora em carne e osso. E os novos atores que assumem os papéis principais, mesmo sem serem réplicas perfeitas das versões animadas (por exemplo, Astrid era loira), entregam performances que fazem jus à química e emoção que todos esperamos.

 

Gostei especialmente de saber que a própria autora dos livros, Cressida Cowell, vê nesta história um espelho da sua infância. A ilha de Berk nasceu da sua experiência pessoal numa ilha isolada na Escócia, onde imaginava dragões a cruzar o céu e vikings a surgir do nevoeiro. E a relação entre Hiccup, filho, e Estoico, pai, inspira-se na sua vivência com o seu próprio pai. Isto dá uma camada extra de humanidade ao filme e talvez por isso ele nos toque tanto.

 

 

A nova versão é também uma lição visual. As paisagens, o céu, o mar, os voos de cortar a respiração, tudo surge orquestrado com o equilíbrio certo entre emoção e espetáculo. A comparação dos realizadores com um sucesso recente “Top Gun: Maverick” (2022) não é para menos, nem exagerada: sentimos aquela euforia de voar em liberdade, mas agora... com dragões! Para DeBlois, imaginar novamente a sua criação animada para fazer um filme de imagem real foi um delicado exercício de equilíbrio entre o respeito pela saga e a reinvenção. "Espero que os espectadores que já adoravam estas personagens animadas as redescubram com uma profundidade maior e também surpreendente. Abordámos esta adaptação com um profundo respeito pelas suas origens, ao mesmo tempo que imaginámos o que se poderia tornar. É uma história que capta a magia do voo, a coragem de questionar o que nos foi ensinado e o assombro de descobrir algo extraordinário. Foi sempre esse o objetivo, e é isso que este filme proporciona de uma forma que o público nunca viu antes".

 

 

Se, como eu, adoraram a versão animada de “Como Treinares o Teu Dragão”, que teve filmes de enorme sucesso lançados em 2010, 2014 e 2019, vão sentir que este filme vos acolhe de volta. E se forem vê-lo pela primeira vez, preparem-se: vão sair a querer ter um dragão como melhor amigo. Porque, no fundo, esta é uma história sobre empatia, diferença, amor e coragem. E sobre a criança em nós que nunca deixou de querer voar. Recomendo sem hesitação. Preparem-se para se apaixonarem (ou se voltarem a apaixonar) por este universo, pois trata-se de um filme que vai aquecer tanto o coração dos fãs, como o daqueles que ainda não conheciam a história.

 


 

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