Já repararam que estas frondosas árvores começaram a colorir as ruas de Lisboa? E não só… Sim, as suas flores lilás estão de volta. Os jacarandás começaram a florir e, com eles, as ruas de Lisboa, Oeiras, Cascais e um pouco por todo o país vestem-se de um lilás que não passa despercebido, uma espécie de milagre visual que se repete todos os anos por esta altura e que, confesso, me enternece sempre um pouco. Há qualquer coisa de mágico naquele tom violeta suave, quase etéreo, que transforma o quotidiano urbano num autêntico postal impressionista. E estou certo de que não sou o único a sentir isso. Verdade?
Mas, afinal, que árvores são estas que pintam as nossas cidades com tal exuberância? O seu nome científico é Jacaranda mimosifolia, e são originárias da América do Sul, mais precisamente da Argentina, Bolívia e Paraguai. Chegaram a Lisboa no início do século XIX, trazidas do Brasil por ordem do Jardim Botânico da Ajuda. Conta-se que foi Felix Avelar Brotero, o pai da Botânica em Portugal, quem teve a visão de plantar estas lindezas por aqui. Primeiro, no jardim da Ajuda e, depois, animou-se e fê-lo um pouco por toda a cidade. Um gesto de génio botânico e, também, de sensibilidade estética.
Em Lisboa, os jacarandás anunciam o verão com um certo dramatismo: perdem as folhas no final de abril para dar lugar a uma explosão de flores lilases entre maio e junho. E, em anos generosos, ainda nos brindam com uma segunda floração em setembro, embora mais discreta. Nas avenidas e praças, a sua presença não passa despercebida: Parque Eduardo VII, Largo do Carmo, Avenida D. Carlos I, Avenida 24 de Julho, Restelo, Campo Pequeno e, claro, a tão falada Avenida 5 de Outubro, onde já foram protagonistas de lutas cívicas por estarem ameaçados por planos de estacionamento.
Mas nem tudo são flores, ou melhor, nem todos gostam das flores. Há quem se queixe do cheiro, do líquido pegajoso, da sujidade nos carros e até das alergias. O que para muitos é um espetáculo visual encantador, para outros pode resultar num incómodo com perfume agridoce. Ainda assim, é inegável que estas árvores se tornaram parte da identidade visual de Lisboa. E não apenas cá: Pretória, na África do Sul, é conhecida como a “capital mundial dos jacarandás”, onde se acredita que uma flor que caia na cabeça de um estudante durante a época dos exames traz boa sorte. Em Buenos Aires, Argentina, dizem até que os jacarandás murmuram tangos. E por cá, a sua fama é tal que Eugénio de Andrade eternizou-os em poesia, descrevendo-os como um paraíso à entrada dos seus sonhos:
“Não sei doutra glória, doutro paraíso: à sua entrada os jacarandás estão em flor, um de cada lado./ E um sorriso, tranquila morada, à minha espera./ O espaço a toda a roda multiplica os seus espelhos, abre varandas para o mar./ É como nos sonhos mais pueris: posso voar quase rente às nuvens altas – irmão dos pássaros –, perder-me no ar.”
É curioso pensar que estas árvores, exóticas e tropicais, se adaptaram tão bem ao clima lisboeta e às suas gentes. Talvez seja essa a razão por que nos tocam tanto: são uma metáfora viva da beleza inesperada, da adaptação, da persistência e da delicadeza. E todos os anos, sem falhar, lá estão elas, para nos lembrar que, por entre a azáfama da cidade, ainda há espaço para a contemplação.
Eu, pelo menos, dou por mim a olhar para cima e a sorrir com os olhos. Que sorte viver num lugar onde o céu, por algumas semanas, parece florescer nas árvores... Deixo-vos com uma imagem tirada ontem (13 de junho) por mim, numa singela rua de Paço de Arcos.