Há datas que se inscrevem na História com traço firme. 7 de Junho de 1494 é uma delas. Nesse dia, na vila castelhana de Tordesilhas, foi assinado um tratado que mudaria para sempre a geopolítica global. Um acordo traçado a tinta e pena, mas com o peso de um império. Portugal, pela mão de D. João II, dividiu o mundo com Castela e tornou-se, literalmente, dono de metade do planeta. Hoje, 531 anos depois, debruço-me sobre este capítulo da História de Portugal, um dos que mais me fascinou desde sempre.
Enquanto outros rezavam, nós navegávamos. Enquanto hesitavam, nós descobríamos. Portugal era então mais do que um reino: era uma visão, um impulso, uma força em expansão. Com o Atlântico aos pés e a Índia no horizonte, D. João II soube jogar bem o tabuleiro de xadrez da diplomacia com estratégia, frieza e... informação.
O Tratado de Tordesilhas surge num contexto de rivalidade crescente entre as duas Coroas ibéricas, após o regresso de Cristóvão Colombo da sua primeira viagem ao “Novo Mundo”, em 1493. João II não hesitou: reclamou as terras descobertas, argumentando que estavam a sul das Canárias e, portanto, do lado português segundo o Tratado de Alcáçovas (1479). Mas os Reis Católicos reagiram rapidamente. Com o apoio do Papa Alexandre VI, foram emitidas quatro bulas papais que davam a Castela um domínio alargado sobre as novas terras. Portugal estava encurralado.
Ou talvez não. Porque D. João II era muito mais do que um rei. Era, como tantos lhe chamaram, o “Príncipe Perfeito” e sabia muito mais do que dizia. Tinha acesso a uma rede de informação secreta, os seus "lançados", que lhe terão revelado a existência de terras para lá do Atlântico Sul, aquilo que mais tarde viria a ser o Brasil. E foi por isso que se mostrou intransigente: exigiu que a linha de demarcação fosse deslocada das 100 para as 370 léguas a oeste de Cabo Verde. Um posicionamento cirúrgico. Um golpe de mestre!
Com essa manobra, Portugal garantiu não só o monopólio da rota do Cabo rumo à Índia, como assegurou a posse daquilo que viria a ser o maior território lusófono do mundo. Castela ficou com o lado errado da linha. Nós ficámos com o Brasil, a Amazónia, a costa africana, Goa... e com o futuro.
Há quem diga que o Tratado foi assinado nas Casas do Tratado, construídas na margem direita do rio Douro, junto à igreja de San Antolín. Outros defendem que foi no desaparecido palácio real de Tordesilhas, onde os Reis Católicos estavam alojados. Mas, mais do que o local, importa o simbolismo: ali, num acordo entre dois impérios, escreveu-se uma das páginas mais audazes da História mundial.
Hoje, quando nos dizem que Portugal é pequeno, apetece-me responder com um sorriso. Porque já fomos grandes. Imensos. Porque fomos donos de metade do planeta, num tempo em que o mundo ainda não se sabia mundo. E porque continuamos a sê-lo, na memória, na língua e na cultura espalhada pelos cinco continentes.
É por isto e por muitas outras coisas, que tenho orgulho em ser português. Este meu post acaba por ser uma homenagem ao génio diplomático de D. João II e ao espírito visionário de um país que ousou dividir o mundo.