Durante anos, e como fã de super-heróis que sou, assisti com uma espécie de esperança teimosa a todas as tentativas (não muito bem conseguidas, diga-se de passagem) de adaptar o Quarteto Fantástico ao grande ecrã. Sempre gostei da ideia de uma família de super-heróis que não precisavam de capas ou egos insuflados para serem relevantes, apenas de laços genuínos, afectos reais e conflitos humanos. Mas Hollywood parecia insistir em reduzi-los a caricaturas planas. Até agora.
Com “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos”, tive, finalmente, a sensação de estar a ver um filme com alma. A primeira família da Marvel chega ao MCU (Universo Cinematográfico da Marvel) não como mais uma engrenagem no multiverso, mas como uma unidade emocional coesa, com dilemas e virtudes que ressoam para lá dos efeitos visuais. Este não é apenas um filme de super-heróis. É um filme sobre família e isso faz toda a diferença. E depois do recente “Superman”, da DC, é uma realidade: os super-heróis estão a ser retratados com mais humanidade.
Realizado por Matt Shakman, a mente por trás de “WandaVision” (a série da Marvel para streaming), o filme tem um tom emocionalmente inteligente, esteticamente distinto e narrativamente bem estruturado. Há ecos da estética retro-futurista de Jack Kirby e Stan Lee, mas também uma abordagem moderna e intimista, muito própria, onde os silêncios e os olhares contam tanto como as explosões.
Sim, um dos aspetos que mais me fascinou foi o ambiente retro-futurista que permeia todo o filme. Há uma estética muito marcada dos anos 50 e 60, dos cortes de cabelo e penteados aos trajes científicos, dos carros às decorações, como se o tempo tivesse congelado numa era de otimismo tecnológico, mas com acesso a uma ciência muito avançada que transcende tudo o que conhecemos. É como assistir a um episódio dos The Jetsons reimaginado por Kubrick, onde o passado sonha com o futuro, mas sem perder a ingenuidade do olhar original. Esta escolha não é apenas visual; ela confere identidade ao filme e torna o mundo do Quarteto Fantástico distintamente seu: familiar e nostálgico, mas também ousadamente visionário.
O elenco, então, é de luxo e funciona maravilhosamente bem como conjunto. Pedro Pascal é Reed Richards, a mente brilhante com o coração dividido. Vanessa Kirby é uma Sue Storm com uma profundidade raramente vista em personagens femininas do género: complexa, determinada, vulnerável e poderosa. Joseph Quinn traz humor e carisma a Johnny Storm, e Ebon Moss-Bachrach emociona como o Ben Grimm mais humano de todos até agora.
E se a ideia de “fatiga de super-heróis” paira sobre algumas estreias, confesso: não me identifico. Nunca me cansei de boas histórias bem contadas. O problema, quase sempre, não são os superpoderes, é a falta de substância. Mas este “Primeiros Passos” tem essa substância. A banda sonora de Michael Giacchino faz arrepiar, a direção de arte é sublime e há espaço para emoção, sacrifício, dilemas éticos e... família, acima de tudo.
Gostei especialmente da forma como o filme explora a individualidade dentro do coletivo. Cada um dos quatro enfrenta os seus próprios fantasmas, e os poderes são quase secundários perante as decisões que têm de tomar. O tema da maternidade, por exemplo, é central para Sue. E há momentos, como o que envolve o pequeno Franklin Richards, que tocam fundo, porque nos recordam que o verdadeiro heroísmo, muitas vezes, passa pelo que estamos dispostos a perder por amor.
Claro que o CGI não é sempre perfeito (os efeitos do Reed continuam a ter aquele “quê” de estranho), mas, francamente, não me incomodou. O foco está nas personagens, não nas luzes ou explosões. Galactus, interpretado por Ralph Ineson, é uma presença imponente e fria, e Julia Garner surpreende como uma Surfista Prateada mais etérea do que cósmica, embora algo subaproveitada, admito.
Há um lado quase simbólico em ver esta família finalmente tratada com o respeito que merece. Durante décadas, o Quarteto Fantástico foi uma promessa por cumprir. Agora, com “Primeiros Passos”, essa promessa começa a materializar-se. É um filme com alma, com textura, com emoção. E, numa altura em que a Marvel parece procurar reencontrar o seu caminho, esta aposta mais contida, mais sensível e mais humana pode muito bem ser o novo rumo que o estúdio precisava. A crítica gostou, o público está a reagir com entusiasmo, e talvez o mais importante, os fãs, como eu, sentem-se finalmente representados.
Se é o melhor filme do MCU? Provavelmente, não. Mas é, sem dúvida, a melhor adaptação do Quarteto até à data. E isso, depois de tantos tropeços, já é uma enorme vitória.