Gosto quando o cinema nos convida a parar, a abrir espaço para escutar, lembrar e imaginar. “O Lugar dos Sonhos”, realizado (e escrito) por Diogo Morgado, faz exatamente isso: pega num videoclube a cair de velho, num avô e num neto que mal se conhecem, e transforma um verão numa ponte entre gerações. Estreou hoje, 28 de agosto, nas salas portuguesas.
A história acompanha o João, um miúdo de 10 anos muito vidrado em videojogos e redes sociais, que é “desligado” pela mãe, Sofia (Áurea, em estreia no cinema) e levado até à vila onde vive o avô Júlio (Carlos Areia), ex-projecionista de filmes que resiste a vender o seu videoclube, precisamente chamado O Lugar dos Sonhos. O encontro começa algo forçado, mas rapidamente vira rito de passagem: entre fitas, memórias e conversas, o cinema torna-se linguagem comum para dizer o que, às vezes, as famílias não sabem dizer.
O filme mistura referências que reconhecemos, de “Serenata à Chuva” e “Matrix” a “Regresso ao Futuro”, “Parque Jurássico”, “O Feiticeiro de Oz” ou “Guerra das Estrelas”, e convoca diferentes “dialetos” da sétima arte: do mudo à animação, passando pelos efeitos contemporâneos. Sem dúvida, é uma verdadeira carta de amor assumida ao gesto de ver filmes em conjunto e de os usar como mapa para crescer. Sendo pai, Morgado diz querer aproximar os mundos dos miúdos do “scroll infinito” e dos avós que guardam histórias no corpo e na lembrança. A intenção sente-se, fazendo-nos rir ou ficar profundamente emocionados.
Não é difícil perceber que “O Lugar dos Sonhos” nasce da influência que “Cinema Paraíso”, de Giuseppe Tornatore, deixou na formação de Diogo Morgado. Mais do que uma piscadela de olho a este “clássico”, é um agradecimento explícito a um filme que o marcou ainda em criança e que lhe ensinou a fazer perguntas, ao cinema e à vida.
Antes de “O Lugar dos Sonhos”, Diogo Morgado já tinha passado pela realização no cinema: estreou-se nas longas metragens com a comédia “Malapata” (2017), aventurou-se na ficção científica em “Solum” (2019), assinou o telefilme “Interface” (2020) e voltou ao grande ecrã com o thriller/drama “Irregular” (2021).
Filmado entre Lisboa e Cabeço de Vide (Alentejo), o filme alterna ambientes urbanos e paisagens rurais com uma fotografia cuidada, sempre ao serviço das personagens. Para além do trio central, vemos ainda Gonçalo Menino (o filho/neto João), Maria Viralhada, Carmen Santos, Guilherme Filipe, Ricardo de Sá, Pedro Lacerda, José Pompeu e Mário Oliveira. É bom ver gerações do talento português a cruzarem-se num projeto que quer, declaradamente, falar “para todos”.
“O Lugar dos Sonhos” propõe-se a ser um filme de reconciliação, acessível, que tenta reencantar o acto de ir ao cinema numa altura em que a sala escura luta para recuperar público. Entre perfeições e imperfeições, a ambição de criar pontos de contacto intergeracionais está lá e, para mim, isso vale a ida.
Gosto particularmente do subtexto: legado, perdão, escuta. Aquela ideia bonita de que as histórias que nos fizeram crescer, mesmo as que achamos “menores” ou esquecidas, continuam a abrir portas novas no presente. E que um videoclube semi-arruinado pode ser, afinal, um lugar de começo.
Se, como eu, cresceste a rebobinar cassetes VHS e hoje vives entre plataformas streaming, provavelmente vais reconhecer muito deste “choque de mundos”. Por isso, vão ver este lindo filme português com os vossos, conversem à saída, comparem memórias e referências. É assim que o cinema continua vivo: na sala, em conjunto, e na conversa que se partilha. Porque aqui, o cinema volta a juntar avôs, netos e memórias. A gentil convite do próprio Diogo, eu fui à antestreia ver a minha sessão. E vocês, quando vão sonhar?