Desligarmo-nos do telemóvel exige coragem, verdade? As férias deveriam ser sinónimo de descanso, mas, infelizmente, nem sempre é assim. Talvez porque, em Portugal, ainda são um privilégio para muitos. De acordo com dados do INE, cerca de 31% dos portugueses não conseguem pagar uma semana de férias fora de casa por ano (dados de 2024). E mesmo para quem consegue, a verdade é que estas acabam, muitas vezes, por se tornar uma corrida contra o tempo para “recarregar baterias” antes do regresso ao trabalho.
Confesso que também já senti isso. Aquele paradoxo estranho: finalmente tenho uns dias livres e, em vez de relaxar, sinto-me ansioso. Às vezes, até me custa desligar do telemóvel, das notificações, dos e-mails... Parece que o mundo vai desmoronar se eu não responder de imediato. E a realidade de muitos portugueses não ajuda. Conheço histórias que podiam ser as minhas ou as vossas: a Rita, que trabalha numa loja no centro de Lisboa e, nos dias “livres”, está sempre de sobreaviso para substituir colegas; o Pedro, dono de um pequeno alojamento local em Cascais, que passa as férias a correr atrás de check-ins e check-outs ou a Carla, empregada num restaurante de praia no Algarve, que diz detestar os dias de folga porque só consegue pensar no caos que a espera no regresso.
Sei bem o que eles sentem. E talvez por isso me tenha identificado tanto com as palavras do filósofo Juan Evaristo Valls, que diz que “as férias têm a ver com vacar, deixar um espaço vazio, estar incomunicável… e isso exige muita força”. O tal vazio que já não sabemos suportar...
Parece-me que já não sabemos estar parados. O tempo lento do verão, aquele em que podíamos perder horas a contemplar o mar, a ler sem pressa ou a fazer sestas intermináveis, está a desaparecer. Em parte, porque as condições de vida e de trabalho se tornaram mais exigentes, por outro lado, parte porque o próprio sistema em que vivemos nos habituou a procurar sempre estímulos.
E quando finalmente paramos, sentimos… desconforto. A terapeuta Itziar Torres explica que “o corpo não funciona assim: não lhe dizemos relaxa e ele relaxa”. É quase como se tivéssemos desaprendido a descansar. Muitas pessoas sentem ansiedade nos primeiros dias de férias: desligar do modo “produtivo” é mais difícil do que parece.
As armadilhas do “weisure”
Outra armadilha dos tempos modernos é o chamado weisure, a fusão entre trabalho (work) e lazer (leisure - percebem melhor agora o nome do meu blog?). Quem nunca levou o portátil “só para despachar umas coisas” nas férias? Ou quem não aproveitou para atualizar as redes sociais com fotos bonitas de forma quase estratégica, como se estivéssemos a “alimentar a nossa marca pessoal”?
O problema é que esta pressão subtil nos impede de descansar. Até as experiências de férias se transformam em check lists: “visitar o monumento X”, “experimentar o restaurante Y”, “tirar a foto Z para o Instagram”. No fim, acabamos por regressar exaustos, com a sensação de que o tempo voou.
O descanso é (quase) um acto de resistência
Hoje, percebo que descansar não é apenas parar. É, de certa forma, um acto de resistência. Exige decisão e disciplina: desligar o telemóvel, não responder a mensagens, dizer que “não” a mais trabalho. E, sim, também é um privilégio. Em Portugal, muitos não podem simplesmente desligar-se. Entre rendas elevadas, salários curtos e a instabilidade de tantos empregos, o descanso ainda é um "luxo".
Mas talvez possamos começar por pequenas coisas: deixar espaços no dia para não fazer nada, aceitar o tédio, andar sem rumo (literalmente), resistir à tentação de estar sempre “ligado”. Como diz Valls, “a incapacidade de parar tem a ver com a incapacidade de pensar e vice-versa”.
Este verão, mais do que “recarregar baterias”, quero experimentar algo diferente: ficar realmente vazio, no melhor sentido. E quem sabe, assim, descobrir o que é descansar de verdade. Vamos todos procurar fazer o mesmo? Vamos tentar aplicar isto na nossa vida. Ainda não é fácil. Lutamos contra aquela voz que nos diz que precisamos ser “produtivos”, que estamos a desperdiçar o tempo. Mas eu quero mudar. Porque o descanso não é um luxo supérfluo: é essencial. É o espaço onde podemos voltar a ser nós próprios, sem prazos, sem notificações, sem pressão. E vocês, conseguem mesmo desligar quando estão de férias?