Como leitor que cresceu com Astérix, Obélix e o fiel Ideiafix, ver os nossos irredutíveis gauleses atravessarem finalmente o extremo sudoeste do Império romano em direção à nossa Lusitânia, é daquelas notícias que me enchem o peito. Portugal entra no mapa oficial das aventuras desta dupla, e logo com todos os sinais de identidade: a calçada portuguesa, o bacalhau e, acima de tudo, a generosidade do nosso povo.
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Fabcaro |
Um álbum soalheiro… e muito nosso
O argumentista Fabcaro (Fabrice Caro) quis um destino onde os heróis nunca tinham estado, tarefa cada vez mais difícil, dado o número de viagens já feitas, e desejava um álbum luminoso, de férias, com espírito mediterrânico. A escolha caiu naturalmente em Lusitânia (hoje, Portugal). Ele próprio o diz: veio várias vezes de férias e adora o país; a simpatia das pessoas conquistou-o.
Por se tratar de um lugar real (e tão próximo), os autores não quiseram perder a oportunidade de trabalhar sobre o terreno. Durante a preparação do livro, o editor e Fabcaro vieram a Portugal: ver sítios, sentir o ambiente, provar especialidades, tirar notas e fotografias. Essa curiosidade é meio caminho andado para um álbum que respeita e celebra a cultura que visita.
A capa provisória (uma homenagem aos nossos calceteiros)
O desenhador Didier Conrad recebeu um verdadeiro dossier fotográfico, cortesia de Fabcaro, e completou-o com pesquisa online. Fascinado pelos nossos padrões, decidiu que a calçada portuguesa teria lugar de destaque na capa provisória: uma homenagem ao trabalho paciente e artístico de quem talha e assenta cada cubo de pedra preto e branco. E, como motivo central, um peixe emblemático: o nosso querido bacalhau. Confesso que sorri só de imaginar os mosaicos a ondular sob as sandálias romanas e os passos apressados de Obélix.
O argumento (sem estragar a surpresa)
Aqui, a regra do segredo absoluto mantém-se. O que se pode revelar é pouco e saboroso: um velho escravo lusitano, que encontramos em “A Residência dos Deuses”, vai pedir ajuda a Astérix e companhia. Quanto ao resto, fico, como os bons leitores, a aguardar, divertido pelo momento em que os gauleses irão derrapar (literalmente) na calçada.
Anunciar com humor
Desde os anos 60, os criadores de Astérix têm um talento especial para anunciar novas aventuras com humor e mistério. Goscinny e Uderzo brincavam com “televisões” imaginárias, entrevistas fingidas e conferências deliciosas. Agora, Fabcaro e Conrad pegam nessa herança e atualizam-na: um vídeo online, entrevista fora de campo, um herói que resiste, outro prestes a contar mais do que devia… O suficiente para aguçar a curiosidade sem revelar o miolo. É uma arte e Astérix é mestre.
Lusitânia: de Viriato a Júlio César
Eis um enquadramento necessário. Como recorda Manuel Neves, doutor em Antropologia Social e Histórica, as primeiras referências aos lusitanos colocam-nos na zona montanhosa da Estrela e arredores, comunidades pré-celtas com castros fortificados. Nas altitudes, o gado e a recoleção; nas planícies, uma agricultura mais rica.
Com a conquista romana nasce a província da Lusitânia, crucial para o Império pelos recursos minerais, sobretudo o ouro. A produção de estanho na faixa costeira abriu rotas marítimas com o Mediterrâneo. Em menos de um século, a romanização tornou o território indispensável para Roma.
E os paralelos com a Gália existem: o inimigo comum (Roma), e chefes carismáticos que entram nos livros: Viriato entre os lusitanos, Vercingetórix entre os gauleses. Não por acaso, Júlio César combateu os lusitanos por volta de 60 a.C. e, dez anos depois, pôs fim à resistência gaulesa. História que promete ecoar na banda desenhada.
O que podemos encontrar nas páginas
Como bom português que sou, imagino, e desejo, ver monumentos reconhecíveis, sabores que nos definem, a energia aberta e hospitaleira das pessoas. Quero apanhar trocadilhos deliciosos com a nossa gastronomia, ruas de calçada cheias de gags físicos, e aquele olhar bem-humorado, mas informado, sobre quem somos. Acima de tudo, espero uma aventura cheia de sola, que nos faça rir e, discretamente, nos espelhe. Porque é este o génio de Astérix: viajar, satirizar e, no fim, brindar connosco.
Marquem na vossa agenda: 23 de outubro de 2025 chega às livrarias o novo álbum de Astérix passado na Lusitânia, o 41º livro da coleção. Fico, como vocês, irredutivelmente ansioso...