Eis um adeus tenso, não de todo perfeito, mas com coração. Doze anos e oito filmes depois, (com spin-offs incluídos) a saga que pôs meio mundo a espreitar por cima do ombro chega ao capítulo final. Fui ver "The Conjuring 4: Extrema-Unção", em modo de antestreia, com uma expectativa clara: queria um desfecho à altura de Ed e Lorraine Warren. Não é um filme perfeito, sente-se a falta do pulso de James Wan na construção da tensão, mas há aqui um fecho digno, emotivo e assumidamente esperançoso e isso, para mim, faz toda a diferença.
O que continua a funcionar
Se houver uma razão para esta franquia ter marcado o terror moderno, é a forma como coloca o amor no centro do medo. Patrick Wilson e Vera Farmiga mantêm intacta a química que carregou a série desde o primeiro minuto. A relação entre Ed e Lorraine não é ornamento; é o motor emocional que sustenta cada decisão, cada risco, cada oração sussurrada no escuro. Neste “Extrema-Unção”, esse foco é ainda mais evidente: a família é o escudo, a fé é o método, e o terror é o teste.
Michael Chaves, que já tinha assinado a entrada anterior, não atinge o virtuosismo de Wan na gestão do suspense (aquela lenta torção de parafuso que nos tira o ar), mas entrega momentos visualmente criativos. Há uma sequência de espelhos com Judy que se destaca pela encenação e pelo uso do espaço. No geral, a casa assombrada volta a ser mapeada como um labirinto emocional e físico, e os derradeiros 30 minutos ganham densidade e desespero suficientes para nos segurar ao banco.
Onde o filme hesita
Nem tudo resulta. A promessa recorrente de que “desta vez, Ed pode não aguentar” perde força pela repetição. A balança desequilibra-se por vezes para o drama doméstico em detrimento do caso em si, e há sustos que dissipam a tensão depressa demais. Senti falta daquela respiração suspensa que os dois primeiros filmes teciam com crueldade precisa. Ainda assim, quando “Extrema-Unção” acerta, acerta mesmo e nessa altura lembramo-nos do porquê de termos ficado por aqui até ao fim.
O caso final (aviso de spoilers leves)
No coração da narrativa está um espelho antigo que catalisa uma nova manifestação demoníaca no lar dos Smurl. O argumento liga esse objeto à história dos próprios Warren: Lorraine tivera contacto prévio com o artefacto, num episódio que deixou marcas na família e uma espécie de herança espiritual na filha, Judy. O que devia ser tempo de celebração, com o casamento à vista, transforma-se num cerco psicológico quando a entidade a escolhe como alvo. É aqui que o filme faz a sua melhor síntese do ADN da saga: o mal ataca pelos elos mais frágeis, e só a união tem hipótese de o quebrar.
As primeiras tentativas de Ed para “limpar” a casa são falhadas, e percebe-se que não há rito possível sem enfrentamento íntimo. O ponto de viragem surge quando Judy, Ed e Lorraine deixam de combater isoladamente e encaram, juntos, o espelho e o que ele reflete: medos antigos, culpas herdadas e a tentação de ceder.
Na vida real
Tal como os capítulos anteriores, “Extrema-Unção” também reclama raízes no real: o argumento bebe dos registos de caso de Ed e Lorraine Warren, com ecos dos relatos da família Smurl e do tal espelho associado a fenómenos, ainda que trabalhados com alguma liberdade dramática. Importa lembrar que estes dossiers sempre foram alvo de cepticismo, mas o filme sublinha precisamente a atitude do casal fora do ecrã: contra críticas de pares, imprensa e até algumas autoridades religiosas, os Warren nunca deixaram de acreditar na existência do mal sobrenatural e de o combater. Essa convicção levou-os a entrar em casas desconhecidas, recolher testemunhos, documentar ocorrências e, quando necessário, enfrentar aquilo que consideravam ser entidades reais com os ritos que conheciam. Concorde-se ou não com a sua visão, fica o legado: uma vida a transformar medo em propósito.
Clímax e significado
O clímax não vive tanto do choque, mas da resolução emocional. Quando aquele espelho se parte, a imagem é clara: não é só um objeto a ceder, é um ciclo de dor a ser interrompido. É a família Smurl a recuperar a sua casa e, por extensão, os Warren a recuperarem o seu centro.
Depois da tempestade, o filme abraça um tom mais leve e deixa espaço para a esperança. Judy segue com o casamento a Tony Spera e Ed entrega-lhe as chaves da famosa sala de artefactos. Mais do que fan service, é uma passagem simbólica de missão que sugere continuidade possível para este universo, mesmo que os Warren se despeçam do palco principal. Há ainda uma visão que Lorraine partilha com Ed, com os dois a envelhecer juntos, rodeados de filhos e netos, que funciona como bênção final e comentário sobre o que a franquia sempre quis dizer: o amor resiste.
O meu veredito
“The Conjuring 4: Extrema-Unção” não tenta reinventar a roda. Assume-se como encerramento: reverente ao legado, mais humano do que explosivo, e preocupado em responder aos afectos que a saga cultivou. Senti falta de uma tensão mais aguçada e de um “set piece” memorável ao nível do primeiro e segundo filmes, mas saí com a sensação de missão cumprida. A despedida podia ter sido maior? Talvez. Foi respeitosa e fiel àquilo que nos fez ficar? Para mim, sim!
Se, como eu, acompanhaste os Warren ao longo destes anos, vais encontrar aqui um adeus caloroso, com tropeções pelo caminho, é verdade, mas sincero naquilo que afirma: por mais barulho que o mal faça, a última palavra continua a ser dita pela coragem, pela fé e pelos laços que escolhemos fortalecer. E esse eco, felizmente, ainda se ouve quando as luzes da sala se acendem.
Com a minha amiga Kikas Valle-Flôr na antestreia |