Há histórias que nos lembram, de forma quase poética, que a genialidade por vezes nasce de um gesto simples. Esta que vos vou contar, de Yuko Shimizu, a criadora de Hello Kitty, é uma delas. E confesso: tocou-me profundamente pelo simbolismo, pela persistência e pelo impacto invisível das pequenas ideias que teimam em não desaparecer.

 


A genialidade que nasceu de um desenho silencioso


Yuko Shimizu era uma jovem designer japonesa, nascida a 1 de Novembro de 1946, que trabalhava na Sanrio, uma pequena empresa especializada em produtos de papelaria e presentes, então ainda em fase de expansão. Durante as suas pausas para almoço, começou a desenhar uma gatinha sem boca, com um laço vermelho e um semblante sereno. Um desenho minimalista, quase infantil, nascido de um momento de quietude no meio da rotina.


O que Yuko não imaginava é que, apesar do carinho que colocava naquele pequeno esboço, a reacção inicial seria tudo menos encorajadora. Quando apresentou o projecto, os executivos da Sanrio não viram potencial. Disseram-lhe que era “simples demais”, que não tinha expressão, que resultava “básico demais” para gerar qualquer interesse comercial. A sua nova personagem foi rejeitada várias vezes. Em algumas narrativas, mencionam exactamente 47 vezes. Quarenta e sete, leram bem. E esta persistência é uma das faces mais belas da história.


E se a persistência era grande, a visão era maior. A maioria teria desistido muito antes, mas Yuko não. Continuou a acreditar na sua criação, no valor da simplicidade, na força silenciosa daquela gatinha. E foi essa fé tranquila que mudou tudo.



De ‘simples demais’ a fenómeno mundial


Em 1974, a Sanrio acabou por ceder. Lançaram Hello Kitty num pequeno porta-moedas transparente, quase como um teste tímido. O resultado? Esgotou imediatamente. Aquele lançamento experimental tornou-se o ponto de viragem. O que começou como um simples acessório transformou-se, pouco a pouco, num fenómeno cultural que conquistou o mundo. Hello Kitty evoluiu para brinquedos, roupas, linhas de beleza, colaborações de moda, aviões, restaurantes temáticos e até parques de diversões.


Atualmente, Hello Kitty é o ícone central de um império avaliado em mais de 80 mil milhões de dólares, ultrapassando franchises como Pokémon ou Star Wars em valor acumulado. Aparece em mais de 50 000 produtos distribuídos em mais de 130 países. O segredo, dizem alguns investigadores e especialistas, está na estética “kawaii” (ternura) e precisamente na escolha de Yuko: a personagem não tem boca. Porque assim, segundo a Sanrio, ela “fala pelo coração” e pode alargar-se a todas as culturas e idades, tornando-se universal. Essa ausência permite a cada pessoa projetar-lhe emoções próprias: “feliz”, “triste”, “sereno”, e isso cria uma ligação íntima com a personagem. E tendo Hello Kitty celebrado os seus 50 anos em novembro de 2024, vemos que não se trata apenas de nostalgia ou de merchandising. Trata-se de uma lição profunda sobre branding, design, persistência e cultura global.


E tudo isto a partir de um desenho que alguns executivos consideraram “simples demais”. O segredo, denotam, está na sua simplicidade intemporal: um design tão universal que transcende idade, idioma e cultura. Uma personagem que pode ser de todos e para todos.

 


 O valor das pequenas ideias: o legado de Yuko Shimizu

Yuko Shimizu reformou-se nos anos 80, mas o seu legado vive em cada produto, cada parceria, cada sorriso provocado por Hello Kitty. E vive, acima de tudo, na mensagem poderosa que deixa ao mundo: a rejeição não é o fim. É apenas o filtro que nos obriga a persistir e que separa quem sonha de quem constrói.


No fundo, a história de Hello Kitty lembra-nos que aquilo que hoje possa parecer “pequeno demais” pode, amanhã, tornar-se absolutamente inesquecível. Basta acreditar. Tal como Yuko acreditou.


E agora, quando celebra um pouco mais de meio século de existência, Hello Kitty continua a provar ao mundo o poder subtil, mas profundamente transformador, da ternura. No fundo, lembra-nos que as ideias mais simples podem atravessar gerações, unir culturas e inspirar vidas. Que esta história seja um lembrete de que nunca é tarde para acreditar no que criamos, nem para dar voz ao que nasce do nosso âmago. Porque, às vezes, basta um pequeno gesto para impactar o mundo inteiro.

 


 

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