O ano de 2025 marca mais uma volta de reciclagem criativa para Madonna. Longe de entregar apenas nostalgia, a “Rainha da Pop” oferece-nos releituras conceituais, arquivos redescobertos e uma nova perspetiva sobre fases decisivas da sua carreira. Três lançamentos: “Veronica Electronica”, “Confessions on a Dance Floor (Twenty Years Edition)” e, mais recentemente, “Bedtime Stories: The Untold Chapter”, reavivaram o ano com elegância e consistência, convidando fãs novos e antigos, como eu, a revisitar (ou descobrir) camadas menos exploradas da discografia da artista.
Veronica Electronica — o nascimento tardio de um alter ego
“Veronica Electronica” nasceu no fim dos anos 90, como um projeto complementar ao álbum “Ray of Light” (1998), mas foi engavetado na altura. Em 2025, esse mistério finalmente vê a luz do dia. O álbum de remixes, lançado a 25 de julho, reúne versões raras e inéditas de faixas da era “Ray of Light*”, feitas por produtores como William Orbit, Peter Rauhofer, Sasha, BT e Victor Calderone, e inclui também a versão oficial de “Gone Gone Gone”, uma demo esquecida de 1997.
Para quem, como eu, viveu a explosão espiritual e eletrónica de “Ray of Light”, este álbum é quase um documento arqueológico da alquimia sonora de Madonna: beats eletrónicos, ambiências dream-pop / trip-hop, e uma voz distante, etérea, a emergir de um espaço sonoro de transição e reinvenção. “Veronica Electronica” não é um mero exercício de nostalgia, mas uma reinterpretação madura de uma era fundamental.
Confessions on a Dance Floor — duas décadas depois, a pista continua viva
Em 2025, celebra-se o 20.º aniversário de “Confessions on a Dance Floor”, um dos discos mais emblemáticos de Madonna e da pop/dance contemporânea. A edição comemorativa, “Twenty Years Edition”, relembra por que motivo este álbum se tornou um marco: um convite irresistível à pista de dança, com batidas pulsantes, energia contagiante e uma renovada vitalidade pop.
Para os fãs (como eu) que dançaram com “Hung Up”, “Sorry” ou “Jump”, esta edição funciona como cápsula do tempo e, ao mesmo tempo, como prova de que a música de Madonna continua a ressoar no presente. Mais do que reviver, é reafirmar: Madonna não é apenas legado, é atualidade.
Bedtime Stories: The Untold Chapter — segredos revelados e intimidade restaurada
Talvez a mais surpreendente das novidades de 2025 seja o EP “Bedtime Stories: The Untold Chapter”, lançado em 28 de novembro para assinalar os 30 anos de “Bedtime Stories” (1994). Mas este não é um simples relançamento: trata-se de “um novo capítulo”, com demos inéditas, versões alternativas e raridades que documentam o processo criativo da época, muitas delas arquivadas pela gravadora até agora.
Produzido com o contributo de Stuart Price, já associado ao trabalho dance de Madonna em “Confessions”, este EP oferece uma visão mais íntima, quase crua, de uma fase em que Madonna se afastava da polémica de “Erotica” para mergulhar numa sonoridade mais suave, R&B-influenciada, mas ainda carregada de estilo e emoção. A arte da capa recupera fotografias inéditas de 1994, reforçando a ideia de redescoberta e celebração de um passado que parecia esquecido.
Para os que sempre defenderam “Bedtime Stories” como um dos discos mais subestimados da artista, “The Untold Chapter” é um presente e um convite a revisitar essa Madonna sensível, vulnerável, criativa.
Por que 2025 é um ano especial na discografia de Madonna
2025 não foi apenas um ano de relançamentos; foi também um ano de pistas, sinais e promessas. A recuperação de três capítulos fundamentais da carreira de Madonna coincidiu com uma energia criativa renovada e com o anúncio, ainda nas entrelinhas, de um novo ciclo no horizonte.
Há mais de um ano que Madonna está em estúdio com Stuart Price, o arquitecto sonoro de “Confessions on a Dance Floor” e um dos produtores que melhor compreende o ADN rítmico e melódico da cantora. A parceria, confirmada por ambos ao longo de 2024 e 2025, deu origem à notícia que incendiou a fandom: Madonna prepara para 2026 um álbum novo, descrito informalmente como uma “espécie de Confessions on a Dance Floor – Part II”.
Não se trata de regressar ao passado, Madonna nunca funcionou assim, mas de revisitar a pista de dança com novas ferramentas, novas histórias e um novo corpo emocional. É a celebração da luz, do trabalho, do hedonismo e da reinvenção permanente, aquilo que sempre fez parte da sua linguagem artística.
Por isso 2025 tem sido tão simbólico: enquanto celebramos as eras que moldaram a música pop, pressentimos também o renascimento de uma Madonna futurista, energética, novamente pronta para incendiar pistas e redefinir géneros. O passado foi polido, restaurado e devolvido, mas o futuro já está a vibrar no subsolo das novas sessões de estúdio.
Para mim, enquanto fã confesso, 2025 revelou-se um ano de redescobertas apaixonantes. “Veronica Electronica” trouxe de volta a magia eletrónica dos anos 90 com nova urgência. A edição de “Confessions on a Dance Floor” provou que a pista de dança ainda pulsa. E “The Untold Chapter” devolveu a intimidade, o mistério e a criatividade de uma Madonna corajosa, a mesma que transformou baladas em hinos e dance-floors em santuários pop. E embora qualquer novo lançamento da Madonna seja sempre motivo de entusiasmo, é impossível não sentir que estamos a viver um momento de inflexão: um ano que honra os alicerces e prepara a explosão criativa que aí vem.
Madonna e a pista de dança: como a Rainha da Pop moldou o futuro da música eletrónica
E tudo isto leva-me também a esta reflexão. Há artistas que seguem tendências, outros que as reinterpretam, e depois há Madonna, que as dobra, torce e transforma em algo absolutamente seu. Quem me lê aqui no Liberio's Leisures sabe que sempre fui fã, desde adolescente, do seu universo mutável, eletrificado e, tantas vezes, provocador. Por isso, quando me deparei com o artigo da Billboard sobre as sete formas como Madonna mudou a música dance, senti que era o momento perfeito para refletir sobre o impacto colossal que ela teve (e continua a ter) na cultura de pista de dança e, claro, partilhar convosco.
Porque sim, falamos da artista pop mais influente de sempre… mas também de uma das arquitetas invisíveis da música eletrónica tal como a conhecemos hoje.
A reinvenção que nos puxou para a pista
Ao longo dos anos, Madonna fez muito mais do que lançar êxitos: redefiniu a estética e o som da pop, incorporando elementos de house, techno, disco revivalista, trance e até influências orientais, místicas e espirituais.
Quando "Ray of Light" (1998) explodiu, lembro-me perfeitamente da sensação de ouvir algo novo. Não era só pop. Era um mergulho eletrónico, quase transcendental, com William Orbit a orquestrar uma nova Madonna, luminosa, etérea e futurista. Para mim, foi ali que ela deixou claro que não tinha medo de romper fronteiras. O álbum foi praticamente um convite para abrirmos a mente e deixarmo-nos levar por uma nova linguagem da pista de dança.
A madrinha dos remixes (e de quem vive da noite)
A Billboard sublinha o que qualquer pessoa que goste verdadeiramente de música de dança sabe: Madonna abriu portas. Antes dela, os remixes eram um apêndice curioso; com ela, tornaram-se peças de culto.
Quantas noites de Lisboa, Barcelona ou Nova Iorque não foram embaladas por versões club de “Erotica”, “Deeper and Deeper”, “Vogue” ou “Nothing Really Matters”?
E, sejamos honestos, quem nunca se perdeu no remix de “Hung Up” que atira ABBA diretamente para o futuro?
A colaboração com produtores como Shep Pettibone, Stuart Price ou Orbit ajudou a legitimar a relação entre o mainstream e o underground. E, de certa forma, democratizou a pista de dança: Madonna trouxe a cultura clubbing para o centro da pop e, com ela, trouxe também liberdade, hedonismo, expressão de género, sexualidade e identidade.
Para muita gente (eu incluído), a pista de dança tornou-se um lugar onde se podia ser sem pedir licença. Madonna entendeu isso muito antes do mundo.
A pop eletrónica como luxo sensorial
Se lermos esta evolução sob uma lente mais contemporânea, essa mesma que me acompanha nos artigos de lifestyle de luxo, percebemos que Madonna criou um universo imersivo antes de isso ser “experiência premium”.
As tours transformaram-se em espetáculos de luz, projeção, neons, LED e energia cinética. O álbum “Confessions on a Dance Floor” (2005), com Stuart Price, no comando da produção é um caso perfeito: uma viagem contínua, sem pausas, como se fosse uma noite inteira condensada num só disco. Até hoje, para mim, é um dos álbuns mais perfeitos da história da pista de dança: elegante, contínuo, pensado milimetricamente.
Momentos que mudaram o jogo
Entre dezenas de temas que se poderiam citar, deixo três que, pessoalmente, representam esta metamorfose:
- “Ray of Light” (1998)
Uma catarse. Uma explosão eletrónica que mostrou ao mundo que a espiritualidade podia conviver com o techno. Sempre que oiço, sinto que estou a voar.
- “Music” (2000)
Aquele drop inicial lembra-nos porque o cowgirl cyber-pop se tornou tendência. Madonna dizia que a música nos unia e tinha razão.
- “Hung Up” (2005)
O casamento improvável que se tornou icónico: ABBA + disco + house + glitter + atitude. É impossível não dançar.
O impacto que não abranda
Passaram décadas, estilos, modas, plataformas. E, ainda assim, o ADN de Madonna continua presente em tudo: na pop hiper eletrónica, nas divas que apostam no tecno, nos remixes que se tornaram essenciais, no renascimento do disco sound… e na forma como a pista se assumiu como espaço cultural, e não apenas recreativo.
Ser fã de Madonna é isto: assistir à história a ser escrita em tempo real.
E é também reconhecer que, sem ela, a cultura da noite, e a música eletrónica, não seriam o que são hoje.





