Sempre gostei de descobrir histórias que surpreendem, especialmente quando mostram como as aparências podem esconder verdadeiros génios. A mais recente que me deixou fascinado é a de Hedy Lamarr. Provavelmente, muitos de vocês já ouviram este nome, talvez por filmes antigos de Hollywood ou pelas capas de revistas da época dourada do cinema. Mas sabiam que ela está na origem da tecnologia que hoje usamos no Wi-Fi, no Bluetooth e até no GPS?
Sim, Hedy Lamarr não foi apenas uma das atrizes mais deslumbrantes dos anos 30 e 40. Nascida Hedwig Eva Maria Kiesler, em Viena, em 1914, Hedy foi uma das grandes estrelas da Era Dourada do cinema norte-americano, conhecida por papéis em filmes como "Êxtase" (1933), onde protagonizou o primeiro nu integral da história do cinema, "Argélia" (1938), "Sansão e Dalila" (1949), e "A Mulher Estranha" (1946), entre outros. Um documentário sobre sua a vida, "Bombshell: A História de Hedy Lamarr", foi lançado em 2017.
De facto, a sua beleza era tão marcante que dizem que Walt Disney se inspirou nela para criar o rosto da Branca de Neve, aquela primeira princesa animada da Disney que encantou o mundo em 1937. A delicadeza dos traços, os olhos expressivos, o cabelo negro ondulado de Brance de Neve... tudo remetia a Hedy. No entanto, o que muitos não sabem é que, por trás do rosto que inspirou a Branca de Neve da Disney, escondia-se uma mente verdadeiramente visionária. Sem dúvida, a verdadeira surpresa está nos bastidores da sua vida.
Durante a Segunda Guerra Mundial, já a viver nos Estados Unidos, Hedy sentia-se frustrada por não poder contribuir de forma mais direta com o esforço de guerra. Tinha um espírito inquieto e uma inteligência que ia muito além dos papéis que lhe davam no cinema. Em parceria com o compositor George Antheil, que também era um inventor, criou um sistema de comunicações que permitia alterar as frequências de transmissão de forma contínua, tornando os sinais praticamente impossíveis de serem interceptados. Uma tecnologia inovadora que viria a ser essencial, anos depois, para a criação das comunicações sem fios que usamos hoje.
Em 1942, obtiveram a patente n.º 2.292.387 para este sistema, pensado originalmente para proteger as comunicações navais dos Aliados. Mas, por ser mulher e atriz, ninguém levou a ideia a sério na altura. Só décadas mais tarde é que a invenção foi redescoberta e aplicada. E hoje, sem sabermos, usamos diariamente algo que começou com o génio de Hedy - a base tecnológica para sistemas atuais como o Wi-Fi, o Bluetooth e o GPS.
Foi apenas em 1997 que ela recebeu o devido reconhecimento pela sua contribuição para a ciência e tecnologia, com um prémio da Electronic Frontier Foundation. Tarde demais, talvez, mas nunca tarde para contarmos a sua história. Ou seja, enquanto encantava o público com a sua presença no grande ecrã, Hedy Lamarr, sem formação académica formal em engenharia, estava a antecipar as bases da comunicação sem fios moderna, sendo lembrada como uma verdadeira precursora na ciência e tecnologia.
Confesso que fiquei tocado por este lado tão inesperado de alguém que o mundo conhecia apenas como “a mulher mais bonita do cinema”. A verdade é que Hedy Lamarr foi uma visionária. E, como tantas outras figuras esquecidas, merece ser lembrada não só pela beleza ou pela fama, mas pelo impacto invisível que teve no nosso presente.
Lamarr é o exemplo fascinante de como o talento e a inteligência podem coexistir nos lugares menos esperados, rompendo estereótipos e inspirando novas gerações. Talvez por isso seja tão importante contarmos estas histórias, porque inspiram, porque corrigem o passado e porque nos mostram que genialidade não tem um rosto só.