Não é pelo período de Halloween que acabou de passar, mas de facto, esta é uma realidade que decidi abordar. Das coleções de luxo das passarelas aos ecrãs de televisão, a adoração da moda por temas negros e góticos tem perdurado como um símbolo misto de rebeldia e elegância. A estética gótica utiliza o preto de forma consistente como uma ferramenta narrativa poderosa, simbolizando mistério, transgressão e uma profundidade emocional que ressoa. Do fascínio de Alexander McQueen por motivos sombrios às silhuetas vanguardistas de Rick Owens, o preto transcende a sua tradicional associação com o luto para se tornar um símbolo de elegância subversiva. Neste ano de 2024, designers como Robert Wun e a dupla Dolce & Gabbana reinterpretam o traje de viúva, enquanto Balenciaga explora narrativas distópicas, reafirmando o preto como um ícone de complexidade e audácia. Referências televisivas e cinematográficas, como em “Wednesday” e o regresso de “Beetlejuice”, 36 anos depois, continuam a inspirar, demonstrando como o preto se perpetua na moda como expressão de fascínio gótico e intemporal.
Coleção outono/inverno 2009 "Horn of Plenty" de Alexander McQueen
Embora a influência do preto tenha evoluído, ela é profundamente enraizada em movimentos históricos, como o vestuário de luto vitoriano, em que a cor comunicava uma reverência perante a mortalidade. Porém, no início do século XX, Coco Chanel veio redefinir essa associação pesada ao lançar o seu “Little Black Dress”, transformando-o num elemento versátil e sofisticado. Mais tarde, a década de 1960 consolidou essa transição com o icónico vestido de Givenchy para Audrey Hepburn no filme “Boneca de Luxo” (“Breakfast at Tiffany's”), mudando a simbologia do preto de um elemento de luto do pós-guerra para assumidamente um símbolo de elegância.
Audrey Hepburn, Breakfast at Tiffany's, 1961
Alexander McQueen revolucionou o uso da estética gótica no final do século XX, utilizando o preto em temas como vida, morte e condição humana, materializados em silhuetas dramáticas e detalhes meticulosamente elaborados. O seu fascínio pelo sombrio teve início com a sua coleção de graduação, “Jack the Ripper Stalks His Victims” (1992), na qual incorporou elementos pessoais nas peças como uma homenagem à tradição vitoriana. Com espetáculos icónicos, McQueen mesclou referências históricas com exibições de beleza visceral, culminando em desfiles onde o preto era mais do que uma cor — era uma narrativa complexa.
Rick Owens apresentou uma fantasia distópica - primavera/verão 2024
Rick Owens, outro ícone da moda de vanguarda, emprega o preto em silhuetas não convencionais, comunicando rebeldia e individualismo. Já designers como Robert Wun e Dolce & Gabbana reinterpretam o traje tradicional de viúva, explorando a complexidade do amor e do luto através do preto. Na coleção de alta-costura de Robert Wun para o outono/inverno de 2024, o estilista reflete sobre a mortalidade com criações que simbolizam a fragilidade da existência, abordando temas existenciais e celebrando a beleza inerente aos finais.
Coleção de alta-costura outono/inverno '24 de Robert Wun
A subcultura gótica começou no Reino Unido, no início dos anos 80, e surgiu como resultado direto do movimento punk. Influenciado por algumas bandas como The Cure, Sisters of Mercy e Banshees, este estilo tornou-se popular depois de o visual punk-rock ter colocado uma vertente dura na moda. Suavizou a rebeldia da estética punk e criou o seu próprio estilo, muito distinto e chamativo, que ainda hoje é visto na moda moderna, tal como prova este meu post. Definido pela sua preferência por vestuário preto, rendas intrincadas, detalhes em pele e silhuetas dramáticas, o estilo de moda gótico transcende a moda convencional, adoptando uma estética cativante inspirada nas influências vitorianas. Não se trata apenas de vestuário, mas de uma forma de expressão artística e de identidade.
O fascínio pelos temas góticos permeia igualmente o cinema, desde “O Bebé de Rosemary” (1968) a “Os Pássaros” (1963), influenciando coleções como a primavera/verão de 1995 de McQueen. Conforme afirmado antes, filmes como “Beetlejuice” e séries como “Wednesday” continuam a moldar o imaginário gótico contemporâneo, destacando o preto como elemento de autoexpressão e comentário social. No mesmo espírito, filmes como “A Morte Fica-Vos Tão Bem” (1992) reavivam o fascínio pelo horror "campy", mostrando protagonistas que desafiam as convenções, com uma mistura de glamour e humor sombrio, redefinindo a estética feminina na moda e na cultura pop.
A relojoaria de luxo também adota o preto, com modelos como o “Big Bang Original Black Magic” da Hublot e o “BR 03-94 Blactrack” da Bell & Ross, por exemplo, promovendo um minimalismo sofisticado que une tradição e inovação. Estes modelos ultra-pretos, que se juntam ao “Lange 1” da A. Lange & Söhne, ao “Chronomaster Revival Shadow”, da Zenith e ao “Speedmaster Dark Side of the Moon2, da Omega, confirmam a tendência do negro, especialmente no domínio dos mostradores, e tornam-se símbolos de subtileza e poder técnico, expressando uma elegância duradoura e moderna.
Em suma, as sensibilidades góticas e o fascínio pelo preto continuam a influenciar profundamente a moda e o design. O preto, mais do que uma cor, representa rebelião, mistério e profundidade emocional, um símbolo estético e filosófico que atravessa gerações e contextos, sempre renovado nas interpretações contemporâneas da alta moda e cultura visual.