Colleen Hoover regressa ao grande ecrã com um drama sobre perdas, segredos e recomeços... Baseado no livro “Regretting You”, desta autora, o filme “Sempre Tu” chega aos cinemas para explorar um dos temas mais delicados da vida: o reencontro entre mãe e filha depois de uma tragédia. Realizado por Josh Boone, o mesmo de “A Culpa é das Estrelas”, e contando com Allison Williams, Mckenna Grace e Dave Franco nos principais papéis, este drama romântico tenta equilibrar luto, perdão e amor com uma leveza que o torna, ao mesmo tempo, familiar e comovente.



E aqui vos venho falar deste filme, a que tive o privilégio de assistir à sua antestreia. A história centra-se em Morgan Grant (Allison Williams) e na filha Clara (Mckenna Grace), que vêem as suas vidas viradas do avesso após um acidente devastador que tira a vida ao marido de Morgan, Chris (Scott Eastwood), e à sua irmã Jenny (Willa Fitzgerald), tia e confidente de Clara. A partir desse momento, mãe e filha são obrigadas a enfrentar o vazio, as mágoas antigas e segredos há muito guardados, num processo doloroso, mas inevitável de reconciliação.

 

O argumento, assinado por Susan McMartin, adapta com fidelidade o romance de Hoover, que se tornou um fenómeno global. E talvez por isso, o filme parta já com uma carga emocional elevada, sobretudo para os leitores que se deixaram tocar pela escrita crua e íntima da autora. Colleen Hoover, que aqui assume também o papel de produtora executiva, confessou que se emocionou ao ver a primeira montagem: “Aquela cena era tão fiel ao livro que percebi logo que respeitaram a minha visão.”




Mas, como em quase todas as adaptações literárias, há perdas. Boone e o elenco esforçam-se para manter a densidade emocional do texto, mas “Sempre Tu” parece por vezes demasiado contido, como se tivesse medo de mergulhar verdadeiramente na dor. O luto surge mais como pano de fundo do que como força motriz. E é pena, porque o filme tinha matéria-prima para algo maior. Poderia ser um pouco mais intenso, mas tal como é, não deixa de nos emocionar...

 

Ainda assim, há momentos em que o filme encontra o seu tom. Boone volta a mostrar o cuidado em retratar o quotidiano com ternura: os gestos simples, os silêncios, o desconforto entre mãe e filha, e a fotografia delicada e a banda sonora intimista ajudam a criar esse ambiente de reconciliação. Mckenna Grace é o coração da narrativa: natural, carismática, convincente. Allison Williams mantém o equilíbrio entre fragilidade e força, e Dave Franco, mais contido, funciona como o contraponto emocional de Morgan, sem nunca lhe roubar o foco.

 


Franco, aliás, tem um motivo extra para ver o filme ganhar destaque em Portugal: o actor revelou, recentemente, numa entrevista, o seu orgulho pelas raízes madeirenses, herdadas do avô paterno, e deixou no ar a promessa de visitar o nosso país em breve. Tal não deixa de ser uma ligação curiosa e simbólica, já que “Sempre Tu” é também um filme sobre raízes, as que nos prendem e as que nos permitem recomeçar.

 

No fundo, esta é uma história sobre perdas que se transformam em pontes, sobre feridas que aprendem a cicatrizar e sobre relações que renascem da fragilidade. Boone evita o melodrama fácil e aposta numa condução sincera, próxima, quase doméstica. Mesmo quando o guião acelera ou se rende a clichés, e há alguns, a emoção consegue resistir.

 


“Sempre Tu” não é um filme perfeito, mas é um filme honesto. Fala sobre amor e arrependimento, sobre crescer e perdoar, e sobre a coragem de reconstruir o que parecia perdido. Como a própria Colleen Hoover costuma lembrar, “a vida é por vezes triste, tal como as nossas histórias, mas é no meio dessa tristeza que encontramos os momentos de verdadeira alegria.”

 

No fim, fica a sensação de que, apesar das suas fragilidades, “Sempre Tu” tem o "coração" no sítio certo. E talvez seja isso o que mais importa: lembrar-nos de que o amor, mesmo imperfeito, é sempre um ponto de partida e de regresso. E às vezes, são as histórias mais simples aquelas que nos "tocam" mais...

 


 

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Nesta madrugada de sábado, 26 de outubro, para domingo, 27, os relógios vão recuar uma hora. Em teoria, ganhamos 60 minutos de sono; na prática, nem sempre o corpo agradece. Esta mudança pode interferir com o nosso descanso, apetite e até humor, sobretudo em crianças e pessoas mais velhas, mais sensíveis a alterações de rotina.

 

A verdade é que dormir bem não se resume ao momento em que nos deitamos, mas começa muito antes, nas pequenas decisões que tomamos ao longo do dia e, sobretudo, nas horas que antecedem o sono. O segredo está em respeitar a química natural do corpo.

 

Durante o dia, o cortisol mantém-nos ativos e atentos; à medida que anoitece, os seus níveis devem baixar para que a melatonina, a hormona do sono, possa fazer o seu trabalho. Quando esse equilíbrio é perturbado, por luzes fortes, ecrãs ou refeições tardias, o organismo perde o ritmo e o descanso torna-se menos reparador.

 


 

Como ajudar o corpo a ajustar-se à mudança horária

 

1. Façam uma adaptação gradual

O corpo é um ser de hábitos. Se passamos a dormir ou acordar uma hora diferente do habitual, ele ressente-se. Ajustar a rotina de forma progressiva, de 5 a 10 minutos por dia, ajuda a retomar o equilíbrio natural sem grandes sobressaltos.

 

2. Atenção ao jantar (e à hora em que o fazem)

Evitem excitantes como café, chá, chocolate e alimentos que se transformam rapidamente em açúcar (pão, massa, arroz, doces). O ideal é jantar de forma leve e com antecedência, cerca de três horas antes de se deitarem. Digestões pesadas atrasam a libertação da melatonina e dificultam o sono.

 

3. Reduzam luzes e ecrãs

A luz azul dos dispositivos eletrónicos inibe a produção da hormona do sono. Por isso, baixem a iluminação e evitem telemóveis, televisão e tablets pelo menos uma hora antes de ir para a cama.

 

4. Evitem estímulos mentais antes de dormir

Nem só a alimentação interfere no descanso. Ver uma série intensa, um filme de ação ou praticar exercício físico à noite também eleva os níveis de cortisol. Antes de dormir, optem por atividades relaxantes: ler, ouvir música suave ou tomar um duche morno podem ser excelentes aliados.

 

5. Procurem luz natural logo de manhã

A exposição solar ao acordar ajuda o relógio biológico a reajustar-se e melhora os níveis de energia durante o dia. A luz natural é o despertador mais poderoso e eficaz que temos.

 

6. Mantenham rotinas estáveis

Deitar e levantar à mesma hora, mesmo ao fim de semana, reforça o equilíbrio hormonal e melhora a qualidade do sono. A regularidade é meio caminho andado para um descanso profundo e restaurador.

 

 

Mudança necessária ou hábito ultrapassado?

 

Todos os anos, com o relógio a mudar, regressa o mesmo debate: faz ainda sentido manter esta alteração? A Comissão Europeia já discutiu várias vezes a hipótese de abolir o ajuste bianual, unificando horários. O impacto no organismo é real: em alguns locais, o amanhecer chega depois das oito da manhã no inverno e o pôr do sol acontece antes das seis da tarde, reduzindo a exposição natural à luz e afetando a produção de melatonina.

 

Além disso, há exemplos de países que já deixaram de praticar a mudança da hora ou que nunca a adoptaram. Da Rússia ao Japão, passando pela China, onde se concluiu que o sistema sem ajustes facilita a saúde e a segurança da população. E quando se altera o ciclo claro/escuro natural, estamos a mexer com os nossos ritmos circadianos, esse relógio interno que dita o sono, a vigília, o metabolismo e até as emoções.

 

A verdade é que, mais do que o relógio externo, o corpo pede consistência. Dormir bem é uma questão de química, constância e harmonia. Quando lhe damos tempo e sinais claros, o corpo sabe exatamente o que fazer. O regresso à hora legal (ou horário de verão) acontece a 29 de março de 2026.

 


 

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Há objetos que atravessam o tempo e se tornam mais do que simples produtos, transformam-se em memórias, em símbolos de afeto e em pequenos rituais que acompanham gerações. A lata azul da Nivea é, sem dúvida, um desses ícones universais. Concordam comigo? E agora, em 2025, essa latinha azul sopra 100 velas e reafirma o seu estatuto como um dos maiores clássicos da história da cosmética.


Para muitos de nós, a marca também faz parte das memórias mais felizes do verão: o cheiro do protetor solar, o azul intenso das bolas no mar ou, em formato gigante, a servirem de ponto de encontro, e aquele brilho inconfundível da lata de creme que tantas vezes víamos em casa dos pais ou dos avós. Por isso, ao saber que a Nivea celebra este ano o centenário da sua mítica lata azul, não resisti a dedicar-lhe este artigo. Afinal, esta é também uma história de afetos, de herança e de continuidade. Valores que atravessam gerações e que, de alguma forma, também me tocam. (Lembram-se da bola Nivea? Escrevi sobre ela há uns anos neste artigo do meu blog.

 


Um ícone que nasceu do cuidado

Em 1925, a Nivea trocou a embalagem amarela original do seu creme hidratante por uma lata azul-escura com letras brancas. À primeira vista, tratou-se de uma mudança simples; na verdade, foi um marco de design e identidade.

Inspirada nas cores do céu e do mar, a nova embalagem transmitia pureza e serenidade, valores que se tornariam inseparáveis da marca. O design, liderado por Juan Gregorio Clausen, rompeu com o estilo decorativo da época e apostou numa estética limpa e intemporal, uma aposta que ainda hoje define a Nivea. Um século depois, essa mesma fórmula visual continua a transmitir confiança, proximidade e autenticidade, valores que sustentam a marca até hoje.


De Hamburgo para o mundo

Produzida na cidade alemã de Hamburgo, onde a Nivea nasceu, a icónica lata azul viaja para dezenas de países, levando consigo o mesmo creme que, há décadas, hidrata, protege e conforta. Em 2024, venderam-se mais de quatro latas por segundo, um feito que a consagra como o produto de cuidado da pele mais vendido no mundo.

 

 

Mas mais do que números, é a relação emocional que importa. Quantos de nós não crescemos a ver uma lata azul na casa dos pais ou dos avós? Quantos momentos de infância não têm o seu aroma e a sua textura como pano de fundo? É essa continuidade afetiva que transforma a Nivea numa marca que cuida não apenas da pele, mas também das lembranças.

 


Tradição e modernidade de mãos dadas

Como recorda José Luis Ramallo, Country Commercial Manager da Beiersdorf Portugal, a Nivea conseguiu preservar a identidade da sua lata azul através de “uma combinação entre consistência e evolução”. Mantém os elementos-chave, a cor profunda, a forma redonda, a tipografia branca, mas adapta-se às novas linguagens e hábitos de consumo, nomeadamente com uma presença mais próxima e digital.

A marca sabe que tradição e inovação não se opõem: complementam-se. E é precisamente essa harmonia que a mantém relevante, geração após geração.

 


Um futuro mais sustentável

O século XXI trouxe novos desafios, entre eles, o da sustentabilidade. Hoje, cada lata é fabricada com, pelo menos, 80% de alumínio reciclado, numa produção inteiramente realizada em Hamburgo, com processos otimizados para reduzir a pegada de carbono.

Este avanço ilustra o propósito da marca: cuidar não só da pele, mas também do planeta. Afinal, como a própria defende, “o verdadeiro cuidado vai além da pele, é também o cuidado com as pessoas e com o mundo que partilhamos.”

 

 

Diversidade, inclusão e novas expressões de cuidado

Ao longo do tempo, a icónica lata azul também se tem reinventado, refletindo as transformações sociais e culturais do mundo que a rodeia. Em 2024, a Nivea lançou uma edição especial com as cores do arco-íris, em homenagem ao Pride Month e ao movimento LGBTQIA+. Sob o conceito “Be You”, esta versão simboliza o compromisso da marca com a inclusão, a diversidade e a autenticidade, lembrando-nos que cuidar da pele é também uma forma de celebrar quem somos.

 

Mas a história da lata azul não se fica por aqui. Com o lançamento do Nivea Men Creme, a marca mostrou que o cuidado não tem género, é universal. A lata, agora em azul-escuro com design mais sóbrio e contemporâneo, tornou-se um aliado essencial nas rotinas masculinas, reforçando a ideia de que o autocuidado é um gesto de força e de bem-estar. Portanto, de arco-íris vibrante a elegância minimalista, a lata azul prova que continua a acompanhar o seu tempo, sempre fiel ao mesmo propósito: cuidar, incluir e inspirar.

 

Um ícone eterno

Cem anos depois, a lata azul continua a ser um símbolo de confiança, amor familiar e autocuidado. Um pequeno objeto que cabe na palma da mão, mas que guarda dentro de si um século de histórias.

 

Talvez seja essa a verdadeira magia da latinha da Nivea: a de permanecer próxima, tocando cada geração com o mesmo gesto, o de cuidar da pele, mas também, de alguma forma, do coração.



 

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Antes de mais, uma nota aos meus queridos seguidores e leitores deste meu blog: peço desculpa por reunir, no mesmo post, duas obras tão interessantes quanto díspares. Porém, esta escolha deve-se a questões da minha vida privada que, nas últimas semanas, me tem deixado menos tempo para me dedicar ao blog. Ainda assim, não quis deixar de registar duas estreias que merecem destaque: “Monólogos da Vagina – A Despedida”, pela Yellow Star Company, e “Company – Uma comédia musical”, pela Artfeist. Obrigado a ambas as produtoras pela oportunidade de estar presente nas respetivas noites inaugurais.

 

Duas estreias, duas noites que ficam na memória. Há espetáculos que nos lembram porque vamos ao teatro: para nos reconhecermos, para rirmos, pensarmos, e, sobretudo, para sentirmos. Tive o privilégio de estar nas estreias destes dois títulos muito diferentes e, ainda assim, profundamente complementares: “Monólogos da Vagina — A Despedida” e “Company – Uma comédia musical”. Saí de ambos com o coração cheio e a cabeça a fervilhar.



“Monólogos da Vagina — A Despedida”: aplauso de pé a uma geração de histórias

 

No Auditório do Taguspark, em Oeiras, a Yellow Star Company assina a derradeira temporada de um fenómeno que ensinou Portugal a ouvir o universo feminino com honestidade e humor. A versão de despedida volta a convocar os textos de Eve Ensler, agora filtrados por sensibilidades de hoje, com encenação de Paulo Sousa Costa, e mantém aquilo que sempre fez desta peça um abraço coletivo: a alternância entre o riso desarmante e a emoção crua. Estar na estreia foi, para mim, como assistir a um brinde final entre palco e plateia. Fala-se de corpo, de prazer, de medo e de pertença, e sente-se uma liberdade bonita a atravessar a sala.

 


Nesta temporada de despedida, o elenco tem sofrido uma rotação que refresca a energia do espetáculo. No Taguspark, a ficha artística atual anuncia Marta Melro, Maria Sampaio e Olívia Ortiz, em momentos anteriores, a produção contou também com interpretações de Joana Amaral Dias e Sofia Baessa, entre outras. Esta alternância sublinha a vitalidade do formato e mantém a peça viva, sem trair o espírito original. Do lado de cá da plateia, fica a gratidão: obrigado, Yellow Star Company, por me terem recebido numa despedida que é, também, uma celebração.

 

 

“Company – Uma comédia musical”: Henrique encontra Sondheim (e enche a casa)

 

No Casino Estoril, Henrique Feist conduz a chegada de “Company” a Portugal com a elegância e a inteligência musical que o título pede. Stephen Sondheim é sinónimo de sofisticação emocional: melodias que pensam e palavras que cantam. Nesta produção, com libreto de George Furth, seguimos Bobby, o solteiro rodeado de casais, num retrato moderno das nossas (des)ligações. O elenco, da fantástica Wanda Stuart a Pedro Pernas, Ana Capote, Valter Mira e tantos outros, brilha num ritmo que alterna melancolia com gargalhadas, sempre com desenho musical rigoroso e cenas que respiram Nova Iorque de 1970, sem perder o pulso e o ritmo de 2025. A estreia esgotou, e percebe-se porquê: a Artfeist entrega um espetáculo afiado, vivo, que fala diretamente a quem já se perguntou sobre compromisso, medo e o passar do tempo.



Além disso, Henrique Feist seguiu um caminho semelhante ao de Antonio Banderas na produção espanhola: conseguiu autorização oficial para adaptar a idade do protagonista. Em vez de um Bobby nos trinta e poucos, a história centra-se agora nos seus 50 anos, a idade real do intérprete, o que proporciona novas camadas de leitura às (des)ligações, ao medo do compromisso e ao balanço de vida. Essa atualização já tinha sido feita por Banderas (também com aval do detentor dos direitos) e aqui resulta particularmente orgânica, porque alinha a personagem com a maturidade emocional e o timbre da encenação. Obrigado, Artfeist, por me receberem numa primeira noite tão especial e por provarem como Sondheim continua urgente e próximo de nós.



Dois olhares, a mesma urgência

Se "Monólogos da Vagina" nos convoca para escutar, com respeito, as vozes que tantas vezes a sociedade tentou calar, "Company" pede-nos que façamos as perguntas difíceis sobre quem somos quando amamos (ou quando evitamos amar). Um lembra-nos a potência da palavra dita em corpo; o outro, a vertigem de harmonias que expõem a nossa hesitação. Saí de um e de outro com a mesma sensação: o teatro continua a ser o melhor espelho que temos: às vezes devolve-nos sobressaltos, outras vezes confirma-nos ternuras.

 

É um privilégio testemunhar o trabalho de equipas que acreditam no poder transformador do palco. À Yellow Star Company, pela coragem e pelo cuidado em encerrar um ciclo com dignidade; à Artfeist, pela excelência com que traz Sondheim para tão perto de nós. O meu sincero obrigado. Que venham as próximas temporadas, e que continuemos a encontrar-nos, de coração aberto, nas primeiras filas.

 

Notas práticas para quem quiser ir (e têm mesmo de ir)

“Monólogos da Vagina — A Despedida” está em cena no Auditório do Taguspark, com sessões anunciadas até novembro.

“Company – Uma comédia musical” está no Auditório do Casino Estoril, com sessões às quintas, sextas e sábados às 21h00 e domingos às 16h30

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Eis um adeus tenso, não de todo perfeito, mas com coração. Doze anos e oito filmes depois, (com spin-offs incluídos) a saga que pôs meio mundo a espreitar por cima do ombro chega ao capítulo final. Fui ver "The Conjuring 4: Extrema-Unção", em modo de antestreia, com uma expectativa clara: queria um desfecho à altura de Ed e Lorraine Warren. Não é um filme perfeito, sente-se a falta do pulso de James Wan na construção da tensão, mas há aqui um fecho digno, emotivo e assumidamente esperançoso e isso, para mim, faz toda a diferença.

 

 

O que continua a funcionar

Se houver uma razão para esta franquia ter marcado o terror moderno, é a forma como coloca o amor no centro do medo. Patrick Wilson e Vera Farmiga mantêm intacta a química que carregou a série desde o primeiro minuto. A relação entre Ed e Lorraine não é ornamento; é o motor emocional que sustenta cada decisão, cada risco, cada oração sussurrada no escuro. Neste “Extrema-Unção”, esse foco é ainda mais evidente: a família é o escudo, a fé é o método, e o terror é o teste.

 

Michael Chaves, que já tinha assinado a entrada anterior, não atinge o virtuosismo de Wan na gestão do suspense (aquela lenta torção de parafuso que nos tira o ar), mas entrega momentos visualmente criativos. Há uma sequência de espelhos com Judy que se destaca pela encenação e pelo uso do espaço. No geral, a casa assombrada volta a ser mapeada como um labirinto emocional e físico, e os derradeiros 30 minutos ganham densidade e desespero suficientes para nos segurar ao banco.

 

 

Onde o filme hesita

Nem tudo resulta. A promessa recorrente de que “desta vez, Ed pode não aguentar” perde força pela repetição. A balança desequilibra-se por vezes para o drama doméstico em detrimento do caso em si, e há sustos que dissipam a tensão depressa demais. Senti falta daquela respiração suspensa que os dois primeiros filmes teciam com crueldade precisa. Ainda assim, quando “Extrema-Unção” acerta, acerta mesmo e nessa altura lembramo-nos do porquê de termos ficado por aqui até ao fim.

 

 

O caso final (aviso de spoilers leves)

No coração da narrativa está um espelho antigo que catalisa uma nova manifestação demoníaca no lar dos Smurl. O argumento liga esse objeto à história dos próprios Warren: Lorraine tivera contacto prévio com o artefacto, num episódio que deixou marcas na família e uma espécie de herança espiritual na filha, Judy. O que devia ser tempo de celebração, com o casamento à vista, transforma-se num cerco psicológico quando a entidade a escolhe como alvo. É aqui que o filme faz a sua melhor síntese do ADN da saga: o mal ataca pelos elos mais frágeis, e só a união tem hipótese de o quebrar.

 

As primeiras tentativas de Ed para “limpar” a casa são falhadas, e percebe-se que não há rito possível sem enfrentamento íntimo. O ponto de viragem surge quando Judy, Ed e Lorraine deixam de combater isoladamente e encaram, juntos, o espelho e o que ele reflete: medos antigos, culpas herdadas e a tentação de ceder.

 


Na vida real

Tal como os capítulos anteriores, “Extrema-Unção” também reclama raízes no real: o argumento bebe dos registos de caso de Ed e Lorraine Warren, com ecos dos relatos da família Smurl e do tal espelho associado a fenómenos, ainda que trabalhados com alguma liberdade dramática. Importa lembrar que estes dossiers sempre foram alvo de cepticismo, mas o filme sublinha precisamente a atitude do casal fora do ecrã: contra críticas de pares, imprensa e até algumas autoridades religiosas, os Warren nunca deixaram de acreditar na existência do mal sobrenatural e de o combater. Essa convicção levou-os a entrar em casas desconhecidas, recolher testemunhos, documentar ocorrências e, quando necessário, enfrentar aquilo que consideravam ser entidades reais com os ritos que conheciam. Concorde-se ou não com a sua visão, fica o legado: uma vida a transformar medo em propósito.


 

Clímax e significado

O clímax não vive tanto do choque, mas da resolução emocional. Quando aquele espelho se parte, a imagem é clara: não é só um objeto a ceder, é um ciclo de dor a ser interrompido. É a família Smurl a recuperar a sua casa e, por extensão, os Warren a recuperarem o seu centro.

 

Depois da tempestade, o filme abraça um tom mais leve e deixa espaço para a esperança. Judy segue com o casamento a Tony Spera e Ed entrega-lhe as chaves da famosa sala de artefactos. Mais do que fan service, é uma passagem simbólica de missão que sugere continuidade possível para este universo, mesmo que os Warren se despeçam do palco principal. Há ainda uma visão que Lorraine partilha com Ed, com os dois a envelhecer juntos, rodeados de filhos e netos, que funciona como bênção final e comentário sobre o que a franquia sempre quis dizer: o amor resiste.

 

 

O meu veredito

“The Conjuring 4: Extrema-Unção” não tenta reinventar a roda. Assume-se como encerramento: reverente ao legado, mais humano do que explosivo, e preocupado em responder aos afectos que a saga cultivou. Senti falta de uma tensão mais aguçada e de um “set piece” memorável ao nível do primeiro e segundo filmes, mas saí com a sensação de missão cumprida. A despedida podia ter sido maior? Talvez. Foi respeitosa e fiel àquilo que nos fez ficar? Para mim, sim!

 

Se, como eu, acompanhaste os Warren ao longo destes anos, vais encontrar aqui um adeus caloroso, com tropeções pelo caminho, é verdade, mas sincero naquilo que afirma: por mais barulho que o mal faça, a última palavra continua a ser dita pela coragem, pela fé e pelos laços que escolhemos fortalecer. E esse eco, felizmente, ainda se ouve quando as luzes da sala se acendem.

 

Com a minha amiga Kikas Valle-Flôr na antestreia

 

 

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Como leitor que cresceu com Astérix, Obélix e o fiel Ideiafix, ver os nossos irredutíveis gauleses atravessarem finalmente o extremo sudoeste do Império romano em direção à nossa Lusitânia, é daquelas notícias que me enchem o peito. Portugal entra no mapa oficial das aventuras desta dupla, e logo com todos os sinais de identidade: a calçada portuguesa, o bacalhau e, acima de tudo, a generosidade do nosso povo.

 

Fabcaro

Um álbum soalheiro… e muito nosso

 

O argumentista Fabcaro (Fabrice Caro) quis um destino onde os heróis nunca tinham estado, tarefa cada vez mais difícil, dado o número de viagens já feitas, e desejava um álbum luminoso, de férias, com espírito mediterrânico. A escolha caiu naturalmente em Lusitânia (hoje, Portugal). Ele próprio o diz: veio várias vezes de férias e adora o país; a simpatia das pessoas conquistou-o.

 

Por se tratar de um lugar real (e tão próximo), os autores não quiseram perder a oportunidade de trabalhar sobre o terreno. Durante a preparação do livro, o editor e Fabcaro vieram a Portugal: ver sítios, sentir o ambiente, provar especialidades, tirar notas e fotografias. Essa curiosidade é meio caminho andado para um álbum que respeita e celebra a cultura que visita.



A capa provisória (uma homenagem aos nossos calceteiros)

 

O desenhador Didier Conrad recebeu um verdadeiro dossier fotográfico, cortesia de Fabcaro, e completou-o com pesquisa online. Fascinado pelos nossos padrões, decidiu que a calçada portuguesa teria lugar de destaque na capa provisória: uma homenagem ao trabalho paciente e artístico de quem talha e assenta cada cubo de pedra preto e branco. E, como motivo central, um peixe emblemático: o nosso querido bacalhau. Confesso que sorri só de imaginar os mosaicos a ondular sob as sandálias romanas e os passos apressados de Obélix.

 

Didier Conrad

 

O argumento (sem estragar a surpresa)

 

Aqui, a regra do segredo absoluto mantém-se. O que se pode revelar é pouco e saboroso: um velho escravo lusitano, que encontramos em “A Residência dos Deuses”, vai pedir ajuda a Astérix e companhia. Quanto ao resto, fico, como os bons leitores, a aguardar, divertido pelo momento em que os gauleses irão derrapar (literalmente) na calçada.

 

Anunciar com humor

 

Desde os anos 60, os criadores de Astérix têm um talento especial para anunciar novas aventuras com humor e mistério. Goscinny e Uderzo brincavam com “televisões” imaginárias, entrevistas fingidas e conferências deliciosas. Agora, Fabcaro e Conrad pegam nessa herança e atualizam-na: um vídeo online, entrevista fora de campo, um herói que resiste, outro prestes a contar mais do que devia… O suficiente para aguçar a curiosidade sem revelar o miolo. É uma arte e Astérix é mestre.

 


 

Lusitânia: de Viriato a Júlio César

 

Eis um enquadramento necessário. Como recorda Manuel Neves, doutor em Antropologia Social e Histórica, as primeiras referências aos lusitanos colocam-nos na zona montanhosa da Estrela e arredores, comunidades pré-celtas com castros fortificados. Nas altitudes, o gado e a recoleção; nas planícies, uma agricultura mais rica.

 

Com a conquista romana nasce a província da Lusitânia, crucial para o Império pelos recursos minerais, sobretudo o ouro. A produção de estanho na faixa costeira abriu rotas marítimas com o Mediterrâneo. Em menos de um século, a romanização tornou o território indispensável para Roma.

 

E os paralelos com a Gália existem: o inimigo comum (Roma), e chefes carismáticos que entram nos livros: Viriato entre os lusitanos, Vercingetórix entre os gauleses. Não por acaso, Júlio César combateu os lusitanos por volta de 60 a.C. e, dez anos depois, pôs fim à resistência gaulesa. História que promete ecoar na banda desenhada.

 


 

O que podemos encontrar nas páginas

 

Como bom português que sou, imagino, e desejo, ver monumentos reconhecíveis, sabores que nos definem, a energia aberta e hospitaleira das pessoas. Quero apanhar trocadilhos deliciosos com a nossa gastronomia, ruas de calçada cheias de gags físicos, e aquele olhar bem-humorado, mas informado, sobre quem somos. Acima de tudo, espero uma aventura cheia de sola, que nos faça rir e, discretamente, nos espelhe. Porque é este o génio de Astérix: viajar, satirizar e, no fim, brindar connosco.

 

Marquem na vossa agenda: 23 de outubro de 2025 chega às livrarias o novo álbum de Astérix passado na Lusitânia, o 41º livro da coleção. Fico, como vocês, irredutivelmente ansioso...

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