Estávamos em 20 de junho de 1975 quando, sem se prever o que estava para acontecer, estreava nos cinemas americanos um filme que, vindo das profundezas de um modesto orçamento e de uma produção atribulada, viria a mudar para sempre a forma como se faz, e se vê, cinema. Chama-se “Jaws”, mas por cá ficou eternizado como “Tubarão”. E, cinquenta anos depois, continua a causar arrepios, não só pelo terror quase primitivo que invoca, mas pelo impacto que teve (e ainda tem) na cultura popular, na indústria do entretenimento e até na forma como olhamos o mar.

 

Steven Spielgerg em 1974
 

 

Steven Spielberg, então um jovem realizador de 27 anos, assumiu este projeto baseado num romance de Peter Benchley. Ninguém esperava que viesse dali um fenómeno. O tubarão mecânico, batizado “Bruce”, avariava constantemente, obrigando Spielberg a fazer precisamente aquilo que viria a definir o filme: mostrar pouco, sugerir muito. O “monstro” quase nunca aparece… e talvez por isso nos fique cravado na imaginação. A música de John Williams, hoje tão icónica quanto o próprio filme, tornou-se o verdadeiro predador invisível, fazendo-nos temer cada movimento na água. É quase impossível ouvir aquelas duas notas sem sentir um frio na espinha, verdade?

 

O sucesso foi imediato e colossal. Arrecadou mais de 470 milhões de dólares em todo o mundo e foi, durante dois anos, o filme mais rentável da história, apenas superado por ”Star Wars”. Mas “Tubarão” foi mais do que um êxito de bilheteira. Inventou, literalmente, o conceito de blockbuster de verão, um termo que nem existia antes. Foi o primeiro a ter um lançamento simultâneo em centenas de salas e a explorar uma estratégia de marketing massivo para a época. E assim nasceu o modelo que os estúdios ainda hoje replicam: verão, grande ecrã, suspense, pipocas.

 


Porém, este clássico não se esgota nas bilheteiras. O seu impacto cultural foi profundo. Criou um medo coletivo da água que atravessou gerações e que, infelizmente, também alimentou mitos e preconceitos sobre os tubarões, criaturas muito menos perigosas do que a ficção nos quis fazer crer. Curiosamente, o próprio autor do livro original, Peter Benchley, viria mais tarde a arrepender-se de ter contribuído para essa visão distorcida. Tornou-se ativista pela conservação dos oceanos e dos tubarões, numa tentativa de equilibrar o legado da sua obra.

 

Nas décadas que se seguiram, Hollywood tentou inúmeras vezes replicar a fórmula — com sequelas oficiais (“Jaws 2”, “3D”, “The Revenge”), mas também com uma infinidade de imitadores: de “Deep Blue Sea” a “The Meg”, passando por aberrações propositadamente camp como “Sharknado”. Nenhum conseguiu o equilíbrio entre suspense, subtileza e terror psicológico que Spielberg alcançou. “Tubarão” tornou-se, assim, aquele tipo de obra inimitável: todos a querem revisitar, mas ninguém a consegue igualar.

 

 

No entanto, por trás do terror inicial, esteve uma protagonista inesperada: Susan Backlinie, que interpreta Chrissie Watkins, a jovem nadadora atacada na fantástica e mítica cena de abertura. Tendo sido contratada pela sua experiência como nadadora e stuntwoman, levou três dias a filmar um dos momentos mais icónicos de sempre, rebocado por cabos nos bastidores e submetida a um frio brutal. Falecida em maio de 2024, aos 77 anos, Backlinie foi recordada como uma figura essencial para o impacto emocional do filme e o seu desmaio involuntário, devido ao frio ,quase se tornou parte da curiosa história desta produção. Uma lembrança de que, por trás do monstro, havia coragem e autenticidade humanas que nos continuam a marcar.

 


É que, sejamos honestos: o filme exagera. E muito. A começar pelo próprio tubarão. A criatura retratada no ecrã é apresentada como um predador implacável, quase inteligente, com oito metros de comprimento, muito acima da média do tubarão-branco, que raramente ultrapassa os cinco metros. Além disso, o comportamento do animal no filme, o de atacar deliberadamente humanos, perseguir embarcações e agir com uma espécie de rancor calculado, está longe da realidade científica. Na verdade, ataques de tubarão a pessoas são raríssimos, e quando acontecem, muitas vezes trata-se de confusões (o tubarão, ao contrário do que o cinema nos ensinou, não nos vê como uma iguaria, mas como um erro de avaliação). Este retrato inflacionado alimentou décadas de medo injustificado, levando mesmo à caça desenfreada da espécie e a uma quebra considerável na sua população. Ou seja, a criatura que no filme encarna o mal absoluto, na realidade, tornou-se vítima da ficção.

 

Cientificamente, quase tudo no filme é escessivo. Mas isso pouco importa quando falamos de cinema. O que interessa é a experiência e “Tubarão” ofereceu, e ainda oferece, uma experiência cinematográfica ímpar. Há algo de quase ritual no modo como o vemos hoje: um regresso à origem do medo, mas também à essência da boa realização. O herói relutante, o velho lobo-do-mar, o jovem cientista: três arquétipos numa ilha cercada por um mal invisível. Uma fábula moderna contada com uma mestria que nem o tempo conseguiu engolir.

 

Poster do filme original de 1975

 

Agora, em 2025, celebra-se o cinquentenário do filme com reedições, exibições especiais e um novo documentário: “JAWS @ 50”, que promete mergulhar nos bastidores e na herança que este filme deixou. É também um momento para olhar para trás e perceber como um mero filme de verão se tornou parte do nosso ADN cultural. Está nos memes, nas séries, nos desenhos animados, nos pesadelos de infância e até na forma como pensamos duas vezes antes de entrar no mar.

 

 

“Tubarão” não é só um clássico. É um fenómeno que ultrapassou o ecrã. Meio século depois, ainda nada se lhe compara. E a sua sombra continua ali, à espera, logo abaixo da superfície. Hoje, mais do que nunca, faz sentido olhar para “Tubarão” não só como um marco do cinema, mas também como um alerta para o poder das histórias que contamos e para as suas consequências. Durante décadas, os tubarões foram perseguidos, caçados e incompreendidos, tudo por causa de uma narrativa que os transformou em vilões absolutos. Felizmente, nos últimos anos tem havido um esforço crescente para repor a verdade e defender a importância destes animais nos ecossistemas marinhos. Que este cinquentenário sirva também para isso: para celebrarmos o cinema, sim, mas também para reaprendermos a respeitar o mar, as suas criaturas e o delicado equilíbrio da natureza. Porque o verdadeiro monstro nunca foi o tubarão. Foi sempre o medo mal explicado.

 


 

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Já pararam para pensar por que se celebra o Pride no mês de junho? Não, não se trata apenas de uma festa colorida, cheia de glitter, arco-íris e slogans de aceitação. É uma celebração, sim, mas antes de tudo, é uma recordação. E este ano, quero lembrar especialmente Matthew Shepard.

 

 

Matthew Wayne Shepard tinha 21 anos, era assumidamente gay, estudante universitário na Universidade de Wyoming, e sonhava com um mundo mais justo. Em outubro de 1998, foi brutalmente agredido, espancado e torturado, por dois homens que o deixaram amarrado a uma cerca, sozinho e deixado para morrer perto da cidade de Laramie, apenas por amar diferente. Infelizmente, a sua história não é ficção, é um retrato cruel da realidade que muitos de nós, em diferentes graus, conhecemos bem: o preconceito.

 

 

Este foi um acto de crime de ódio, com uma violência sem sentido e uma crueldade tal que atraiu a atenção mundial. A morte de Matthew mudou o mundo inteiro para sempre. O horrível assassinato é amplamente considerado como um dos piores crimes de ódio contra os homossexuais na história dos Estados Unidos (e do mundo). Matthew foi espancado por Aaron McKinney e Russell Henderson. Estes agressores chicotearam-no, agrediram-no com a parte de trás de uma espingarda, amarraram-no a uma vedação em condições de frio extremo e atearam-lhe fogo antes de o deixarem morrer, abandonado.

 

 

Os homens, responsáveis pela sua morte, foram condenados por homicídio em primeiro grau e receberam duas penas de prisão perpétua. Não foram acusados de crime de ódio, uma vez que tal, na altura, não era possível ao abrigo da lei penal do Wyoming. Mas, após longas disputas no Congresso, o presidente Obama finalmente assinou a Lei Matthew Shepard, em 2009, uma lei que definiu certos ataques motivados pela identidade da vítima como crimes de ódio.

 

O ataque acabou por se tornar um símbolo marcante, desencadeando uma onda de indignação nacional contra a cultura de masculinidade tóxica e a conivência silenciosa com a homofobia. A morte de Matthew teve como consequência o surgimento de várias iniciativas positivas em prol da comunidade LGBTQ+. A peça “The Laramie Project”, que retrata a sua história, percorreu os Estados Unidos e vários outros países, sensibilizando o público e impulsionando campanhas contra o preconceito. Políticos e figuras públicas manifestaram apoio e disponibilizaram fundos para combater os crimes de ódio dirigidos a pessoas homossexuais. A família Shepard tornou-se porta-voz dos direitos LGBTQ+. Judy e Dennis Shepard, seus pais, fundaram a Matthew Shepard Foundation, que apoia programas educativos e criou uma comunidade online onde jovens podem debater temas como orientação sexual e identidade de género. Esta triste história deu ainda origem a diversos documentários, produções dramáticas, livros e eventos, que mantêm viva a memória de Matthew e reforçam a luta contra a intolerância.

 

 

Eu próprio já senti o peso do preconceito e da intolerância. Um olhar torto, um comentário sussurrado. A exclusão silenciosa. A rejeição que fere mais do que qualquer palavra dita. Porque ser gay é, tantas vezes, ter de provar que existimos com a mesma dignidade que qualquer outro ser humano. Ainda bem que existe Junho, porque o mês do orgulho é sobre isso: não é vaidade, é sobrevivência. É dizer “aqui estou”, apesar das feridas, apesar do medo. É lembrar Stonewall, sim, mas também lembrar os milhares de Matthew Shepards que nunca tiveram voz e os milhões que ainda hoje vivem no silêncio forçado, em países onde ser-se gay é crime, é pecado, é condenação à morte.

 

Hoje, em mais de 60 países do mundo (triste número), as relações homossexuais ainda são criminalizadas. Em alguns deles, como o Irão, a Arábia Saudita, a Nigéria ou o Uganda, a pena pode ser prisão perpétua ou até a morte. Não estamos a falar de passado, mas do presente. Vidas inteiras vividas no medo, no segredo, na negação de si mesmas. E enquanto isso acontecer, o orgulho gay continuará a ser um acto político, ético e profundamente humano.



Este ano, Lisboa acolhe o EuroPride 2025, de 14 a 22 de junho, culminando na grande Parada de 21 de junho ao longo da Avenida da Liberdade e Praça do Comércio. É a primeira vez que um país de língua portuguesa recebe este evento pan‑europeu, uma verdadeira afirmação da visibilidade LGBTQIA+ em Portugal e além-fronteiras. A sua importância transcende a festa: representa união, educação, visibilidade política e cultural, e envia ao mundo a mensagem de que há mais do que celebrar… há muito por conquistar.

 

Mas também é verdade que já caminhámos muito. Hoje, os gays podem casar em Portugal. Adotar. Amar em liberdade. Podemos ver-nos representados em filmes, na moda, nas capas de revistas. Podemos marchar nas ruas, de cabeça erguida. Podemos dizer “sou gay” sem ter de o sussurrar, e isso é imenso. Cada beijo dado em público, cada história contada, cada conquista legal é uma pedra na fundação de um mundo mais justo. É a prova viva de que, apesar de tudo, o amor resiste.

 

 

E noutras paragens, também há vitórias inspiradoras: mais de 35 países já legalizaram o casamento igualitário, entre eles os EUA, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Brasil, África do Sul e Austrália. A visibilidade melhorou em campanhas publicitárias, na representação política, e há leis que protegem contra discriminação no trabalho, na saúde e na educação. São conquistas lentas, mas firmes que mostram que a marcha do orgulho é, cada vez mais, uma marcha de humanidade.

Este meu post não é apenas uma homenagem a Matthew Shepard. É também uma promessa, a mim mesmo e a quem me lê, de que continuarei a usar as palavras, a criatividade e a liberdade que tenho para lembrar, lutar e inspirar. Porque o orgulho é isso: ser quem somos, com coragem, por nós e por quem ainda não pode.

 

“Ser gay é apenas uma parte de mim. Mas é a parte que, durante anos,

tentei e tentaram apagar. Hoje, é a parte que me dá mais força para continuar.”

João Libério

 

E que nunca nos esqueçamos: pessoas como Matthew Shepard e figuras como Harvey Milk ou Marsha P. Johnson, a mulher trans negra que enfrentou a polícia em Stonewall (28 de Junho de 1969, daí o Pride recair neste mês), não morreram em vão. As suas vozes ecoam em cada conquista, em cada bandeira do arco-íris erguida, em cada mão dada em público. Eles abriram caminho para que hoje se possa amar com mais liberdade. A luta continua, sim. Mas também continua a esperança. E é nela que resistimos; com orgulho, com amor, com verdade.


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Este “Como Treinares o Teu Dragão” em imagem real fez-me "voar" de novo. Já repararam como há filmes que, mesmo sendo fantasias, conseguem tocar em algo muito real dentro de nós? Na sexta-feira, fui ao cinema no OeirasParque ver o novo “Como Treinares o Teu Dragão”, em versão live-action e original, e confesso: saí da sala com o coração cheio. Sim, cheio de encanto, nostalgia e daquela rara sensação de que acabámos de viver algo especial.

 

Não é de agora que o cinema mainstream seja dominado por uma corrente de nostalgia. Está provado que para os estúdios de Hollywood, jogar no seguro acaba por ser apostar em continuações, reboots e remakes de filmes que fizeram sucesso no passado. Um dos efeitos disso são os live-actions de animações, mais frequentes nos últimos anos, principalmente pela mão da Disney, com Cinderella (2015), Mogli (2016), Dumbo (2019), O Rei Leão (2019), A Pequena Sereia (2023) e Branca de Neve (2025). Porém, adaptar um clássico da animação para imagem real pode ser um risco. Mas, se a Disney já provou que pode resultar, por que não também a DreamWorks? Ainda mais quando o projeto está nas mãos de Dean DeBlois, o realizador da trilogia original de animação que, ao longo de uma década, nos ensinou a voar com Hiccup e Desdentado, personagens que agora regressam num formato surpreendentemente realista

 

 

Desde o primeiro momento, voltamos a mergulhar na ilha de Berk, esse enclave viking de penhascos agrestes onde dragões e humanos, separados por gerações de desconfiança, finalmente encontram uma ponte de entendimento. E essa ponte chama-se Hiccup, um rapaz que desafia todas as regras ao fazer amizade com Desdentado (Toothless), um majestoso dragão Fúria da Noite. Confesso: vê-los em carne e osso (ou melhor, em carne e escamas hiper-realistas) foi uma experiência fantástica. A tecnologia de hoje deu vida aos dragões como nunca antes, com expressões, olhares e movimentos tão autênticos que por momentos quase me esqueci de que eram fruto de CGI. A inspiração em animais reais como gatos, cães ou cavalos tornou-os ainda mais empáticos, quase tangíveis.

 


Mas não é só no aspeto visual que esta adaptação brilha. O verdadeiro poder do filme está na sua emoção, na relação entre pai e filho, na coragem de ser diferente, e naquela sensação universal de que às vezes é preciso romper com o que nos ensinaram para seguir o nosso próprio caminho. Hiccup (Mason Thames,o rapazinho protagonista do filme terror “O Telefone Preto”, de 2021), é esse herói improvável, com quem nos identificamos desde sempre: não o mais forte, nem o mais respeitado, mas o mais empático. E isso é o que realmente faz mudar o mundo. A abordagem de DeBlois combina um espetáculo assombroso com um nível profundo de ligação emocional. "Sempre me senti atraído por histórias que dão significado a momentos de assombramento e tentam encontrar a coragem de olhar para além do medo e das convenções. A viagem de Hiccup mostra-nos o poder de questionar o que nos foi ensinado e de abraçar a possibilidade de algo mais ambicioso. Gozam com ele, ridicularizam-no e ninguém o entende, mas o Hiccup mantém-se fiel às suas convicções, e é isso que torna esta história tão universal."

 

Dean DeBlois regressa não apenas como realizador, mas como contador de histórias com alma. Disse ele, numa entrevista, que esta saga “faz parte dele” e que sentia saudades deste universo. E tal sente-se. A autenticidade com que aborda esta nova versão é comovente. Não se trata de copiar os filmes animados, mas de os reinventar, de os elevar, de os fazer ressoar com novas gerações, sem trair quem experienciou com os mesmos.

 

 

Gerard Butler está de volta como Estoico, o pai de Hiccup, e traz consigo a mesma presença poderosa, agora em carne e osso. E os novos atores que assumem os papéis principais, mesmo sem serem réplicas perfeitas das versões animadas (por exemplo, Astrid era loira), entregam performances que fazem jus à química e emoção que todos esperamos.

 

Gostei especialmente de saber que a própria autora dos livros, Cressida Cowell, vê nesta história um espelho da sua infância. A ilha de Berk nasceu da sua experiência pessoal numa ilha isolada na Escócia, onde imaginava dragões a cruzar o céu e vikings a surgir do nevoeiro. E a relação entre Hiccup, filho, e Estoico, pai, inspira-se na sua vivência com o seu próprio pai. Isto dá uma camada extra de humanidade ao filme e talvez por isso ele nos toque tanto.

 

 

A nova versão é também uma lição visual. As paisagens, o céu, o mar, os voos de cortar a respiração, tudo surge orquestrado com o equilíbrio certo entre emoção e espetáculo. A comparação dos realizadores com um sucesso recente “Top Gun: Maverick” (2022) não é para menos, nem exagerada: sentimos aquela euforia de voar em liberdade, mas agora... com dragões! Para DeBlois, imaginar novamente a sua criação animada para fazer um filme de imagem real foi um delicado exercício de equilíbrio entre o respeito pela saga e a reinvenção. "Espero que os espectadores que já adoravam estas personagens animadas as redescubram com uma profundidade maior e também surpreendente. Abordámos esta adaptação com um profundo respeito pelas suas origens, ao mesmo tempo que imaginámos o que se poderia tornar. É uma história que capta a magia do voo, a coragem de questionar o que nos foi ensinado e o assombro de descobrir algo extraordinário. Foi sempre esse o objetivo, e é isso que este filme proporciona de uma forma que o público nunca viu antes".

 

 

Se, como eu, adoraram a versão animada de “Como Treinares o Teu Dragão”, que teve filmes de enorme sucesso lançados em 2010, 2014 e 2019, vão sentir que este filme vos acolhe de volta. E se forem vê-lo pela primeira vez, preparem-se: vão sair a querer ter um dragão como melhor amigo. Porque, no fundo, esta é uma história sobre empatia, diferença, amor e coragem. E sobre a criança em nós que nunca deixou de querer voar. Recomendo sem hesitação. Preparem-se para se apaixonarem (ou se voltarem a apaixonar) por este universo, pois trata-se de um filme que vai aquecer tanto o coração dos fãs, como o daqueles que ainda não conheciam a história.

 


 

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Já repararam que estas frondosas árvores começaram a colorir as ruas de Lisboa? E não só… Sim, as suas flores lilás estão de volta. Os jacarandás começaram a florir e, com eles, as ruas de Lisboa, Oeiras, Cascais e um pouco por todo o país vestem-se de um lilás que não passa despercebido, uma espécie de milagre visual que se repete todos os anos por esta altura e que, confesso, me enternece sempre um pouco. Há qualquer coisa de mágico naquele tom violeta suave, quase etéreo, que transforma o quotidiano urbano num autêntico postal impressionista. E estou certo de que não sou o único a sentir isso. Verdade?

 

Mas, afinal, que árvores são estas que pintam as nossas cidades com tal exuberância? O seu nome científico é Jacaranda mimosifolia, e são originárias da América do Sul, mais precisamente da Argentina, Bolívia e Paraguai. Chegaram a Lisboa no início do século XIX, trazidas do Brasil por ordem do Jardim Botânico da Ajuda. Conta-se que foi Felix Avelar Brotero, o pai da Botânica em Portugal, quem teve a visão de plantar estas lindezas por aqui. Primeiro, no jardim da Ajuda e, depois, animou-se e fê-lo um pouco por toda a cidade. Um gesto de génio botânico e, também, de sensibilidade estética.

Em Lisboa, os jacarandás anunciam o verão com um certo dramatismo: perdem as folhas no final de abril para dar lugar a uma explosão de flores lilases entre maio e junho. E, em anos generosos, ainda nos brindam com uma segunda floração em setembro, embora mais discreta. Nas avenidas e praças, a sua presença não passa despercebida: Parque Eduardo VII, Largo do Carmo, Avenida D. Carlos I, Avenida 24 de Julho, Restelo, Campo Pequeno e, claro, a tão falada Avenida 5 de Outubro, onde já foram protagonistas de lutas cívicas por estarem ameaçados por planos de estacionamento.


Mas nem tudo são flores, ou melhor, nem todos gostam das flores. Há quem se queixe do cheiro, do líquido pegajoso, da sujidade nos carros e até das alergias. O que para muitos é um espetáculo visual encantador, para outros pode resultar num incómodo com perfume agridoce. Ainda assim, é inegável que estas árvores se tornaram parte da identidade visual de Lisboa. E não apenas cá: Pretória, na África do Sul, é conhecida como a “capital mundial dos jacarandás”, onde se acredita que uma flor que caia na cabeça de um estudante durante a época dos exames traz boa sorte. Em Buenos Aires, Argentina, dizem até que os jacarandás murmuram tangos. E por cá, a sua fama é tal que Eugénio de Andrade eternizou-os em poesia, descrevendo-os como um paraíso à entrada dos seus sonhos:

Não sei doutra glória, doutro paraíso: à sua entrada os jacarandás estão em flor, um de cada lado./ E um sorriso, tranquila morada, à minha espera./ O espaço a toda a roda multiplica os seus espelhos, abre varandas para o mar./ É como nos sonhos mais pueris: posso voar quase rente às nuvens altas – irmão dos pássaros –, perder-me no ar.

É curioso pensar que estas árvores, exóticas e tropicais, se adaptaram tão bem ao clima lisboeta e às suas gentes. Talvez seja essa a razão por que nos tocam tanto: são uma metáfora viva da beleza inesperada, da adaptação, da persistência e da delicadeza. E todos os anos, sem falhar, lá estão elas, para nos lembrar que, por entre a azáfama da cidade, ainda há espaço para a contemplação.

Eu, pelo menos, dou por mim a olhar para cima e a sorrir com os olhos. Que sorte viver num lugar onde o céu, por algumas semanas, parece florescer nas árvores... Deixo-vos com uma imagem tirada ontem (13 de junho) por mim, numa singela rua de Paço de Arcos.



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Sou da geração que assistiu à chegada da Internet, dos primeiros telemóveis, verdadeiros "tijolos", e que ainda se lembra do som de um fax. E, no entanto, aqui estou eu, em 2025, a perder um "duelo" com… estores automáticos.

Esta é uma reflexão pessoal sobre o (des)encanto da domótica, o declínio cognitivo e a ilusão do conforto total. Isto porque rendi-me. A uma ideia, a um comando e a um par de estores.  Não pelo sol, embora ele tenha desempenhado um papel de destaque, nem pela tecnologia em si. Fui vencido por mim próprio, pela ilusão de que o futuro nos traria mais controlo, mais eficiência e, claro, mais estilo. A decisão pareceu inofensiva: a substituição de estores manuais por uma versão elétrica, inteligente, controlo remoto e promessas de conforto absoluto. Um upgrade doméstico. Uma afirmação estética. Um pequeno passo para mim, um grande passo para a ficção científica aplicada ao lar.

 

Mas rapidamente percebi que havia um problema. Quando o comando morreu, e os estores recusaram-se a obedecer, não houve botão de emergência, nem plano B. O espaço ficou refém de uma luz agressiva que entrava descaradamente. E eu? Fiquei a olhar para a parede, a tentar lembrar-me das instruções que ignorei no dia da instalação. O Google não me salvou e o bom-senso também não. Na verdade, foi ali, nesse desconforto solar inesperado, que se me acendeu outra luz: a da reflexão. Será que estamos a ficar demasiado dependentes de sistemas que nos retiram a autonomia sob o pretexto de nos facilitar a vida? Será que uma casa “inteligente” nos torna, na prática, um pouco menos... espertos?

 

 

Isto não é apenas intuição. A ciência confirma: estamos a perder capacidades cognitivas. Um artigo recente do Financial Times revela que, desde 2012, os níveis de literacia, raciocínio matemático e resolução de problemas entre jovens, e também adultos, têm vindo a decrescer. A OCDE confirma que o pico de desempenho nas competências básicas ocorreu há mais de uma década. Adicionalmente, estudos longitudinais como o Monitoring the Future apontam para uma crescente dificuldade de concentração e pensamento crítico, sobretudo a partir da explosão do digital e do consumo intensivo de conteúdos rápidos e fragmentados. Estes estudos, por exemplo, indicam que os jovens, e nós também, temos cada vez mais dificuldade em manter a atenção. Um fenómeno diretamente associado ao excesso de estímulos, ao scroll infinito e à passividade tecnológica. E se, por um lado, ganhamos tempo e conforto, por outro perdemos agilidade, leitura profunda e, pior ainda, autonomia.

 


Casa inteligente, cérebro distraído


E enquanto os nossos cérebros ficam mais dispersos, as nossas casas ficam mais “inteligentes”: termóstatos que aprendem os nossos hábitos, luzes que reagem ao movimento, colunas que sentem o nosso humor. Tudo parece funcionar, até deixar de funcionar. E quando isso acontece, muitos de nós já não sabemos o que fazer. Perdemos o controlo literal e simbólico. Já não abrimos janelas. Já não puxamos estores. Já não lemos um livro até ao fim...


A tecnologia oferece, sim, vantagens inegáveis: eficiência energética, segurança reforçada, acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida. É uma revolução arquitetónica e social que entendo e até admiro. Mas a linha entre eficiência e dependência está cada vez mais ténue. E, como em tudo, quando o equilíbrio se perde, instala-se o despropósito.

 

 

A verdade é que o conceito de “casa inteligente” fascina-me, e até partilho algum do otimismo dos arquitetos que veem nestes sistemas o futuro da habitação urbana. Mas, talvez por isso mesmo, valha a pena lembrar que uma casa funcional não tem de nos substituir, apenas servir-nos. A verdade é que tenho receio de viver numa casa que pense por mim. Gosto da ideia de automação, mas não quero que ela me substitua. Quero viver numa casa que me sirva, não que me vigie. Que me facilite a vida, não que me infantilize. Que me acompanhe, sem me roubar o instinto.


É por isso que, nos últimos tempos, tenho feito pequenos regressos ao essencial: mais papel, menos ecrãs. Mais movimento, menos comando. Mais silêncio, menos assistentes de voz que “sempre estão a ouvir”. Porque entre uma casa que sabe tudo sobre mim e um cérebro que se vai esquecendo de pensar, escolho continuar a pensar. Nem que seja às cegas, mas com estores manuais e plena consciência.

 


E se dúvidas houvesse, o recente apagão global em Portugal e Espanha deixou tudo ainda mais claro, ou melhor, escuro. Um simples colapso foi suficiente para paralisar aeroportos, hospitais, transportes, empresas e até cafés de bairro. Num instante, vimos como tudo, absolutamente tudo, depende de um sistema invisível que damos por garantido. A tecnologia, que prometia autonomia e fluidez, mostrou-se frágil e, ironicamente, ficámos num impasse. Não sabíamos onde ir, como pagar, o que fazer. E nesse vazio digital, percebemos que, mais do que utilizadores, somos reféns de um sistema demasiado inteligente... para ser confiável. Talvez o essencial no futuro não seja termos uma casa conectada, mas termos a liberdade de desligá-la e, ainda assim, sabermos viver.

 

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Há datas que se inscrevem na História com traço firme. 7 de Junho de 1494 é uma delas. Nesse dia, na vila castelhana de Tordesilhas, foi assinado um tratado que mudaria para sempre a geopolítica global. Um acordo traçado a tinta e pena, mas com o peso de um império. Portugal, pela mão de D. João II, dividiu o mundo com Castela e tornou-se, literalmente, dono de metade do planeta. Hoje, 531 anos depois, debruço-me sobre este capítulo da História de Portugal, um dos que mais me fascinou desde sempre.

Enquanto outros rezavam, nós navegávamos. Enquanto hesitavam, nós descobríamos. Portugal era então mais do que um reino: era uma visão, um impulso, uma força em expansão. Com o Atlântico aos pés e a Índia no horizonte, D. João II soube jogar bem o tabuleiro de xadrez da diplomacia com estratégia, frieza e... informação.

 

O Tratado de Tordesilhas surge num contexto de rivalidade crescente entre as duas Coroas ibéricas, após o regresso de Cristóvão Colombo da sua primeira viagem ao “Novo Mundo”, em 1493. João II não hesitou: reclamou as terras descobertas, argumentando que estavam a sul das Canárias e, portanto, do lado português segundo o Tratado de Alcáçovas (1479). Mas os Reis Católicos reagiram rapidamente. Com o apoio do Papa Alexandre VI, foram emitidas quatro bulas papais que davam a Castela um domínio alargado sobre as novas terras. Portugal estava encurralado.

Ou talvez não. Porque D. João II era muito mais do que um rei. Era, como tantos lhe chamaram, o “Príncipe Perfeito” e sabia muito mais do que dizia. Tinha acesso a uma rede de informação secreta, os seus "lançados", que lhe terão revelado a existência de terras para lá do Atlântico Sul, aquilo que mais tarde viria a ser o Brasil. E foi por isso que se mostrou intransigente: exigiu que a linha de demarcação fosse deslocada das 100 para as 370 léguas a oeste de Cabo Verde. Um posicionamento cirúrgico. Um golpe de mestre!


Com essa manobra, Portugal garantiu não só o monopólio da rota do Cabo rumo à Índia, como assegurou a posse daquilo que viria a ser o maior território lusófono do mundo. Castela ficou com o lado errado da linha. Nós ficámos com o Brasil, a Amazónia, a costa africana, Goa... e com o futuro.

Há quem diga que o Tratado foi assinado nas Casas do Tratado, construídas na margem direita do rio Douro, junto à igreja de San Antolín. Outros defendem que foi no desaparecido palácio real de Tordesilhas, onde os Reis Católicos estavam alojados. Mas, mais do que o local, importa o simbolismo: ali, num acordo entre dois impérios, escreveu-se uma das páginas mais audazes da História mundial.


Hoje, quando nos dizem que Portugal é pequeno, apetece-me responder com um sorriso. Porque já fomos grandes. Imensos. Porque fomos donos de metade do planeta, num tempo em que o mundo ainda não se sabia mundo. E porque continuamos a sê-lo, na memória, na língua e na cultura espalhada pelos cinco continentes.

É por isto e por muitas outras coisas, que tenho orgulho em ser português. Este meu post acaba por ser uma homenagem ao génio diplomático de D. João II e ao espírito visionário de um país que ousou dividir o mundo.

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“Missão: Impossível – O Ajuste de Contas Final”: será mesmo esta a última corrida de Ethan Hunt? Há quase trinta anos que acompanhamos a personagem Ethan Hunt a saltar de aviões, a correr contra o tempo e a desafiar a física com um estoicismo que só Tom Cruise conseguiria tornar plausível. Agora, com “Missão: Impossível – O Ajuste de Contas Final”, a saga regressa com aquele que pode ser, ou não, o seu derradeiro capítulo, numa explosiva homenagem ao cinema de ação que não se rende à facilidade do digital. E, pela complexidade e exigência do argumento, nem poderia...

Realizado por Christopher McQuarrie, este novo filme ultrapassou todas as expectativas, ao quebrar o recorde de bilheteira da saga logo na sua estreia. Só nos EUA, arrecadou 8 milhões de dólares na noite em que estreou, com previsões que apontam para 85 milhões durante o fim de semana do Memorial Day. E não é apenas na América: na Índia, por exemplo, superou os 6 milhões em menos de uma semana. Globalmente, caminha a passos largos para os 200 milhões.

 

Mas, mais do que números, por muito impressionantes que sejam, este “Ajuste de Contas Final” representa uma espécie de testamento cinematográfico. Um filme que não se limita a repetir fórmulas, mas que arrisca, expande e, acima de tudo, acredita.

 

 

IA vs. Humanidade

Nesta oitava missão, Ethan Hunt enfrenta o seu inimigo mais insidioso: a Entidade, uma inteligência artificial que ameaça controlar, e destruir, a humanidade. Acompanhado por rostos familiares como Luther (Ving Rhames), Benji (Simon Pegg) e Grace (Hayley Atwell), e por novas caras como Hannah Waddingham e Holt McCallany, Hunt mergulha num conflito que transcende o físico e "flerta" com o espiritual.

 

A IA é aqui mais do que um vilão: é um “anti-deus”, um algoritmo todo-poderoso capaz de manipular a realidade. Hunt, por outro lado, surge como uma espécie de Messias, relutante, com a sua “cruz” literal e metafórica às costas, numa missão que é tanto física, quanto simbólica. Em vez de dogmas, o nosso herói prega a verdade com cenas de ação de cortar a respiração.

 

 

Cinema em estado puro

Sim, há uma narrativa com altos e baixos: o primeiro acto é denso e exigente, mas quando o filme ganha ritmo, faz aquilo que só "Missão: Impossível" sabe fazer: deslumbra. As cenas filmadas num verdadeiro submarino, as perseguições em plena tundra ártica e o clímax aéreo com dois aviões bimotores são não só proezas técnicas, mas também homenagens à arte de fazer cinema “à moda antiga”.

 

Não se trata apenas de espetáculo visual. Trata-se de crença. Crença na experiência humana, na emoção, na vulnerabilidade do corpo físico perante o perigo. Crença, sobretudo, num cinema que não se resume a CGI, mas que vive de suor, risco e paixão.

 

 


O fim ou um novo começo?

Apesar de anunciado como “epílogo”, o filme deixa pontas soltas e personagens com espaço para crescer. Há quem diga que esta é a conclusão definitiva. Outros, que é apenas uma pausa. Seja como for, “Missão: Impossível – O Ajuste de Contas Final” não é apenas mais um blockbuster. É uma autêntica carta de amor ao cinema, escrita com a ousadia e a dedicação de um homem que, goste-se ou não, se tornou sinónimo de espetáculo. Porque Tom Cruise acredita no cinema. E nós, ao vê-lo em ação, também acreditamos.

 

Parecia impossível fazer melhor do que o último filme. Mas, tal como o próprio Ethan Hunt, este novo capítulo provou que não há limites quando o desafio é grande. Num tempo em que tanto se vê em ecrãs pequenos (refiro-me ao streaming e ecrãs de iPads ou telemóveis), “Missão: Impossível – O Ajuste de Contas Final” é um lembrete poderoso daquilo que o cinema, em sala, ainda pode provocar. Este não é apenas mais um filme de ação, é uma experiência sensorial, um espetáculo imagético que vibra em cada sequência, que nos faz prender a respiração e esquecer, por instantes, o mundo lá fora. Por isso, se há filmes que merecem ser vistos no grande ecrã, com som envolvente e imagens arrebatadoras, este é um deles. Tom Cruise não arriscou a vida (literalmente, pois pouco ou nenhum uso faz de duplos) para o vermos num ecrã pequeno. Façam-se à estrada, escolham a melhor sala de cinema e deixem-se levar por esta “missão” onde a emoção é real e impossível de ignorar.

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